O machismo nasce de uma construção social que, ao longo de séculos, estabeleceu a falsa ideia de superioridade masculina, atribuindo aos homens o papel de comando e às mulheres o lugar de obediência. Ele se manifesta não apenas em atos explícitos de desrespeito, mas também em gestos sutis, na divisão desigual das responsabilidades, nas expectativas impostas aos corpos e às escolhas femininas.
Machismo é uma lógica que naturaliza a hierarquia, que pretende transformar desigualdade em ordem e submissão em destino, deixando marcas profundas no modo como vivemos, trabalhamos e nos relacionamos.
O machismo, embora muitas vezes disfarçado pela pressa dos novos tempos, ainda respira entre nós. Ele se infiltra em gestos comuns, em frases lançadas ao vento, em expectativas silenciosas que moldam destinos. É uma herança que não escolhemos, mas que insiste em repousar sobre nossos ombros, pedindo enfrentamento e lucidez.
No cotidiano, ele surge nos espaços em que a mulher precisa explicar sua competência, justificar sua presença, moderar sua força para não parecer ousada demais. Aparece quando uma promoção se transforma em suspeita, quando a opinião feminina é tratada como detalhe e não como fundamento. É o roteiro antigo tentando, com teimosia, moldar o presente.
Há, contudo, um aspecto que aprofunda ainda mais essa ferida social: homens e mulheres que se declaram defensores da igualdade, mas não sustentam suas palavras com atitudes. Pregam respeito, mas, no íntimo, preservam hábitos de controle. Celebram a liberdade feminina, mas julgam escolhas que escapam ao padrão que consideram aceitável. A falsa bandeira da igualdade cria uma névoa que confunde, pois transforma a luta contra o machismo em mera aparência, um discurso vazio que impede avanços reais. Essa incoerência, repetida dia após dia, mina a confiança e dilui o sentido verdadeiro da busca por justiça e equidade.
E há também o machismo reproduzido por mulheres, não por maldade, mas por terem sido moldadas pelas mesmas estruturas que o alimentam. Mulheres que desacreditam outras mulheres, que vigiam comportamentos e reforçam papéis antiquados, acreditando ser esse o caminho seguro em um mundo que sempre lhes foi adverso. Quando a opressão se reflete entre iguais, suas raízes se aprofundam ainda mais.
No campo profissional, esses comportamentos restringem caminhos, atrasam voos e criam barreiras invisíveis.
No plano pessoal, infiltram-se nos afetos, moldando relações em que o cuidado se disfarça de controle e o amor se acomoda em sacrifícios silenciosos. Os impactos são profundos: silenciam vozes, diminuem potências, criam culpas que não pertencem àquelas que as carregam.
E é justamente nesse terreno que floresce um de seus frutos mais sombrios: a violência doméstica. O machismo, quando não reconhecido e enfrentado, transforma-se em agressão física, psicológica, moral, patrimonial e sexual. Um passo a mais, e a palavra desrespeitosa vira grito; o grito vira ameaça; a ameaça, agressão; e a agressão, muitas vezes, culmina em tragédia. Os números crescentes revelam uma realidade que se impõe: por trás das estatísticas, existem vidas interrompidas, sonhos desfeitos, lares que, em vez de abrigo, tornam-se cenário de medo.
A violência doméstica nasce justamente desse desequilíbrio enraizado. Ela é a face mais extrema de um sistema que espera submissão e pune autonomia. E quando parte de uma sociedade ainda tolerante com gestos machistas, inclusive praticados por mulheres, essa violência encontra eco, encontra justificativa, encontra silêncio.
Mas reconhecer tudo isso não é gesto de desespero. É início de cura. A mulher que identifica o machismo, em si, no outro, no mundo, abre portas para a mudança.
A sociedade que cobra coerência entre discurso e prática começa a romper a estrutura. A justiça que ampara, protege e responsabiliza transforma o medo em caminho de reconstrução.
Assim seguimos, firmes, reconstruindo o que por tanto tempo foi ruína, para que a igualdade deixe de ser promessa e se torne presença, para que o amor não tenha como sombra a violência, para que mulheres caminhem lado a lado, sem vigilância nem desconfiança. E para que o machismo, enfim, seja apenas um vestígio distante, incapaz de obscurecer o brilho de quem insiste em viver com dignidade, liberdade e verdade.
Há muito o que fazer, e depende de pequenas atitudes diárias de todo ser humano.
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@aeternalente


