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Lei de cotas para mulheres nos conselhos de administração das estatais entra em vigor

As práticas propostas pela Lei 15.177/2025, que prevê reserva de 30% das cadeiras em conselhos de administração de empresas estatais no Brasil para mulheres, representam um sinal verde para conselheiras, incluindo as de companhias privadas, ainda em minoria. Apesar da conclusão, unânime entre as especialistas mulheres ouvidas pelo Estadão, há ressalvas e algumas lacunas que, segundo elas, poderiam ter sido contempladas pela nova legislação.

A norma originada do Projeto de Lei 1.246/2021, de autoria da deputada federal Tabata Amaral (PSB), foi sancionada no final do mês passado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, obrigando o cumprimento da cota mínima com recorte de gênero em companhias públicas, sociedades de economia mista, suas subsidiárias e controladas, além das demais empresas nas quais União, Estados, Distrito Federal ou municípios possuam, direta ou indiretamente, a maioria do capital social com direito a voto.

Segundo o texto, o cumprimento deve ser progressivo: 10% de reserva de vagas na primeira eleição do conselho de administração, 20% na segunda e 30% na terceira. Além disso, ao menos 30% das vagas reservadas às conselheiras devem ser ocupadas por mulheres negras ou com deficiência.

Essa obrigatoriedade não se estende às empresas privadas de capital aberto, cuja adesão é facultativa. Mas as companhias listadas na B3 já têm recomendação para atender a regras de diversidade de gênero nos conselhos de administração conforme orientação da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). A cota mínima, neste caso, é a eleição de ao menos uma conselheira para o colegiado até 2026.

Presença tímida

Um levantamento realizado e publicado pelo Estadão, em 2024, tendo como base as empresas listadas no Ibovespa (incluindo estatais), apontou que as mulheres ocupam apenas 20,7% das cadeiras de conselho.

Para a coordenadora do Curso de Formação de Conselheiras da Trevisan Escola de Negócios, Glades Chuery, a aprovação da Lei 1.246/2021 é um passo importante para a “correção de uma desigualdade histórica”. “A presença de mulheres nos conselhos ainda é tímida e, na maioria das vezes, decorre de esforços individuais. A lei vem equilibrar esse jogo, criando condições mínimas para que mulheres ocupem espaços que, historicamente, lhes foram negados.”

Já a gestora executiva do Movimento Mulher 360, Margareth Goldenberg, diz que a lei segue o exemplo de outros países que já adotaram a medida de reserva de vagas, como Noruega, França e Alemanha, que têm cotas de 40% para mulheres conselheiras. A executiva adverte que a presença dessas mulheres, no entanto, não pode servir apenas para composição numérica.

A cofundadora do Instituto Conselheira 101, Jandaraci Araújo, vai na mesma direção. “É preciso avançar na regulamentação, garantindo processos de nomeação transparentes, inclusivos e meritocráticos. Só assim conseguiremos evitar nomeações simbólicas e garantir que a diversidade tenha de impacto real.”

As executivas também concordam que, mesmo tendo uma influência positiva no mercado, ainda há lacunas na lei.

Margareth cita a falta de previsão mais clara de mecanismos de fiscalização do cumprimento da lei. Além disso, destaca que deveria haver a imposição de ações estruturantes, como programas de formação e cultura organizacional inclusiva. “Sem esses pilares, o risco é que a ocupação desses espaços por mulheres se limite ao cumprimento formal da cota, sem gerar transformação real.”

Já Jandaraci destaca a necessidade da capacitação institucionalizada e apoio à formação continuada, ausentes do documento legal. “A lei precisa ser acompanhada de um compromisso real em transformar não só a composição dos conselhos, mas também suas práticas.”

Para a diretora-geral do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), Valéria Café, é preciso também reconhecer que existe uma gama de profissionais mulheres com formação necessária para ocupar os postos nos conselhos, diz.

Ela acrescenta que a equidade nos conselhos é uma forma poderosa para que as empresas tomem decisões mais qualificadas, seguras e plurais. “É preciso que as organizações tenham uma diversidade de pensamentos e, para que haja uma diversidade de pensamentos, é preciso que as pessoas venham não só de gêneros diferentes, mas de regiões diferentes, de experiências diferentes.”

Cenário nas estatais

Segundo dados publicados pelo Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI), o Brasil possui 44 empresas estatais federais e 78 subsidiárias. Estatais como Petrobras, Banco do Brasil e Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) já possuem algum nível de diversidade de gênero na composição dos seus conselhos de administração.

O colegiado da Petrobras é formado por nove homens e duas mulheres, dentre elas a presidente da companhia, Magda Chambriard. A diretoria, no entanto, tem maior nível de diversidade, com cinco executivas e quatro executivos – o que a empresa trata como “marco histórico e inédito”, em nota enviada ao Estadão. “O Plano de Negócios da Petrobras 25-29 estabelece como meta que 25% das posições de liderança sejam ocupadas por mulheres e 25% por pessoas negras até 2029. Destaca-se que o acesso à Petrobras é de processo seletivo público e hoje a empresa conta com 17,33% de mulheres no seu quadro de trabalhadores”, diz a companhia.

Já no BNDES, o conselho de administração tem 11 componentes: oito homens e três mulheres. Ao Estadão, o banco informou que uma das componentes é autodeclarada preta. “Dessa maneira, o BNDES afirma que já cumpre a cota de 30% de mulheres entre os conselheiros do conselho de administração. Também observa o texto da lei que determina que, deste total reservado, 30% devem ser destinados a mulheres negras ou com deficiência.” A diretoria da estatal é formada por quatro mulheres e cinco homens.

O Banco do Brasil é o mais avançado em diversidade no colegiado administrativo. “O conselho de administração da instituição já conta com 50% de mulheres, superando em 20 pontos porcentuais o patamar estabelecido pela legislação, porcentual alcançado antes mesmo da promulgação da lei”, ressalta o banco ao Estadão.

Segundo a instituição, no conselho diretor há 45% das cadeiras ocupadas por mulheres, 22% por pessoas negras e duas posições por representantes autodeclarados LGBT+. Desde 2023, a presidência do Banco do Brasil está sob comando de Tarciana Medeiros, primeira mulher a ocupar o posto.

Estadão Conteudo

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