Foto Tony Ribeiro/GCom
Mato Grosso é modelo para o Brasil no que diz respeito à Lei Maria da Penha. Foi o primeiro estado a implanta-la e é o único que aplica o artigo 14 da lei, recurso judicial importante, pois fornece maior amparo à mulher vítima de violência. O artigo declara que os processos cíveis e criminais devem tramitar juntos, ou seja, que o processo de acusação do agressor (criminal) e os processos de divórcio, guarda dos filhos, auxilio, entre outros (cível) sejam julgados pelo mesmo juiz.
Contudo, apesar de exemplar nesses aspectos, o estado ainda peca na atuação policial para defesa das mulheres. Desde 2010, as Delegacias Especializadas de Defesa da Mulher deixaram de dar prioridade de assistência às mulheres e acumularam mais três funções: serviços de atendimento à criança, adolescente e idoso. A primeira a ser modificada foi a de Rondonópolis e assim prosseguiu, até que hoje, das seis Delegacias da Mulher existentes no estado, apenas a de Barra do Garças permanece do modo original.
“Eu questiono muito os delegados: E quando chega um caso de uma mulher e um idoso que foi agredido, quem você atende primeiro? Claro que é o idoso. Precisamos de uma delegacia especializada, pois somos 53% da população e a violência é gritante. As estatísticas não mentem, de 10 casos que aparecem nos plantões das delegacias, 8 são Maria da Penha”, declarou Rosana Leite, defensora pública e presidente do Conselho Estadual de Políticas Públicas para as Mulheres.
A mudança vem sendo feita desde a gestão dos governadores Blairo Maggi (PP) e Silval Barbosa e prossegue no governo de Pedro Taques (PSDB), a justificativa é a falta de recursos públicos para separação em delegacias específicas.
Essa situação prejudica de forma imensurável as mulheres de Mato Grosso, condição que já é suficientemente grave. Até agora em 2016 uma mulher foi assassinada a cada quatro dias no estado e segundo o “Mapa da Violência 2015: Homicídio de Mulheres”, Mato Grosso está acima da média nacional no homicídio de pessoas do sexo feminino. Enquanto o Brasil conta com 4,8 mulheres mortas para cada 100 mil habitantes, a média de MT é de 5,8.
De forma prática, a junção de especialidades dificulta para as mulheres a fim de denunciar seus agressores, pois há demora na fila de espera e dependendo do plantão, não haverá servidores capacitados para o atendimento.
A defensora Rosana Leite explica que essas mulheres chegam muito fragilizadas, e necessitam de amparo e tratamento especializado. “Se esse atendimento ocorre num plantão, fora de um atendimento especializado, corre o risco de ela não ser bem atendida e entender pela não efetividade da lei, deixar de buscar ajuda e ser mais uma vítima do feminicídio no futuro”, completou.
Feminicídio em MT
Além das falhas no atendimento, a polícia mato-grossense não contabiliza as vitimas de feminicídio, prejudicando a compreensão do crime no estado e criação de políticas públicas eficientes para combatê-lo.
A lei 13.104/15 alterou o código penal para incluir mais uma modalidade de homicídio qualificado, o feminicídio. Este tipo específico de crime acontece quando a mulher sofre violência no âmbito doméstico e familiar, ou quando é vitima pelo fato exclusivo de ser mulher. Entrou em vigor em março de 2015, mas ainda não temos estatísticas sobre os crimes ocorridos aqui. Todas as mulheres mortas são incluídas nos dados de “homicídios de mulheres”, sem especificar quantos destes podem ser classificados como feminicídio.
Violência de gênero e racismo
Tais fatores institucionais que contribuem para violência de gênero em Mato grosso acabam afetando de forma mais violenta mulheres negras e pobres. O machismo entrecruzado com o racismo faz com que a taxa de mortalidade de mulheres brancas no Brasil tenha diminuído 9,8% em dez anos, enquanto a média de mulheres negras mortas no mesmo período subiu 58,5%. Segundo dados do “Mapa da Violência”, 61 negras e 28 brancas foram assassinadas no ano de 2013 em Mato Grosso.
Casos de barbárie absurda, como o estupro coletivo ocorrido no Rio de Janeiro, em que cerca de 30 homens estupraram uma garota de 16 anos, e aqueles em que a vítima é de classe alta e pele branca ganham manchetes por meses nos veículos de comunicação e geram comoção geral. No entanto, feminicídios em classes menos abastadas e com vítimas de pele escura, além daqueles considerados “mais comuns” continuam na invisibilidade, sem sequer gerar estatísticas em Mato Grosso, já que o estado não diferencia feminicídio de homicídio padrão.
Plano de Políticas Públicas para as Mulheres
Rosana Leite afirma que Conselho Estadual de Direitos da Mulher, entidade que é presidente, está a espera da implantação do Plano Estadual de Políticas Públicas para as Mulheres de Mato Grosso. O projeto foi elaborado pelo Conselho durante 1 ano e apresenta um diagnóstico de Mato Grosso. “Nós dividimos em 5 eixos e contemplamos as secretarias do governo com suas tarefas para que o plano funcione. Fizemos um diagnóstico da região, porque cada estado tem sua realidade. Aqui nós temos mulheres ribeirinhas, quilombolas, vários tipos de mulher que não tem em outro estado. Fizemos o diagnóstico do que essas mulheres precisam e estamos esperando que esse plano seja realmente aplicado”, explicou.
Para a defensora pública o fato é que a mulher ainda não está incluída nas secretarias do governo, pois suas demandas não são tratadas com a especificidade e atenção que necessitam. “Não estamos buscando nada de grandioso, que seja difícil de ser cumprido pelo estado. O nosso maior gargalo no plano são as delegacias da mulher, que estamos pedindo, ou melhor, rogando que sejam mantidas as especialidades e que aumentem os números de delegacias da mulher. Claro que não temos condições de ter em todos os municípios, mas pelo menos nos principais, nos maiores, nós precisamos.”
O Plano atualmente está na Casa Civil e após disso irá para as mãos do governo do estado. “Não sabemos como será determinado pelo governador que siga este plano, mas pelo que conversei na Casa Civil será feita uma comissão dentro da Secretaria Estadual de Justiça e Direitos Humanos (SEJUDH) para acompanhar a gestão do plano”, completou Rosana.
Denuncie
A advogada frisa a importância de que as mulheres reportem esses crimes e pressionem o estado para que sejam atendidas suas demandas, até nos delitos que aparentemente “não necessitam” de boletim de ocorrência, como um assédio verbal ocorrido na rua. Segundo Rosana os abusos sofridos por uma mulher são resultados de uma cultura machista, que relativiza estes crimes e os tratam como mais leves, quando na verdade são de extrema gravidade.
“O que temos de explicar às mulheres é que se elas sofrerem qualquer tipo de abuso, um estupro ou uma cantada na rua, elas têm que garantir o seu direito se sentirem ofendidas.'Mas doutora, quando eu procuro uma delegacia de polícia?' Quando você se sentir ofendida. Se você se sentiu ofendida, constrangida ou humilhada você tem que buscar uma delegacia de polícia e principalmente, identificar o agressor para que a delegacia possa agir”, enfatizou.