O estelionatário, popularmente conhecido como 171, de tão comum que se tornou, virou gíria para rotular alguém que costuma “passar a perna” em terceiros. O que tem facilitado as ações dos golpistas nessa prática de crime é o avanço da tecnologia e fácil acesso à internet, segundo o setor de investigação de estelionato da 2ª Delegacia de Polícia de Cuiabá. A capital registrou 1.473 registros de janeiro a setembro deste ano.
Durante conversa com o Circuito Mato Grosso, o delegado Luis Fernando P.R. Arantes revelou que sites de compras e vendas pela internet e em redes sociais como Facebook e WhatsApp têm sido o alvo preferido dos golpistas nesta prática criminosa, que prevê detenção de um a cinco anos de prisão, de acordo com o Código Penal brasileiro.
“Os sites de compras e vendas pela internet têm facilitado a ação dos golpistas, diariamente chegam casos aqui na delegacia de pessoas que venderam ou foram comprar produtos online e acabaram tendo prejuízo financeiro. Essa prática acontece, pois o golpista, atrás de um computador, não precisa ter contato visual com a vítima, o que dificulta achar o criminoso”, contou o delegado.
Estelionato vem da palavra "stellio", que é um lagarto (camaleão) que muda de cor, enganando os insetos, suas vítimas. O delegado explicou que neste crime não há violência nem grave ameaça, e a principal arma do golpista é a boa conversa e o poder de persuasão com que age.
“Facilmente as pessoas nesta modalidade de crime poderiam ser empresários bem-sucedidos, ótimos vendedores ou representantes comerciais, e ganhar dinheiro com coisas boas, porém usam a sua inteligência para agir no lado “mau” da força aplicando golpes em pessoas honestas, humildes e até mesmo em instituições financeiras e concessionárias de carros”.
Entre os crimes estão os mais diversos, como golpes de DOC (Documento de Crédito), que é a falsa transferência. O golpe consiste em entregar caixas sem o produto ou enviando pedras e outros objetos dentro de uma caixa. Nesses casos consiste também em usar até mesmo nome de terceiros para aplicação do estelionato.
Caso seja denunciado, julgado e condenado, o estelionatário pode pegar pena de até cinco anos. Porém, não necessariamente ele vai para a cadeia. A pena pode ser substituída por serviços à comunidade ou pagamento de multa. Fora isso, há brechas legais que acabam impedindo ou retardando o julgamento dos criminosos.
Vítima dessa prática de crime, a auxiliar de cozinha Gabriela Orro e Faria, de 28 anos, caiu em um golpe mediante furto e teve um prejuízo de mil reais. O golpe ocorreu depois de ela ter sido procurada por um golpista no Facebook. Ele se apresentou à vítima dizendo ser gerente do depósito de uma loja Ricardo Eletro, localizada no bairro Jd. Industriário, em Cuiabá.
“Ele me procurou oferecendo televisão e outros produtos, informando que a loja estaria realizando uma queima de estoque. Neste primeiro contato, eu não me interessei, não mantive contato e nem levei adiante a negociação” explicou.
Depois de um tempo, o mesmo homem voltou a procurá-la oferecendo outros produtos. Ela o questionou se eram de procedência legal e se havia nota, o que foi garantido pelo estelionatário.
“Ele me disse que eram produtos lícitos e que eu poderia retirar na loja. Perguntou onde seria a loja mais próxima, e eu informei que seria a do centro (Rua 13 de Junho). Ele me informou o número de uma suposta funcionária da empresa que me encontraria em frente à loja para fecharmos a compra”, contou.
Gabriela informou que os golpistas cobraram o valor de R$ 700,00 por uma geladeira e R$ 500,00 em uma televisão. “Eu disse que não teria os R$ 1.200,00 na hora, e que teria o valor de R$ 1mil em mãos, então ela me pediu o valor como entrada e me convidou para ir até a loja com ela, que seria emitido um boleto de R$ 200,00 para que eu pudesse quitar a dívida no outro mês. Na loja ela me pediu para aguardar que iria até o caixa fazer o boleto”, disse ela.
“Eu estava acompanhada de meu primo e pedi que ele ficasse de olho nela, eu fiquei olhando os produtos e rapidamente ela foi em direção a um vendedor e posteriormente saiu em fuga no estacionamento da loja e sumiu. Meu primo e eu fomos atrás dela e não conseguimos mais localizá-la”, completa Gabriela. A vítima acredita que a moça, que se apresentava com o nome de Fernanda, tenha entrado em algum veículo que dava suporte à ação criminosa.
GOLPISTA CONHECIDA
Festas badaladas, camarotes, viagens, boa conversa e uma vida regada a mentiras. Assim é conhecida a golpista identificada como Joara Chagas da Silva, 22, moradora da cidade de Sorriso (398 km de Cuiabá), que já é acusada e investigada por vários golpes aplicados no estado e até fora dele.
Nas redes sociais, a jovem é suspeita de ludibriar as vítimas e agir como estelionatária e levar prejuízo a uma única vítima, em valor que supera R$ 30 mil.
O delegado Ugo Reck Mendonça, de Sinop (500 km da capital), informou que em setembro iniciou as investigações contra a acusada, referente a golpes que ela teria aplicado na cidade se passando por filha da juíza Débora Roberta Pain Caldas, da 2ª Vara Criminal de Sinop.
“Ela já é bem conhecida no Nortão pelos golpes aplicados. Eu iniciei as investigações e em seguida passei para o delegado Carlos que agora cuida do caso. Até o momento, que eu saiba, ela ainda não havia sido ouvida. Ela já aplicou golpes em Lucas do Rio Verde, Sinop, Cuiabá e até mesmo no estado de São Paulo”, confirmou.
No Facebook a imagem de Joara já é conhecida como estelionatária. Em um dos relatos, uma vítima de São Paulo informa que levou prejuízo de mais de R$ 900 da jovem, além de ter enviado produtos de sua loja para a golpista. A empresária Lara Fernandes, em entrevista a nossa equipe, explicou que Joara se aproximou dizendo ser filha de juíza e que a ajudaria a reaver um prejuízo que a empresária teria tomado.
“Na época em que ela me procurou, eu havia tomado um prejuízo de R$ 2 mil, na compra de um celular pela internet, e a Joara se apresentou dizendo ser filha de uma juíza e que os parentes dela teriam um escritório conhecido de advocacia em Sorriso. Ela se propôs a me ajudar e fazer uma ação judicial para que eu pudesse reaver o prejuízo que tive”, explicou.
“Em um primeiro momento, eu recusei a oferta dela, justamente por não conhecê-la pessoalmente e tampouco confiar, porém ela não desistiu e passou a se aproximar cada vez mais em conversas por redes sociais, compartilhando coisas da sua vida e acabou conquistando a minha confiança e viramos “amigas”. Ela tem uma lábia muito boa”, completou.
Lara explica que depois de se aproximar do objetivo, Joara pediu o valor de R$ 900,00 para iniciar a ação judicial, o que foi depositado em sua conta. Passaram-se alguns meses até que Lara descobriu que era tudo golpe da estelionatária.
“Além do valor em dinheiro, enviei produtos da minha loja para ela, no endereço que ela havia me informado, e ela continua solta aplicando golpes. Somente aqui em São Paulo, existem três boletins de ocorrência contra ela, fora os daí. Não sei como a polícia ainda não prendeu a Joara”, diz ela desapontada.
A empresária ainda informou que fez um acordo extrajudicial com os advogados de Joara, acordo este que não foi cumprido. Para finalizar, Lara falou que a jovem é muito “abusada” e tem certeza de que não será presa. “Ela diz que não vai ser presa, pois tem bons advogados, e também relata que dívida não é crime, porém o que ela pratica na verdade é estelionato”.
Vítima perdeu R$ 2 mil
Outra vítima foi J.M.F., 30, que teve prejuízo de mais de R$ 2 mil com a venda de seis ingressos de um show que foi realizado em Cuiabá, no dia 14 de outubro. “Ela informou que queria seis camarotes do show, cada ingresso saiu a R$ 340,00 e a Joara me informou que havia feito uma transferência em minha conta no sábado com o valor dos ingressos, e me enviou o comprovante de transferência (.doc) e eu enviei a ela os ingressos”.
Porém, como a transferência foi realizada no sábado, compensaria somente na segunda-feira (16), foi quando no dia em questão, J.M.F. percebeu que havia caído em um golpe. “Na segunda-feira o valor que ela disse que havia depositado referente aos ingressos não caiu na minha conta. Tive que acionar a polícia para ir até o hotel em que ela estava hospedada e encaminhá-la à delegacia para a confecção do boletim de ocorrência”.
O homem conta que mesmo na delegacia ela não pagou o que devia, e na presença do delegado afirmou que faria um cheque para pagá-lo. “Ela disse que pagaria, mas pediu um Uber e eu passei a segui-la para receber o combinado, mas ela começou a pedir para o motorista fugir, e eu fiquei seguindo os dois e acionei a polícia novamente”, completa ele indignado.
Já na presença da polícia, ela foi encaminhada ao quarto de hotel e obrigada a assinar o cheque com o valor total da dívida. A vítima acredita que o cheque voltaria, pois além de estar cruzado, o nome de Joara estava rasurado na folha de cheque.
A jovem desativou o seu perfil nas redes sociais devido à repercussão que deu no caso dos ingressos, porém, com a divulgação da imagem dela, diversas outras vítimas se queixaram de Joara e informaram terem sido vítima dos golpes.
Uma das especialidades de Joara na aplicação dos golpes é participar de grupos de compra e venda no Facebook e Whatsapp e ludibriar as vítimas principalmente na compra e venda de aparelhos celulares, com o que ela obtém a vantagem financeira das vítimas.
E a moça seguiu fazendo vítimas. A última foi um hóspede que estava no mesmo hotel em que Joara ficou hospedada quando veio à capital para assistir os shows. De acordo com o boletim de ocorrência, a vítima C.F.S., 31, estava hospedada no mesmo hotel, quando a jovem se aproximou e pediu para que fosse pago a sua diária no hotel no valor de R$ 388,16.
Segundo o relato, Joara disse que havia sido roubada e que transferiria o dinheiro para a conta da vítima. A vítima, acreditando no relato da jovem e na ‘lábia’ da golpista, acabou efetuando a pagamento, e viu que não teve o dinheiro devolvido, e na tal transferência (.doc) realizada por ela não havia dinheiro.
Outro lado
A nossa reportagem tentou falar com a jovem, porém ela não atendeu as nossas ligações para se defender e dar a sua versão sobre as diversas acusações.
VENDA FALSA É OUTRO GOLPE
Outro golpe que tem se tornado comum com a criação em grupos de redes sociais é a venda falsa ou envio de materiais que não sejam reais. Foi o que aconteceu com a jovem Kerolaynne Jenyffer de Paula Siqueira, 22; ao deixar o seu número de telefone em um grupo, ela foi procurada por golpistas para adquirir uma televisão.
“Eu deixei meu número em um grupo de emprego (nada a ver com vendas) e mesmo assim me procuraram e me ofereceram uma televisão pelo valor de R$ 600,00. Combinei com a pessoa que dizia trabalhar na loja Ricardo Eletro, no depósito e tudo mais, inclusive no dia combinado para compra o José (que assim se apresentou) me buscou em casa para levar até a loja e fazer a retirada do produto”, explicou a jovem.
Chegando ao local combinado, o suspeito pediu para a jovem esperá-lo no estacionamento e adiantar o valor da compra que passaria para outra pessoa chamada “Carlos”, para fazer a retirada. No estacionamento a jovem relatou que assim que pegou o valor o suspeito não voltou mais e ela acabou levando prejuízo financeiro.
Kerollayne ainda explicou que passados alguns dias do golpe a geladeira dela queimou, e ela voltou a fazer buscas em grupos a fim de comprar uma geladeira nova, e para sua surpresa o mesmo golpista voltou a procurá-la.
“Eu estava com o número dele salvo e aí combinei com ele a compra de uma geladeira. Marcamos tudo como na primeira vez, só que no dia da compra, ele informou que não possuía mais a geladeira e estava só com uma Smart TV para me vender, e eu aceitei a proposta dele de venda e marcamos o encontro no ponto final do Jardim Florianópolis”.
Segundo a vítima, no dia em questão, o acusado estaria em um veículo com mais dois suspeitos e mudaram o local do encontro para o terminal de ônibus do CPA, quando os estelionatários telefonaram e tentaram novamente mudar a rota do encontro. A polícia foi acionada e conseguiu deter os suspeitos em frente ao Comando Geral da Polícia Militar.
De imediato os suspeitos negaram o ato, porém os policiais ao revistarem e abrirem a caixa de uma Smart TV que eles carregavam, encontraram apenas isopor e tijolo, caracterizando o golpe que o trio pretendia aplicar. Os criminosos foram encaminhados ao Cisc Planalto para a confecção do boletim de ocorrência.
O gerente de um posto de combustível na capital caiu em um golpe em que uma pessoa ligou e se passou por um cliente conhecido como J.V., e relatou que estava autorizado o abastecimento de três caminhões com óleo diesel. Um homem identificado como Elício assinaria a nota.
O funcionário abasteceu os caminhões e o suspeito assinou as notas, porém quando ligaram posteriormente ao senhor J.V., para saber quando quitaria a dívida de R$ 4.500,00, este disse que não autorizou nenhum tipo de abastecimento e que provavelmente estava tendo seu nome utilizado em algum golpe.
Diante dos fatos, o funcionário, juntamente com J.V., se deslocou até ao Cisc para a confecção do boletim de ocorrência. Não há informações se os suspeitos de praticarem o golpe foram presos.
VÍTIMAS COLABORAM COM OS CRIMES
De acordo com o delegado Luis Fernando P.R. Arantes, as vítimas acabam, mesmo sem querer, colaborando com os estelionatários ao querer obter vantagem na aquisição de algum produto.
“Normalmente este tipo de crime ocorre por conta da ganância da vítima. O importante é que se entenda que não há dinheiro fácil. As pessoas que caem nestas histórias, no geral, se acham espertas, mas acabam sendo ingênuas”.
“A vítima, no intuito de comprar um objeto, casa ou carro com valor mais barato que a do mercado, acaba sendo levada à armadilha do golpe. Tipo uma televisão que na loja custa R$ 1.500,00 e aparece alguém dizendo que tem a mesma televisão nova por R$ 900,00, a pessoa já deve desconfiar, pois está muito abaixo do valor do mercado. O que a pessoa que está vendendo ganharia com isso?” explica ele.
Luis Fernando alerta que quando o valor é muito baixo ou há uma vantagem muito boa, deve-se desconfiar de algo errado. Outra dica do delegado é denunciar quando algo nesse sentido estiver acontecendo para que a Polícia Civil possa investigar e descobrir os possíveis estelionatários.
CRIMES DIFÍCEIS DE INVESTIGAR
O delegado Luis Fernando P.R. Arantes explica que o estelionato é um dos crimes mais difíceis de desvendar pela ‘camuflagem’ que os golpistas se utilizam na hora de enganar as vítimas, seja com documentos falsos ou atrás de um computador.
“É um crime complicado. Às vezes a vítima passa um nome ou conta corrente e quando chegamos ao acusado descobrimos que a pessoa também foi usada, teve documentos roubados e essas coisas, aí a investigação volta à estaca zero”.
Golpistas chegam a utilizar mais de cinco nomes para não serem pegos, utilizam contas correntes de terceiros e têm se aproveitado da tecnologia e utilizado o golpe por computador.
“Várias vítimas chegam aqui e informam que compraram algo pela internet, e aí, como você acha essa pessoa? Hoje em dia tem como rastrear IP, saber a origem da mensagem, cidade e tudo mais, porém é muito trabalhoso, pois às vezes criminosos utilizam lan houses para praticar os delitos”, completou o delegado.
Outra dificuldade é que geralmente a vítima não tem muita informação sobre o golpista, e pelo fato de a Polícia Civil hoje não ter mais uma delegacia especializada em estelionato, os casos demoram mais para serem resolvidos.
“Deveria voltar a existir uma delegacia especializada em crimes de estelionato como existia no passado. Hoje, aqui no setor da 2ª DP, estamos em três delegados e a todo instante chegam novos casos, não param, porém sem uma equipe completa de investigadores, escrivães e delegados, fica mais difícil solucionar todos os casos ou dar uma rápida resposta à sociedade”, afirma Luis Fernando.
Outro fator de que o delegado se queixa é que além dos casos de Cuiabá tem os casos de fora do estado, em que pessoas de São Paulo, Rio de Janeiro acabam sendo lesadas e pelo fato de a obtenção do lucro ter sido em Cuiabá, acaba a polícia de Mato Grosso tendo que investigar.
PERFIL DO ESTELIONATÁRIO E DICAS
O estelionatário é sempre uma pessoa inteligente que age no erro da vítima ou confiança demais. Segundo o delegado Luis Fernando Arantes, o golpista é um ser extremamente frio e calculista, todos os seus passos são pensados, para conseguir enganar a vítima e obter vantagem.
Muitos passam horas, semanas e até meses para convencer a pessoa, até ela cair no golpe. Além disso, Luis Fernando narra que a principal arma do estelionatário é a conversa. Eles sempre se aproximam buscando um grau de intimidade, amizade e muitas vezes insistem até a pessoa acabar cedendo ao seu desejo.
Em alguns casos, é preciso ficar atento a alguns sinais que devem ser observados para não se tornar uma vítima dos golpes. Em cada situação a dica é a pessoa parar, analisar os fatos, e não agir por impulso ou vontade desenfreada de conseguir algo ‘bom’ de maneira rápida, pois o barato pode sair caro.
Abaixo algumas dicas de como se evitar ou se precaver de ser vítima de possível golpe:
– Confirmação de dados: o estelionatário liga para a vítima se passando por funcionário de determinada empresa, dizendo que precisa que a vítima confirme alguns dados para fins de atualização do sistema. Para não cair neste golpe, nunca passe seus dados por telefone.
– Falso sequestro: para se prevenir, duas dicas importantes são: a pessoa não pode se apavorar, devendo fazer contato com a suposta vítima do sequestro. Outra dica que pode desvendar o golpe é pedir para o "sequestrador" perguntar ao "sequestrado" algo que só ele saiba, como o nome do seu cachorro, o número do seu celular, time de futebol preferido.
“Antes de tudo, tenha muito atenção no que esteja fazendo e busque informações sobre a situação que está acontecendo, para evitar ser vítima de golpe. Desconfie de pessoas eloquentes e que dão a impressão de serem muito amigas. Nunca feche nenhum negócio sem referências de pessoas ou ter verificado a existência da firma”, sintetizou.