Moda Indígena Kurâ-Bakairi
Mulheres do povo indígena Kurâ-Bakairi, da Terra Indígena Bakairi, Mato Grosso, exibem suas pinturas corporais para além da pele desde tempos imemoriais. A maior parte do conjunto de grafismo inspira-se na fauna local, com motivos específicos, reservados para os homens, como por exemplo o “kuma”, que veste o corpo na ocasião da furação dos lóbulos das orelhas; outros para as mulheres, como o “kalamigare”, que veste o corpo no ritual de iniciação da menina-moça; outros para ambos os sexos, como o “kanguyry”, que veste o corpo nas festividades de batizado do milho. O material tintório – jenipapo, urucum e tabatinga – é resultante de procedimentos técnicos de elaboração e de acondicionamento provenientes de saberes milenares, passados de geração a geração.
A cor preta das pinturas corporais advém do jenipapo. A popa da fruta, colhida antes de madurar, é ralada, misturada com água, coada e espremida até a obtenção de um caldo para, então, ser cozido e formar espumas. Talos queimados da palmeira de buriti são acrescidos ao líquido para alcançar uma tonalidade mais escura. Finalizada a tarefa, é preciso esperar um dia para ser aplicado ao corpo.
A cor vermelha das pinturas corporais advém do urucum. As sementes, bem maduras, são socadas e colocadas em um vasilhame para ser levado ao fogo até que a água entre em ebulição. Nesse momento, pedaços do vegetal “chico magro” são acrescidos ao líquido para proporcionar liga à tinta. Após a fervura, em estado sólido, é preciso esperar um dia para ser aplicado ao corpo. Quando envolta em palha de buriti, sua conservação chega a um ano.
A cor branca das pinturas corporais advém da tabatinga. A argila é coletada do fundo de lagoas e córregos. Sua tintura é o resultado da exposição ao sol até a evaporação quase total da água. Quando em uso, pequena quantidade de água precisa ser adicionada para propiciar um caldo homogêneo. Como o jenipapo e urucum, pode ser conservado por um bom tempo, quando moldado em formato arredondado.
As cores preta, vermelha e branca também são empregadas na confecção das 22 máscaras do ritual Yakuigade (Kuamby, as arredondadas, e Yakuigade, as retangulares, em maior número).
As cores preta, vermelha e branca de materiais tintórios industrializados são empregadas em grafismos Kurâ-Bakairi na confecção de vestimenta (vestidos, saias e camisetas) e de peça de decoração quadrada ou retangular, os mesmos aplicados em seus corpos, nas máscaras sagradas.
O Projeto Kywagâ, liderado por mulheres do povo Kurâ-Bakairi, propõe uma “moda brasileira” singular, autoral que faz a diferença na estamparia: a ancestralidade do grafismo que vestem corpos humanos e objetos sagrados.
Âgudo, sucuri (crianças de ambos os sexos)
Xurui, peixe pintado (adultos e crianças do sexo masculino)
Menxu, vestimenta da festa Iawaizare (mulheres)
Tywygâ, libélula (mulheres)
Semimu, morcego (mulheres)
Kanguyry, vestimenta da festa do batizado do milho (homens e mulheres)
Kalamigare, vestimenta da festa da menina-moça (mulheres)
Kuma, vestimenta da festa de furação dos lóbulos das orelhas (homens)
Tutureim, vestimenta das festas de batizado do milho e do Yakuigade.
Kywenu é o ritual que celebra as pinturas corporais, a escrita ancestral do povo Kurâ-Bakairi. Nas palavras de Darlene Taukane (2015), “as pinturas – kywenu – são conhecimentos passados pelas pessoas mais velhas das aldeias que sabem pintar, contar os significados, formas e traços.” O grafismo do Projeto Kywenu é um meio de reconhecimento étnico. Uma ação política. O porvir de um mundo mais humanitário entre indígenas e não indígenas. A manifestação estética do grafismo, seja ela estampada na pele, nas máscaras, no tecido industrializado, transportam mensagens da ordem profana e da ordem cósmica. E são esses saberes que o povo Kurâ-Bakairi elegantemente nos presenteia com sua moda decolonial.