Faltam pesquisas em humanos para atestar que a fosfoetalonamina sintética, produzida pelo IQSC (Instituto de Química de São Carlos) da USP (Universidade de São Paulo), tem efeito real contra o câncer. Mas não faltam empresas dispostas a comprar a patente da droga e estudá-la, com promessas de lucros bilionários.
Empresas dos Estados Unidos, Alemanha, França, Itália e Dubai já teriam oferecido pagamentos vultosos pela patente e prometeram arrecadação de bilhões após confirmada a eficácia da substância. Países vizinhos como a Argentina, o Uruguai e Paraguai também teriam demonstrado interesse em produzir o composto com menos burocracia, conta o professor Marcos Vinícius de Almeida, um dos pesquisadores e detentores da patente da substância produzida em São Carlos (232 km de São Paulo).
Mas Almeida afirma que o grupo se recusa a vender a patente para esses grupos porque firmou em contrato o objetivo de doá-la se for comprovado que sua fórmula pode curar doenças, entre as quais o câncer. Por isso, a parceria com um órgão público é mais animadora para o grupo.
Ele conta que depois da repercussão sobre a droga, seu grupo de pesquisa foi procurado pelo Lafergs (Laboratório Farmacêutico do Rio Grande do Sul), pertencente à Fepps (Fundação Estadual de Produção e Pesquisa em Saúde) do Rio Grande do Sul, que ofereceu auxílio nos testes clínicos (com pessoas). De acordo com o pesquisador, seu grupo está reunindo os documentos necessários para abrir a parceria. Questionada pelo UOL sobre o convênio, a Fepps não se pronunciou.
"A única coisa que eu quero é deixar claro que se for verdadeiro, falso, se funciona ou não, que seja concluída a pesquisa até a fase final, de forma auditada e imparcial. Se não for, tudo bem, a gente vende esse produto como reagente de laboratório. Se for, a gente dá uma opção para as pessoas", diz Almeida.
O pesquisador conta que não ofereceria o composto desenvolvido por ele para parentes por não acreditar na cura. "Nunca forneci o composto para parente meu e eu tenho alguns que estão em quimioterapia. Eu sou cético probabilístico, para mim o que vale é a palavra final da Ciência. Não estou dizendo que não funciona, estou vendo as evidências. Porém, não imponho nada que pudesse colocar alguém em uma situação de risco. Se eu dou para um parente, não estou fazendo o correto", diz.
Riscos com droga similar
O professor na Faculdade de Ciências da Unesp (Universidade Estadual Paulista), em Bauru (329 km de São Paulo) conta que existe um composto na indústria química chamada também fosfoetalonamina sintética, mas que não é a mesma substância produzida na USP de São Carlos. O biólogo, com especialização em biotecnologia, fez parte da equipe de pesquisadores liderada pelo químico Gilberto Chierice, do IQSC, que criou a fórmula da fosfoetalonamina sintética há 25 anos e, por pelo menos dez anos, distribuiu cápsulas com o composto. Segundo o pesquisador, a fórmula desenvolvida por Chierice é diferente da vendida no mercado e tem uma fórmula própria que atua direto na célula cancerosa.
"Tem gente que está comprando e tomando a fosfoetanolamina vendida como reagente industrial, encontrada em produtos para ferrugem e em xampu. Elas podem acabar morrendo. O meu medo é a substância ser liberada sem critério e sem controle", afirma.
Busca por testes em humanos
Almeida diz que o grupo tentou viabilizar os testes clínicos buscando apoio da própria USP e de médicos, sem sucesso. Segundo o pesquisador, ele e o colega Renato Meneguelo, médico que participou do grupo do IQSC e hoje estuda a substância no Instituto Butantan, perambularam por hospitais públicos de São Paulo para mostrar a médicos os resultados das pesquisas e pedir ajuda para fazer os testes clínicos. "Raros nos atendiam", conta.
"Recebemos até convite para vender como suplemento, porque teria menos regras, uma vez que ele não é um composto quimioterápico", diz. Assim, a substância poderia ser vendida na mesma classificação do Cogumelo do Sol, por exemplo. Os testes feitos pelo grupo de Almeida com a substância mostraram a destruição de alguns tumores em ratos, mas faltam pesquisas controladas em humanos para garantir sua ação e também os efeitos colaterais.
Questionada se pretende fazer os testes clínicos com a droga, a USP respondeu por e-mail que "Os testes devem ser conduzidos pelos próprios pesquisadores, assim como ocorre em todas as unidades da universidade. Nesse caso em específico particularmente, pois a substância foi patenteada".
Propostas bilionárias foram negadas
Segundo o biólogo, o grupo de pesquisadores já recebeu incontáveis propostas de parcerias de investimentos feitas por empresários que chegam a eles até de jatinho, mas que não declaram o nome dos interessados.
Diante das negativas dos pesquisadores, Almeida teria escutado que "seriam engolidos e que a pesquisa vai acabar em nada".
"Há grupos que literalmente oferece milhões, bilhões para que isso seja levado para fora daqui e até agora a gente está tentando manter a coerência de deixar gratuito. Se isso realmente for confirmado, a patente será doada. A gente não quer levar dinheiro, a gente gostaria de ter uma contrapartida para montar alguma plataforma de pesquisa", diz Almeida.
Entenda
Após uma decisão do STF (Supremo Tribunal Federal), o Tribunal de Justiça de São Paulo derrubou a suspensão da distribuição das cápsulas do IQSC para quem conseguisse liminar na Justiça, o que obrigou a USP a voltar a produzir e distribuir a fosfoetanolamina sintética. Com isso, mais de 700 liminares foram expedidas e o IQSC ficou sobrecarregado. A USP pede na Justiça a suspensão da entrega das cápsulas.
Oncologistas, a USP, o ICQS e os próprios pesquisadores alertam que a substância nunca foi testada em humanos, o que a inviabiliza como remédio. A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), responsável por registrar e permitir o comércio de qualquer medicamento no país, diz que a distribuição da droga é ilegal por nunca ter passado por testes clínicos.
Fonte: UOL