Opinião

Livro como objeto de poder

Reencontrei História da riqueza do homem em meio a tantos livros da Livraria Beta de Aquarius, sebo na Buarque de Macedo, Flamengo. Na estante de Economia, de cara, o reconheci pela lombada. O encontro inesperado com Leo Huberman (1903-1968) me trouxe em fragmentos o ano de 1977, quando fui forçada a conhecê-lo. Isso mesmo, forçada. Estava na PUC, no primeiro semestre do curso de Geografia. Gizlene Neder, professora de História, indicou Huberman para dar sustentação ao conteúdo da disciplina, que não lembro mais o nome. Foi “o cara” daquele semestre universitário.

À primeira vista, não fui com a cara dele. Ao contrário, pareceu-me que de imediato Huberman se afeiçoou a mim. Sua fala expressiva e técnica de ensino revelavam a uma caloura, recém saída do ensino médio, temas complexos como os trabalhadores ante ao crescimento descontrolado e violento do capitalismo. Dissipava-se, assim, aquela má impressão do primeiro dia de nosso encontro.

Na companhia de Huberman, percorri um cenário mundial, entrelaçado com o surgimento de teorias econômicas. A entender a tão festiva revolução industrial e suas máquinas, materialização do capital, que faziam (e ainda fazem) seus operadores a trabalharem 16 horas por dia, exaurindo suas forças. E foi nesse palco giratório que eu ia a cada dia desconstruindo o dito “a primeira impressão é a que fica”. Passei a olhá-lo com admiração. Nos tornamos amigos.

Na Beta de Aquarius, para além do universo acadêmico, o encontro com Leo deslindou novas histórias, redefiniu critérios de valor, quando o passado sobreviveu e dialogou com o presente. Eu, Leo e sua obra mais famosa. Publicada pela primeira vez em 1936, um dos clássicos da literatura econômica, recebeu recentemente nova roupagem, quando a historiadora Márcia Guerra atualizou a 22ª edição, com o acréscimo de dois capítulos: Um admirável mundo novo? e Da expansão à crise: a história insiste em continuar.

O final daquele semestre trouxe mudanças significativas. Huberman e Neder me transportaram para o curso de História. Adios Geografia, irmã gêmea da História. Até aquela tarde na Beta de Aquarius, com Huberman não estive mais. Distanciei-me de seu andar marxista. Aportei na História Cultural. Nas epistemologias do Sul.

O reencontro com Huberman e seu livro consiste em uma “memória vegetal”, como tão profundamente descreveu Umberto Eco. É o livro como “lembrança de experiências precedentes. Recordá-las é refletir”. É entender o livro como objeto de poder. Um amuleto.

 

Anna Maria Ribeiro Costa é etnóloga, escritora e filatelista na temática ‘Povos Indígenas nas Américas’.

Redação

About Author

Reportagens realizada pelos colaboradores, em conjunto, ou com assessorias de imprensa.

Você também pode se interessar

Opinião

Dos Pampas ao Chaco

E, assim, retorno  à querência, campeando recuerdos como diz amúsica da Califórnia da Canção Nativa do Rio Grande do Sul.
Opinião

Um caminho para o sucesso

Os ambientes de trabalho estão cheios de “puxa-sacos”, que acreditam que quem nos promove na carreira é o dono do