Política

Mato Grosso pena para quitar dívida em dólar de R$ 1,68 bilhão

Fotos Ahmad Jarrah

O montante de R$ 1,68 bilhão é uma fábula circunscrita ao campo das ideias para a maioria das pessoas, diferente dos gestores públicos sérios, que sabem exatamente o valor do dinheiro. Num estado como Mato Grosso, que conta com pouco mais de 3,2 milhões de habitantes, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), os recursos poderiam ser utilizados, por exemplo, para tirar do caos a situação em que a saúde se encontra. A quantia, no entanto, refere-se a um nebuloso empréstimo, feito em dólar.

O ano era 2012. Na época, sob o comando do ex-governador Silval Barbosa (PMDB), Mato Grosso buscava desesperadamente por financiamentos para assegurar outra iniciativa controversa: a implementação do Veículo Leve sobre Trilhos (VLT). Após o aval do Senado, que autorizou o Estado a reestruturar sua dívida, Silval, hoje preso em virtude da operação “Sodoma”, viajou a Nova Iorque para assinar um empréstimo de US$ 479 milhões junto ao Bank of America.

Apesar de moralmente questionável, empréstimos tomados pelo poder público por meio de instituições financeiras privadas tornaram-se prática comum em muitos governos, mesmo porque não existe legislação que proíba esse tipo de transação. Neste caso específico, no entanto, chama a atenção os termos em que o acordo foi realizado. Um dos mais polêmicos diz respeito ao fato de a dívida variar conforme o dólar, ou seja, se a cotação da moeda norte americana subir, o saldo devedor também aumentará.

Especialistas da área financeira afirmam não entender o porquê de gestores de uma unidade federativa pertencente a um país como o Brasil – palco das oscilações e termos técnicos do capital especulativo mundial – aceitarem um acordo visivelmente ruim. Quando Silval Barbosa firmou o compromisso junto ao Bank of America a moeda norte-americana era cotada a R$ 2,02. O valor do câmbio na última sexta-feira (11) registrava R$ 3,59 para o dólar comercial – aumento de 77,7% da data do empréstimo.

Pouco mais de dois anos depois, em 2014, Silval Barbosa, ainda governador, defendeu os empréstimos realizados em sua gestão, afirmando que diminuiu a dívida de Mato Grosso herdada de gestões anteriores. Na ocasião, ele afirmou que o governo pagou R$ 4 bilhões entre os anos de 2010 e 2012.

Em 2003 o Estado possuía uma dívida de R$ 5 bilhões, com orçamento aproximado de menos de R$ 2 bilhões por ano. Hoje a situação do Estado mudou: a dívida subiu para R$ 7,1 bilhões – incluindo o montante que é dolarizado – e possui receita de R$ 16,5 bilhões, segundo dados da Secretaria de Estado de Fazenda (SEFAZ-MT).

Estado pagou terceira parcela da dívida

O governo do Estado pagou na quinta-feira (10) a terceira parcela da dívida dolarizada com o Bank of America. O valor repassado à instituição financeira foi de R$ 126.140.885,00 com o câmbio cotado a R$ 3,6980 (referência do dia 09 de março). 

Em dólares a parcela paga hoje é de aproximadamente US$ 34 milhões, sendo US$ 21,5 milhões para amortização da dívida (o empréstimo em si), US$ 10,6 milhões para pagamento de encargos e juros e US$ 1,8 milhões de imposto de renda. 

No ano passado, o Estado quitou R$ 230 milhões junto à instituição norte-americana, montante 143% maior do que os R$ 94,3 milhões pagos em 2014, ainda no governo Silval Barbosa, quando foram pagos apenas os juros e encargos.

A dívida de Mato Grosso é de cerca de R$ 7 bilhões, segundo dados da SEFAZ-MT, valor referente a empréstimos contraídos com autarquias do Governo Federal, como o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e a Caixa Econômica Federal (CEF), para investimentos em obras da Copa do Mundo, além de outras dívidas contraídas pelas gestões anteriores.

Desse total, em torno de 24% corresponde à dívida dolarizada (R$ 1,68 bilhão). Os pagamentos para o Bank of America estão programados para até 2022 – ou seja, se Pedro Taques permanecer no governo até lá, ainda terá que lidar com esse fantasma da era Silval Barbosa.

Estado culpa governo federal

Mesmo com boa parte da dívida nominal de Mato Grosso tendo origem em empréstimos do BNDES e da Caixa Econômica Federal, ambas instituições públicas federais, o governo estadual ainda busca pelas parcelas em atraso do Auxílio Financeiro para Fomento às Exportações (FEX) de 2015 e 2016.

O FEX é uma espécie de “compensação” à Lei Complementar nº 87/1996, chamada “Lei Kandir”. Como o Circuito já explicou em sua edição 557, de outubro de 2015, o dispositivo legal funciona como um tipo de “anistia”, que isenta o pagamento do Imposto Sobre Circulação de Mercadorias (ICMS) aos agricultores que exportam produtos primários (soja, milho, algodão, carne in natura etc.). De acordo com a Secretaria de Estado de Fazenda (SEFAZ-MT), só em 2014, Mato Grosso deixou de arrecadar R$ 4,1 bilhões por causa desse “privilégio”.

O governo de Estado, que acentuou as críticas ao governo federal após a filiação do governador Pedro Taques ao PSDB, em agosto de 2015, vem cobrando os repasses do FEX, de responsabilidade da União. 

De acordo com a assessoria da SEFAZ, o Palácio Paiaguás vem honrando seus compromissos, “apesar do calote da União”. Além da falta de recursos, o governo do Estado também culpa o executivo federal pela falta de verbas para os municípios, uma vez que 25% do FEX é destinado às cidades, segundo a Secretaria. 

Paulo Brustolin, secretário da SEFAZ, também culpa o governo federal pelo fato de Mato Grosso não ter se enquadrado na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) no segundo e terceiro quadrimestre de 2015.

Veja mais na edição 575.

Diego Fredericci

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