Renovadora e reveladora do mundo, a humanidade se renova no seu ventre, cria os seus filhos e adota muitos como se seus fossem. Assim é Cuiabá que recebe todos os dias em seu seio milhares de migrantes, os quais fazem parte da sua existência, desde antes de 1719. Lucinda Nogueira Persona, professora, poeta, cronista e contista está inserida nesse contexto.
Conforme a historiadora Maria Adenir Peraro, o período mais intenso da chegada de migrantes e imigrantes na Capital ocorreu depois da Guerra do Paraguai (1864-1870), influenciada pela navegação fluvial que abastecia a cidade com produtos importados da Europa em embarcações que se ancoravam no cais do Porto, em Cuiabá, sendo que os principais imigrantes que chegaram à época provinham da Itália, Líbano e Síria e migrantes de outras localidades do Brasil.
A população total do município até 1960 mantinha-se em aproximadamente 50 mil habitantes; na década de 60 duplicou-se, chegando a mais de 100 mil habitantes em 1970, continuando a se incrementar com levas de migrantes durante as décadas de 70 e 80. Grande parte desse contingente radicou-se na cidade de Cuiabá e, outros foram para outros municípios, principalmente o norte do estado de Mato Grosso.
O Porto, mãe dos imigrantes e dos migrantes em Cuiabá, desde os seus primórdios, abraçou a pequena Lucinda e seus familiares.
Primogênita numa prole de seis irmãos, nasceu, na verdade, na Fazenda Gaúcha, no município de Arapongas, norte do Paraná, Linha do Trópico de Capricórnio. Viveu nesse lugar até os quatro anos de idade. Depois, seus pais se mudaram para Marialva, pequena cidade no mesmo norte paranaense.
De encontro com uma cidadezinha fincada na simplicidade que tinha como ambiente o rural como aconchego, ficou fascinada pelo lugar. “Fiquei sem fôlego! A natureza ganhou enorme importância. Meu “eu” admirador se expandia com tudo: árvores, flores, animais, céu, vento, nuvens, chuva, e o amarelo brilho do sol. Foi uma época grata, tranquila e simples”, revela Persona.
Vivendo nesse mundo fantástico e de crescente curiosidade pelo mundo, por volta dos seis anos de idade o maior sonho era aprender a ler. Lá foi Lucinda buscar o seu sonho! Iniciada nas primeiras letras pelas mãos de Maria de Souza Nogueira, uma mineira dócil, sua mãe, teve um papel ativo e diligente, como primeira mestra. Assim, entrou para o universo dos livros, se apropriou deles, tomou a alegria da palavra, o que foi absolutamente essencial!
Só dois anos depois, foi matriculada no Grupo Escolar de Marialva, onde concluiu o curso primário, passando depois ao ginasial no Ginásio Estadual Dr. Felipe Silveira Bittencourt, permanecendo no Paraná até 1964, onde cursou o primeiro ano em Maringá, PR, e os dois anos seguintes em terras cuiabanas.
Chegou em Cuiabá, no início de 1965, com apenas 18 anos de idade, acompanhando seus pais Simeão Nogueira e Maria de Souza Nogueira, suas irmãs Darcy Nogueira Spinelli, Iolanda Nogueira Lino da Silva (falecida), Olanir Nogueira Paranaguá, José de Souza Nogueira (Zé Paraná), Wilson Nogueira (falecido). De certo modo, a vinda esteve ligada à colonização e a criação da cidade de São José do Rio Claro, designada na época por Gleba Massapé, onde seu pai, técnico em construção civil e agrimensor, foi contratado pelos proprietários daquelas terras para estabelecer as primeiras divisas e projetar o mapa da futura cidade. “Meu pai veio em busca de novas oportunidades. Isso traz, inevitavelmente, a lembrança da chegada numa Cuiabá muito diversa da de hoje, uma Cuiabá de beleza calma, aquecida por tardes de silêncio, entre casas, a arquitetura colonial e o denso verde dos quintais”, relembra Lucinda.
Em Cuiabá, foram morar no bairro do Porto. “O primeiro chão que pisei foi o do Porto. A primeira residência da família, a rua 13 de Junho, num espaço cheio de graça e doçura, vizinhança com postura generosa e delicada para com os recém-chegados”, relembra.
Concluiu o segundo grau, no Colégio Estadual de Mato Grosso e, logo após, foi para a Universidade Federal de Mato Grosso – UFMT, onde se tornou bióloga e professora, agora aposentada, desde o ano de 1994. Casou-se com Walter Persona.
Lucinda sempre foi apaixonada pelas paisagens desde menina. Daí a escolha da carreira profissional, pelas Ciências Biológicas, em grande parte, por uma acentuada curiosidade pela natureza em si, pela raiz da existência e pela estruturação geral dos seres vivos, havendo, também, um especial gosto e empenho no sentido de preparar-se para o magistério.
A história da vida de um poeta não pode ser outra coisa senão a história de sua poesia. A poesia é mais o que ainda não foi dito do seu próprio passado; “cada poema desfaz e refaz, por ele, a ideia que se tinha da poesia e que vinha de outros poemas. A vida do poeta é sua própria linguagem; cada poema, longo ou curto, é apenas um percurso; por isso toda obra poética é inacabada, e escrever se transforma numa eterna procura, segundo Maria Zaira Turchi, professora, escritora e crítica literária. É isso que Lucinda faz.
Buscando novos rumos nos caminhos das especializações, Lucinda Persona pós-graduou-se em Política Educacional e Legislação do Ensino, pela UFMT em 1977 e concluiu o Mestrado em Histologia e Embriologia, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, em 1981. Um estágio profissional na Universidade do Chile, levou-a a residir em Santiago por quase dois anos. Aí, nasceu, também, o conhecimento dos autores chilenos: Pablo Neruda, Gabriela Mistral, Vicente Huidobro, Delia Domínguez, entre outros, foi conquistando espaços e acumulando experiências, ao beber desses autores, sabedoria e poesia.
Iniciou, a partir daí, as suas produções literárias lá pelo ano de 1995, com o Livro/Poesia “Por imenso gosto”, editado pela Massao Ohno Editor, de São Paulo, dando continuidade ao que já havia iniciado na infância, com cerca de nove anos de idade, onde a família foi essencial, no apoio das iniciativas, sempre com uma postura favorável e incentivadora, gerando um conforto espiritual de elevada medida.
Daí por diante a poetisa Lucinda não parou mais. Vieram: Ser cotidiano; Sopa Escaldante; Leito de Acaso; Tempo comum; Entre uma noite e outra, editado pela Entrelinhas, em Cuiabá, em 2014.
Para Lucinda Persona “a poesia como um modo de sentir e expressar o mundo, é uma condição particular em que o “eu” está em comunhão com as coisas e seres e, nessa comunhão, alguns elementos, por várias razões, são mais significativos, impressionam mais e acabam sendo o tema predominante” – exclama!
Depois vieram produções literárias para o público infanto-juvenil, contos, crônicas e resenhas. Sempre esteve e está em relação de amor com as letras, desejando com elas, à semelhança de um trabalho fotográfico, retratar/revelar tudo o que vê e experimenta, levando em conta o máximo possível de recursos visuais para descortinar o objeto considerado.
Seus escritos surgem em diversos momentos, em diversas paisagens e estados de espírito. Grande parte do que produz pertence à atmosfera do centro-oeste, às rajadas de vento quente do cerrado, à marcha do cotidiano nos lócus doméstico, mergulhada no pingue-pongue das alegrias e penas, das serenidades e tumultos. (…).
A escrita vai consolidando laços com as verdades, onde a observação constante tem sido: escrever de corpo inteiro e jamais esquecer a importância da linguagem, a cada verso ou parágrafo, como diz no poema Santa Rosa, agosto: “Meu bairro, largo campo de folhas arrastadas /Por um pouco de vento. Santa Rosa/Meu ambiente todo manchado de agosto/ agosto interminável e nada prospectivo/Escolhe sempre o meu olhar/Molde que mal acomoda a luz de passagem/Um poema é, fundamentalmente/O uso indevido de uma tarde?…
Em síntese, a sua escrita decorre de um entusiasmo natural pelo mundo e reflete a realidade em que vive, existindo temas essenciais e recorrentes que podem ser observados quando a sua produção poética é analisada como um todo.
Lucinda Persona ingressou na Academia Mato-grossense de Letras no dia 30 de setembro de 2014 e ocupa a Cadeira nº 4. “A participação na AML representa para mim uma grata conquista, por ser um centro das Letras e um dos meios de preservação e difusão da palavra e da memória literária”, assevera ela.
Em Cuiabá, não mais no bairro do Porto antigo, onde a professora Aurelina Haydee do Carmo canta assim, em seu poema, “PORTO! Saudades das lanchas…/Ouço o apito, que lembranças, na consciência repito. Ah, PORTO. Seus canteiros floridos, O progresso nos tempos idos, tiraram sem nos consultar. Não tivemos tempo para relutar. Praça LUIS de ALBUQUERQUE. Árvores centenária, sentada em um banco qualquer, observamos conjuntos de casarões históricos. Parece que ainda avisto/A pedrinha vinte um, Começo a contar um a um, os peixes passar até perder de vista. PORTO! Conjuntos arquitetônicos. Relembrar como se fosse um tônico, revigora nossa alma em delírio, Para nossos olhos é colírio! onde tudo começou, mas, em outro com características diferentes.
Lucinda mudou de lugar. Hoje vive lá no seu “Santa Rosa/Agosto” onde ainda o verde predomina acolhendo pássaros e insetos, em uma casa com varanda para o oeste, possibilitando a contemplação da poetisa de fabulosos poentes, onde de olho no mundo, procura levar uma rotina sossegada, exercitando a fé e cultivando ao máximo tudo aquilo que possa trazer bem-estar, lendo, escrevendo muito, tentando transferir para a palavra a parte viva que anima o mundo, desfrutando do convívio com a família e os amigos.
Em sua trajetória de vida, Lucinda recebeu diversas honrarias e prêmios. Tem inúmeras publicações em jornais mato-grossenses. Participa ativamente em antologia de poesia. É sócia correspondente da Academia Literária Feminina do Rio Grande do Sul, ALFRS. 2006. Recebeu o título de Cidadã Cuiabana, concedido pela Câmara Municipal de Cuiabá em 2006 e de cidadã mato-grossense, em 2019, pela Assembleia Legislativa do estado de Mato Grosso, em 2019. Possui inúmeras condecorações, prêmios, homenagens e títulos honoríficos.
Lucinda Persona é a poetisa mãe de um anjo reluzente que brilha como uma estrela no céu.
NEILA BARRETO é jornalista, escritora, historiadora e Mestre em História. E-mail: neila.barreto@hotmail.com