Eu estava na rádio quando o tufão chegou. Eram mais ou menos seis horas da manhã. Minha casa fica perto da costa, no lugar mais vulnerável, mas eu tinha que voltar para salvar a minha cadela, Shaya. No caminho, a água foi subindo até chegar à altura do meu peito. Nesse momento, eu fiquei com medo de morrer. Não sei nadar.
Me agarrei a um poste, mas a corrente de água era tão forte que me carregou. Cadáveres flutuavam ao meu lado. Depois de algum tempo, consegui sair da corrente e me refugiei numa loja.
Fiquei lá até o meio-dia, quando a água começou a baixar. Caminhei alguns quilômetros com a água pelo joelho. Como sou conhecido, as pessoas me paravam, pensando que eu estava lá para ajudá-las. Gente que havia perdido suas casas e parentes na inundação.
Havia muito desespero e choro. Mas eu não podia parar. Sabia que minha família estava segura, mas minha cadela, que eu amo, havia ficado em casa sozinha.
Apesar de estar com os pés feridos, continuei andando. Vi muita destruição. Quando cheguei ao meu bairro, nossa casa e todas as outras haviam sido destruídas. Ninguém mais tinha um lar. Minha cadela havia sumido.
Decidi fazer o caminho de volta à estação. Passei por um hotel na costa e vi cadáveres vestidos com pijamas. Eram hóspedes que foram surpreendidos pelo tufão enquanto dormiam.
Por sorte, pude ficar na casa de um amigo. No início não tínhamos o que comer. Mas depois um comerciante, sabendo que o seu mercado logo seria saqueado, nos deu garrafas de água e alimentos congelada antes de fugir. Foi só por isso que pudemos aguentar uns dias.
No segundo dia, o mau cheiro dos cadáveres começou a se espalhar. O clima era de pânico. Havia pouca informação e muitos rumores. As pessoas diziam que havíamos sido vítimas de um tsunami e que ele voltaria ainda mais forte, que era preciso sair da cidade. Mas não dei ouvidos.
Só pensava em achar minha cadela e voltar para a rádio para recomeçar as transmissões. Eu sabia que o rádio poderia ser importante para informar as pessoas sobre a situação e ajudá-las a se comunicar com parentes.
Nunca mais vou falar mal desses celulares chineses baratinhos. Foram os únicos que pegavam rádio e televisão e não ficaram sem bateria, mesmo depois de cinco dias sem carregar. Para muitos, foi a única forma de romper o isolamento.
Com o passar do tempo, as pessoas foram ficando mais agressivas, na busca por comida. Além disso, muitos tinham ferimentos que já estavam infeccionados, e não havia remédios.
Os saques começaram no sábado, um dia depois da passagem do tufão.
De manhã, apenas lojas de alimentos foram atacadas. Mas, à tarde, começaram a levar tudo, eletrodomésticos, joias, dinheiro de caixas eletrônicos.
A maioria dos moradores de Tacloban só participou desses saques porque estava com fome, foi pelo instinto de sobrevivência. Mas veio gente de outras cidades, que não foram afetadas pelo tufão, com caminhões, só para roubar. Para piorar, houve uma rebelião na cadeia e todos os presos fugiram.
SURPRESA – No terceiro dia após a passagem do tufão, voltei ao meu bairro. No meio de toda a destruição e tristeza, tive uma surpresa maravilhosa, encontrei a minha cadela.
A nossa casa já não existia, mas a minha cadela voltou. E estava lá, sentada no meio dos destroços, esperando por mim. Eu não sei nadar, mas, pelo visto, ela sabe.
Meus vizinhos me contaram que a chamaram, mas ela não se moveu. Quando a vi de longe, assoviei, como sempre faço para chamá-la, e ela imediatamente veio correndo em minha direção.
Ela está visivelmente traumatizada, mal come.
Pena que ela não saiba falar. Queria muito saber o que ela passou nesses dias em que ficou desaparecida.
Finalmente, conseguimos restabelecer a nossa comunicação, e a rádio voltou a transmitir. Como sou o único locutor que ficou em Tacloban, coube a mim recomeçar as transmissões.
Minhas primeiras palavras a serem transmitidas foram de agradecimento por estarmos vivos:"glória a Deus".
Folha de S. Paulo