Cidades

Mato Grosso lidera casos de hanseníase há 30 anos

Mato Grosso há quase 30 anos permanece no topo do ranking nacional com maior incidência de Hanseníase. De acordo com a Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, em 1990 o Estado contabilizou 100 casos por 100 mil habitantes e, em 2015, foram 90 casos por 100 mil habitantes, ou seja, houve uma redução de apenas 10%.

Os casos registrados no Estado estão bem distantes dos contabilizados nacionalmente, que têm média 20 casos por 100 mil habitantes. O aceitável para a Organização Mundial de Saúde (OMS) é de 10 doentes por 100 mil habitantes. O coordenador do Programa Estadual de Controle da Hanseníase, Cicero Fraga de Melo, afirma que há falta de interesse da gestão pública à doença para a diminuição de incidência da Hanseníase.

“Hanseníase é uma doença negligenciada. Os municípios que estão silenciosos não têm o comprometimento do gestor. Ainda há municípios que não têm nenhum caso de Hanseníase, e quando vamos lá e capacitamos o profissional para fazer uma busca ativa, um mutirão… Tem municípios que, em um dia de ação, são identificados 30 casos”, revela.

Em Mato Grosso foram registrado 2941 novos casos em 2015, de acordo com a Secretaria de Estado de Saúde (SES). Cuiabá registrou 68 casos por 100 mil habitantes, totalizando 400 novos casos em 2015. Para o pediatra, especialista em Hanseníase há 14 anos, José Cabral Lopes, os números são bem maiores que os registrados.

“É uma doença que não engorda, não emagrece, não dá pressão alta, não aumenta glicose, não faz nada. Então, se você não quiser mostrar, você não mostra. A mancha pode estar em qualquer parte do seu corpo”. E revela que o diagnóstico precoce só é realizado normalmente quando a lesão é na face ou na mão, “porque são duas partes do corpo que você não esconde”.

Para o tratamento e acompanhamento adequado dos pacientes com Hanseníase, o Centro Estadual de Referência em Média e Alta Complexidade (Cermac) deveria ser referência, contudo, por falta de especialista no local, os pacientes recorrem ao Hospital Universitário Júlio Müller, como principal polo para tratamento da doença.

Segundo o médico José Cabral, o Centro de Referência é o sonho de todo profissional que lida com esse agravo. “O Centro seria importante para que o paciente recebesse todos os cuidados. Não só o tratamento básico, mas uma sala de curativo, a salas de recuperação, de fisioterapia, sapataria, assistência social e psiquiatria. Nós ficamos tapando buracos”, revela. 

E denuncia. “Um Estado, deste tamanho, que tem o maior índice de Hanseníase do mundo é para ter um lugar só para atender os pacientes”.

Estado investe em treinamento

As taxas dos municípios de Água Boa e Novo Mundo são as que mais chamam atenção. Em 2013, Água Boa registrava 52 novos casos na cidade; já em 2015 apresentou 200 novos casos. Em Novo Mundo, que apresentou apenas sete casos em 2013, foram catalogados 85 casos no ano passado.

Cicero de Melo explica que o aumento dos números dos casos apresentados nestes municípios se dá devido ao programa de treinamento realizado com os profissionais de saúde. Os pacientes muitas vezes eram tratados com dermatites e problemas de reumatismo, ao invés da hanseníase.

Segundo Mello, o diagnóstico dos pacientes do Estado tem a menor taxa de incapacidade física do País. “Nós estamos conseguindo diagnosticar em tempo oportuno de tratamento. O Rio Grande do Sul, onde é considerada eliminada a hanseníase, as pessoas, às vezes, são diagnosticadas completamente aleijadas. Lá tem percentual de 19% de incapacidade física nos novos casos. Em Mato Grosso, o grau de incapacidade física é de 4,5%”, revela.

Pai e filhos contaminados

O paciente Vinicius (nome fictício) chegou há um mês no Hospital Universitário Júlio em Cuiabá, carregado pelo irmão, no colo, e apresentava um caso avançado de Hanseníase. A doença está na família há anos e, com o diagnóstico, foi descoberto que o irmão de Vinícius também era portador.  

Os dois contraíram hanseníase do pai, já falecido. O pai escondeu da mãe deles que tinha a doença. Contudo, depois de uma conversa com o médico, em que a mãe dos garotos descreveu as características do pai, o clínico identificou a origem da doença nas crianças.

O médico explica que a mãe não contraiu a doença porque apenas 10% da população é suscetível à Hanseníase. “90% da população tem resistência. Isso é de predisposição genética e a gente não muda isso. Evidente que mesmo aqueles que têm resistência, quando começam a ter exposições muito intensas à enfermidade de pacientes com alta carga bacilar – além de uma convivência promiscua, é possível pegar a doença”, afirma.

O tratamento de Vinicius foi feito por uma equipe multidisciplinar, com profissionais de reumatologia, nefrologia e clínica médica. “Foram várias especialidades que deram conta para que ele hoje pudesse realizar atividades do cotidiano, como andar de moto”, disse Cabral.

Devido ao grave estado em que chegou, algumas marcas ficam para o resto da vida. Vinícius possui o que o médico chama de “orelha de figo seco”, e isso, mesmo com tratamento, não tem reversão.

Estigma pode provocar depressão no paciente

A doença silenciosa e rodeada de estigmas é de tratamento simples e acessível, mas devido ao grande preconceito da sociedade ainda é motivo de vergonha para os doentes.

“Eu tenho estigma de você por você ser hanseniano, e você tem estigma de você mesmo, por você ser hanseniano. Hanseníase não mata ninguém, mas maltrata tanto que às vezes mortes ocorrem por causa da depressão”, revela Cabral.

A Hanseníase, antigamente conhecida como Lepra, é descrita como uma das doenças mais antigas da humanidade. No passado, os pacientes eram afastados do seu convívio social, e isolados em hospitais especializados. Hoje, esse tipo de isolamento não é mais usado, pois não é necessário já que a doença tratada não é mais passível de transmissão.

Contudo, o estigma ainda permeia a sociedade. “É preciso entender que o hanseniano não é criminoso, ele tem apenas uma doença e é tratável. Nós temos medicamentos muito eficientes. Se tomar remédio, cura”, pondera Cabral.

Ele diz que o Hospital Universitário Júlio Müller, referência no tratamento de Hanseníase em Mato Grosso, recebe casos com alta gravidade devido ao preconceito que as pessoas têm de procurar ajuda. “Eu fiz um diagnóstico de uma senhora de 73 anos com uma sequela de grau 2 de incapacidade, virgem de tratamento. A doença dessa mulher não foi vista pelos filhos, por enfermeiros, por ninguém. Isso deixa a gente chateado, por que é uma doença que tem cura”.

O médico explica que uma pessoa infectada e não tratada contamina outras cinco pessoas por ano. “Ou seja, se uma pessoa passou 10 anos com a doença, sem tratamento, ela contaminou ao menos 50 pessoas. E essas pessoas, mais pessoas…”.

Há ainda o mito de que a Hanseníase é uma doença que só acomete nas classes mais baixas da sociedade. Cabral é categórico: “É uma doença humana e qualquer pessoa pode pegar”. “Os mais carentes estão mais sujeitos a doenças infecto contagiosas, por desinformação. Eles podem ter mais probabilidade de pegar a doença, por causa das condições em que vivem, não por serem pobres, mas porque vivem expostos e com menos informação”.

O coordenador do Programa Estadual de Controle da Hanseníase endossa a fala do médico. “Se um paciente é diagnosticado tardiamente, e tiver alguma sequela, para não mostrar essa limitação física, o paciente se auto isola. Se esconde, muda de cidade, vai para sítio… Esse é o estigma da doença”.

Riscos na gravidez

Um dos medicamentos usados para tratamento da Hanseníase é a Talidomida. Medicamento perigoso e proibido para mulheres em idade fértil, pois dentre as gravidades a criança de uma mulher que toma esse medicamento pode nascer com braço e perna atrofiados.

No Hospital Universitário Júlio Müller, quando a paciente está em idade fértil, o médico trata junto à equipe de ginecologia. A prevenção acontece com a implantação de DIU, ou um anticoncepcional injetável. “Nós conversamos com o marido que ele tem que usar preservativo em todas as relações, pois, do contrário, seu filho pode nascer sem braços ou pernas”, diz o médico.

Um grande mito é que a grávida com Hanseníase pode passar a doença para o bebê, mas a doença não ultrapassa a barreira placentária. “A grávida com Hanseníase é tratada como outro paciente qualquer. Evidente que uma mulher com Hanseníase terá uma gravidez de alto risco, e tem que ter um cuidado maior”, explica Cabral.

Doença contagiosa, mas tem cura

A Hanseníase é uma doença bacteriana e contagiosa. É transmitida por um bacilo que passa de uma pessoa doente que não esteja em tratamento, para outra, por secreção nasal, espirros e tosse. É importante esclarecer que a doença não é transmitida por compartilhamento de copos, abraços, nem de pai para filho.

O paciente com hanseníase apresenta, em sua maioria, manchas esbranquiçadas na pele com baixa sensibilidade e sensação de formigamento. Diminuição da força dos músculos e nódulo no corpo. E isso é o que traz mais estigma ao paciente, pois, quando tratado tardiamente, pode causar deformidades nas mãos e pés.

A doença tem cura, e o tratamento é feito integralmente pelo Sistema Único de Saúde, além de possuir um diagnóstico simples. É primordial saber que assim que o paciente recebe a primeira dose do tratamento, ele deixa de transmitir a doença.

Entretanto, a Hanseníase não é doença erradicável. “Só é possível erradicar doenças que têm vacinas. Hanseníase não tem vacinas, e você não vai erradicar nunca. A doença existe no mundo inteiro. Mas o controle é possível”, explica Cabral.

Veja mais na edição 592 do jornal impresso 

Cintia Borges

About Author

Você também pode se interessar

Cidades

Fifa confirma e Valcke não vem ao Brasil no dia 12

 Na visita, Valcke iria a três estádios da Copa: Arena Pernambuco, na segunda-feira, Estádio Nacional Mané Garrincha, na terça, e
Cidades

Brasileiros usam 15 bi de sacolas plásticas por ano

Dar uma destinação adequada a essas sacolas e incentivar o uso das chamadas ecobags tem sido prioridade em muitos países.