Contudo, mesmo com esse orçamento milionário, a Setas pouco investe para o bem-estar das crianças, o que tem resultado em constantes relatos de maus-tratos, fugas e até rebeliões dentro do próprio Lar.
Atualmente o Lar da Criança está abrigando 85 menores que estão sob a tutela do Estado, por estar sofrendo algum tipo de violência nos ambiente nos quais viviam. Mas apesar de todo trauma em casa, a situação não muda muito quando são levadas para o Lar, pois de acordo com conselheiros tutelares, as principais ações realizadas nos últimos tempos envolvem o recolhimento de crianças que fugiram do local alegando maus-tratos.
Temendo algum tipo de perseguição, os conselheiros preferiram não se identificar, mas relataram que as fugas são semanais e geralmente é o mesmo grupo. Quando encontram as crianças, elas estão com vários hematomas pelo corpo.
“As fugas sempre envolvem um grupo de três a cinco crianças, e o que mais espanta é que alguns não têm nem cinco anos de idade direito. Quando o Conselho Tutelar as encontram, geralmente estão sem sapato, com unhas grandes, com piolho e com a pele encardida, mas não é um sujeira de crianças que ficou brincando, e sim de criança abandonada. Além disso, já encontrei menor com a bochecha machucada e lesões pelo corpo”, diz um dos conselheiros.
O conselheiro destaca que essas lesões são as mais visíveis, mas ainda há o caso de menores que contam que levam vários socos na cabeça, os famosos cascudos, e até apanham de toalha molhada dentro do banheiro.
“Nos últimos meses esses relatos têm sido mais constantes e acredito que seja pela falta de capacitação dos novos monitores que não sabem lidar com esses menores que chegam dentro do Lar cheios de problemas sociais e psicológicos”, diz.
Já uma das conselheiras afirma que o principal problema é que a Instituição está sendo protegida, pois há vários Boletins de Ocorrência (B.O.) registrados e mesmo assim nada é feito para investigar os casos de maus-tratos.
“Os maus-tratos estão sendo vistos no rosto das crianças. Há quatro anos quando entregávamos um menor para o Lar, sabíamos que iria melhorar a vida dele, mas agora a realidade é que eles não passam muito tempo e já fogem. E um dos depoimentos que mais me cortaram o coração foi de uma criança que fugiu e falou: “Tia, por que a senhora não busca meus irmãos no Lar e devolve para a minha mãe, porque com ela nós só passávamos fome, e lá dentro nós passamos fome e apanhamos”, relata.
Um dos motivos desse relato está diretamente envolvido com os castigos aplicados que é retirar alguma refeição dos menores.
Deddica abre inquérito
A Delegacia Especializada de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (Deddica) abriu inquérito para apurar a suspeita de maus-tratos dentro do Lar após a fuga das 19 crianças, de acordo com o delegado Eduardo Botelho. O delegado confirmou também que todos os cuidadores que estavam de plantão já foram ouvidos e agora só aguarda o estudo psicossocial das crianças que fugiram.
Com esse estudo o delegado pretende realizar um enfrentamento de depoimentos para saber qual parte relatou a realidade. Além disso, foi anexado ao inquérito também o ‘motim’ realizado no dia 15 dentro do Lar, quando algumas crianças subiram no telhado e colocaram fogo em colchões. “O inquérito apura os motivos das fugas frequentes desde abril deste ano e o alto índice de reclamações de maus-tratos”, afirma Botelho.