Com a volta dos trabalhos legislativos do Senado Federal nesta quarta-feira (1º), uma nova discussão promete dividir a opinião pública. Relatada pelo senador mato-grossense José Medeiros (PSD), a sugestão legislativa 02/2015 que pede o fim da imunidade tributária para entidades religiosas divide opiniões. Ela entrará em tramitação na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH).
Para o representante do Fórum Evangélico de Ação Social e Política em Mato Grosso (Fenasp), bispo Aroldo Telles, a sociedade precisa ver as igrejas na totalidade da sua contribuição social, que seria ‘gigantesca’.
“A aprovação de uma sugestão de lei nesse sentido seria um crime”
Ele afirma que as igrejas são as responsáveis por recuperar dependentes químicos, manter creches, escolas e outras entidades. A tributação iria fazer com que elas trabalhassem “com muita dificuldade” ou até mesmo ocasionasse o fechamento de algumas unidades.
“A maioria das creches filantrópicas no Estado de Mato Grosso é mantida pelo segmento evangélico, assim como as casas terapêuticas que tratam alcoólatras e dependentes químicos. Nós também oferecemos qualificação profissional para os jovens através de uma parceria com o Sistema S”, elencou Aroldo Telles.
De acordo com bispo, não é necessário taxar as igrejas, pois já pagam impostos em cima do que consomem, a exemplo de energia, cadeiras, água, som ou uma cesta básica. Ainda segundo o bispo, a questão do Estado laico é mal interpretada pela população, e que isso impede que as igrejas recebam recursos do Estado, apesar do trabalho social que realizam.
A taxação iria causar o fechamento de igrejas que não têm vida financeira, como em algumas periferias, onde as unidades são mantidas pela sede do Ministério. “As igrejas são impedidas de receber qualquer tipo de incentivo. Agora, se taxarem as igrejas, estarão fazendo uma injustiça muito grande com a sociedade. Nosso trabalho transcende até fronteiras e a taxação seria um grande equívoco e até mesmo um crime”, afirmou Telles.
Tributação vai prejudicar igrejas que ‘trabalham sério’
Para o pastor e presidente da Convenção Batista Centro-Oeste, Deuslírio Ferreira, a cobrança de impostos iria impossibilitar as igrejas que “realizam um trabalho sério”. De acordo com Deuslírio, os batistas fazem diversos trabalhos sociais no Brasil e fora dele e que os recursos delas são oriundos de ofertas e dízimo.
Ele argumenta que seria um desastre para o país caso uma lei dessas fosse aprovada e que a perda não seria apenas para a igreja, mas um prejuízo social para o país.
“O governo é incapaz de recuperar pessoas. Nós temos organizações que resgatam dependentes químicos. Apenas uma instituição da Igreja Batista, em São Paulo, cuida de 1.200 crianças abandonadas, em situação de rua, que estavam no tráfico de drogas”, disse Deuslírio, que também exerce a advocacia há 30 anos.
“Taxação é culpa dos pastores que abusam da fé”
A ideia de taxação das igrejas, argumenta Segundo o Bispo Aroldo Teles, está sendo fomentada por maus exemplos, como pastores que abusam da fé, exploram os fiéis e visam apenas o enriquecimento rápido e vertical.
Ele defende que seja estabelecido um meio-termo e que o governo passe a investigar igrejas que utilizam meios de comunicação para pedir dinheiro e aquelas que enriquecem “do dia para a noite”. Para ele, pedir oferta é uma coisa “íntima e restrita” aos templos e quando feita em canais de televisão causa escândalo.
Sem citar nomes, ele afirma que, em função de uma ou duas denominações, estão jogando na vala comum todos os outros ministérios, que realizam um trabalho sério. “Eles não se associam com os demais pastores da cidade, não sentam para conversar com o padre, com o bispo, com os evangélicos… Nós fazemos um trabalho social, já eles não fazem nada e para piorar usam o nome de Jesus e canais de televisão para se promover”, reclamou Aroldo.
O comportamento dessas igrejas seria ‘antibíblico’ e, segundo Telles, os pastores representados pela Fenasp e Conselho de Ministros Evangélicos de Mato Grosso (Comec), não compactuam com tal comportamento. “A realidade não é essa, de que está todo mundo nadando em dinheiro. Tem pastores que passam fome e o Fenasp ajuda. Creches que estão para fechar e nós não deixamos”, disse.
Aroldo informa que esta semana será realizada uma reunião com o senador José Medeiros, relator da sugestão. Na reunião, os pastores querem apresentar todas as ações e benfeitorias realizadas pelas igrejas no Brasil, até mesmo documentadas, e espera que o senador represente o segmento no Congresso e no Senado Federal.
Sugestão divide opiniões da população
O Circuito Mato Grosso foi às ruas para descobrir o que pensam os cuiabanos sobre a sugestão legislativa. Na região central de Cuiabá, na Praça Ipiranga, foram entrevistadas 15 pessoas aletoriamente, entre jovens, velhos, homens e mulheres. Quatro afirmaram ser favoráveis à tributação dos bens das igrejas e sete disseram ser contra. As outras quatro preferiram não tomar posição, argumentando que não vão a igrejas.
Valdomiro Mendes, 54, disse que é contra a cobrança de impostos. Para ele, muitas igrejas fazem trabalho beneficente e isso seria uma maneira de pagar os impostos. “Igreja é coisa de Deus, acho que não deve pagar. Tem tantas outras coisas que deveriam pagar imposto e não pagam, por que a igreja tem que pagar?”, questionou.
Já Bruny Gonçalves, 26, pensa diferente. Ela é a favor da sugestão e que as igrejas devem, sim, pagar impostos. “Como eu pago imposto, é justo que eles paguem também. E outra: a gente não sabe o que é certo e o que é errado hoje em dia, tem muita igreja que é aberta visando apenas dinheiro”, afirmou.
Pedro Monteiro também é a favor da cobrança de impostos. “Se todo mundo paga imposto, por que a igreja não pode pagar?”, questionou, acrescentando ainda que algumas igrejas “praticamente obrigam os membros a pagarem o dízimo”.
Deuclécia Soares se posicionou contra a medida. “Não é justo. A igreja já paga imposto em água, luz. Ela vive das pessoas que são dizimistas, das pessoas que ajudam”, argumentou.
Medeiros que colocar relatório em votação no 1º semestre
O senador José Medeiros pretende colocar o relatório em votação na CDH até o meio do ano e informou que muitas pessoas já manifestaram o desejo de se pronunciar em audiências públicas. As audiências deverão ser realizadas tanto no Senado Federal como em outras localidades. Medeiros disse ainda que não abrirá mão de ser o relator da sugestão de lei e promete um relatório pautado na técnica.
Ele é o quarto senador a receber a relatoria, depois que dois designados para a tarefa devolveram o texto para redistribuição e outro que deixou a CDH. “Eu estou ouvindo as partes interessadas, todas as igrejas, enfim todos os templos de qualquer culto e também as pessoas que querem que tribute. Pretendemos fazer um relatório pautado no que for colhido nas audiências”, pontuou Medeiros.
Sobre o assunto, Medeiros afirma que não é de bom tom que o parlamentar se apaixone pelo tema e que não teme desgaste na imagem, em função da polarização de opiniões. “De qualquer forma, vou ter ônus e bônus. Vou ter desgaste e vai ter gente que vai ficar contente, mas isso faz parte do processo legislativo”, afirmou.
José Medeiros defende que o relatório se limite ao que for colhido durante as audiências e que será “além de suas convicções morais ou religiosas”. Há duas correntes atuais, uma que defende a taxação, de que nesse momento da economia a medida iria trazer dividendos importantes para serem aplicados nas áreas da saúde e educação. A outra afirma que as igrejas são as maiores mantenedoras de instituições filantrópicas e que a aprovação da medida iria trazer prejuízos ao país. “Há argumentos de todas as partes. Não dá simplesmente para dizer: ‘olha fulano tem um jatinho, o padre é cantor, tá ganhando muito dinheiro, vamos taxar e tudo bem’. É muito complexo, tem que sobrepesar tudo isso para ver o que é melhor para a sociedade”, sintetizou Medeiros.