Opinião

Marcada de poeira e pampa, vem aí a 40º Califórnia da Canção

Foto: Valéria del Cueto

O nativismo gaúcho está em festa nesse final de semana em Uruguaiana, na fronteira oeste, divisa com a Argentina. A cidade volta a ser voz, alma e coração do movimento cultural que sacudiu o estado e se espalhou por todos os rincões brasileiros onde a cultura rio-grandense fez morada com a chegada de imigrantes do Rio Grande do Sul.

Dizem que a Califórnia da Canção, idealizada por Colmar Duarte, no início da década de 1970, está para a cultura gaúcha assim como a Semana de Arte Moderna de 1922 está para São Paulo. Hoje, é Patrimônio Cultural do Rio Grande do Sul e motivo de orgulho para quem viveu essa história de amor e resistência cultural.

Volta às origens

Depois de explodir nos anos 80 e gerar o fenômeno nativista que chegou a alcançar mais de 100 festivais espalhados por todo o Rio Grande, a Califórnia perdeu força devido ao gigantismo do evento. Grandes shows e o crescimento da Cidade de Lona, onde inicialmente se realizavam as tertúlias musicais nos acampamentos campeiros dos participantes, acabaram por descaracterizar a festa.

Retornando às suas origens, a 40º Califórnia da Canção do Rio Grande do Sul volta a ter um formato mais enxuto ocupando, dias 8, 9 e 10 de dezembro, o palco do Teatro Municipal Rosalinda Pandolfo Lisboa.

O formato do festival

Califórnia que dizer em espanhol “conjunto de coisas belas”. O termo também é usado no Rio Grande do Sul para designar "competições entre vários concorrentes em busca de grandes prêmios".

E assim o é… Foram inscritas 571 composições e, delas, selecionadas as 20 músicas que concorrem em três linhas: a Campeira, identificada com usos e costumes do campo, com  instrumentos acústicos e arranjos vocais que guardem a simplicidade do canto campeiro; a de Manifestação Rio-grandense, enfocando aspectos socioculturais e geográficos, instrumentos acústicos e elétricos, como contrabaixo e piano elétrico, e liberdade de arranjos vocais e a Linha Livre, com sentido de universalidade artística, sem restrições ao instrumental ou vocal. Dentre os campeões das três linhas é escolhido o vencedor da Califórnia.

Onze compositores premiados em edições anteriores garantem a qualidade musical do evento esse ano. Um deles, Mauro Ferreira, poderá, caso ganhe mais uma edição, levar definitivamente para casa a cobiçada Calhandra de Ouro, prêmio máximo do festival. O troféu ficará definitivamente com o quem conseguir vencer cinco vezes o certame.

O que atraiu tantos talentos, alguns há anos afastados da competição, foram os valores da ajuda de custo e dos prêmios, realinhados para valorizarem a competição, diante de outros festivais existentes no estado.

Efervescência cultural

Quem comparecer as duas eliminatórias e a final, disputada pelas 12 composições semifinalistas, também poderá acompanhar os shows de abertura e encerramento das noites que trarão ao Teatro Municipal, com capacidade para 1.200 pessoas, cantores e instrumentistas que já participaram de edições anteriores e, certamente, farão o público relembrar   momentos inesquecíveis cantando clássicos rio-grandenses vencedores – ou não – das disputas pela Calhandra de Ouro.

Com o fim da Cidade de Lona, localizada na Agrícola Pastoril, desde a 37º Califórnia, as Tertúlias, encontros musicais informais dos músicos e grupos nativistas que esquentavam as madrugadas campeiras, serão realizadas na praça central de Uruguaiana, a Barão do Rio Branco. O local que também abriga, desde 29 de novembro, a 41º Feira do Livro e a 2º Jornada Literária.

NATIVISMO: força de um movimento nascido da exclusão.

Em 1970 o compositor e escritor Colmar Duarte, hoje com 85 anos, inscreveu uma música num festival de MPB promovido em uma rádio local. A primeira grande dificuldade, conta ele, foi encontrar intérprete para “Abichornado”, termo gaúcho que significa triste e dava o nome da milonga de sua autoria. Na falta de quem aceitasse a missão de interpretá-la nasceu “Os Marupiaras” (pessoas felizes, em guarani), grupo composto pelos irmãos Colmar e Ricardo Duarte, Júlio Machado e Tasso Lopes.

A composição foi desclassificada sumariamente por se tratar de tema regional. “Foi classificado um baião cantando a seca do Nordeste”, conta Colmar, lembrando um trecho da composição: “Quero plantar minha roça, o tempo não deixa, não faço queixa, não vou chorar, e um boleto cantado em espanhol”, se recorda. “Na minha terra, o coração geográfico do Pampa, berço da cultura regional, se podia cantar em outro idioma, lamentar a seca do Nordeste, mas não se podia cantar a própria terra!”

Isso levou a criação da Califórnia. “O movimento tradicionalista gaúcho, que começou em 1947, ensinava a respeitar os ancestrais. Mas éramos apenas descendentes” ressalta. “O fenômeno que a Califórnia gerou trouxe o orgulho, os costumes campeiros para o cotidiano do povo gaúcho. O nativismo valorizou e popularizou hábitos anteriormente desconsiderados como símbolos culturais”.

Colmar destaca que “na época havia apenas uma costureira na região que ainda sabia fazer com perfeição as tradicionais bombachas gaúchas. Hoje, existem duas fábricas em Uruguaiana do produto”. Ele cita outro exemplo fácil de ser constatado: “Tomar chimarrão hoje é um hábito da juventude que se orgulha em viajar sempre levando seu equipamento composto de cuia, bomba e térmica para qualquer lugar, seja na praça de uma cidade gaúcha, ou numa praia do litoral de qualquer estado do país”, comemora. 

*Valéria del Cueto é jornalista, fotógrafa e gestora de carnaval. Da série “Fronteira Oeste do Sul”, do SEM   FIM…  delcueto.wordpress.com

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Reportagens realizada pelos colaboradores, em conjunto, ou com assessorias de imprensa.

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