Com essas palavras, a juíza auxiliar Celia Regina Vidotti, da Vara de Ação Civil Pública e Ação Popular do TJ-MT, suspendeu o edital nº 010/2013/CEPROMAT, também conhecido como MT Digital, e que teve como vencedora a empresa OI/AS pelo valor de R$ 428,9 milhões. A liminar atendeu a denúncia feita pelo promotor Clóvis de Almeida após conclusão de inquérito que investigou o processo licitatório.
O MT Digital é um controverso projeto do governo estadual, proposto em outubro de 2013 por meio do processo administrativo nº 458450/2013, cujo objeto é a “contratação de empresa especializada para prestação de serviços de tecnologia da informação”. Trocando em miúdos, seria algo como uma modernização dos sistemas, ambientes virtuais e infraestrutura de T.I. Ou seja, terceirizar os serviços do Centro de Processamento de Dados de Mato Grosso, o Cepromat, proposta defendida pelo presidente da autarquia, Wilson Teixeira e pelo diretor técnico Djalma Soares.
O projeto poderia ser motivo de comemoração do povo mato-grossense, tendo em vista a demanda crescente por serviços de uma população cada vez mais exigente e politizada, que nasce sob o paradigma das redes sociais e da instantaneidade proporcionada pela internet e telecomunicação.
No entanto, os indícios de fraude apontados pelo Circuito Mato Grosso, que inclusive adiantou em dezembro de 2013 que a Oi S/A venceria o certame, num suposto esquema de favorecimento e licitação direcionada, colocaram dúvidas sobre a lisura de um negócio com custo tão alto para os cofres públicos estaduais, sobretudo pelo fato de o MT Digital conter trechos idênticos a um estudo realizado pela própria multinacional e entregue ao governo com o objetivo de “atender às demandas de tecnologia da informação”, em janeiro de 2012.
Em seu despacho, a juíza auxiliar ressalta que o “item 6.11 prevê a possibilidade de subcontratação de ’atividades acessórias e complementares’, porém, mais adiante, permitiu também a subcontratação de serviços de ‘obras civis’ e ‘montagens diversas’, o que revela uma contradição. E, ainda, não foram estabelecidos os limites dessa subcontratação, em afronta ao disposto no art. 72 da Lei nº 8666/93”.
A Lei nº 8666/93 versa sobre licitações e além do não estabelecimento de limites das subcontratações de obras estatais, contrariando a legislação, como apontou a magistrada, também disciplina em seu artigo 39 as audiências públicas, que só ocorreram após pressão da sociedade e depois de a Secretaria de Estado de Administração (SAD) publicar o edital 010/2013/CEPROMAT, o que vai contra as orientações jurídicas do dispositivo legal.
Assim, Celia Regina Vidotti acata pedido do Ministério Público Estadual, que solicitou uma liminar de suspensão por meio do promotor Clóvis de Almeida Júnior. Em sua decisão final, ela assinalou que “diante do exposto, estando sobejamente demonstrados os requisitos da tutela de urgência, defiro o pedido e determino que seja imediatamente suspensa a execução do contrato decorrente do processo administrativo nº 458450/2013, que ensejou o Edital de Licitação nº 010/2013/CEPROMAT”.
“Ao contrário do que sustentou o Estado de Mato Grosso, verifica-se que a forma como foi desenvolvido o procedimento administrativo e o contrato dele decorrente, não atendeu, prima facie, as disposições gerais e específicas das Leis nº 8.666/93 e nº 10.520/2002, no tocante a licitação, bem como desprezou princípios que devem reger todos os atos da administração pública, principalmente no tocante a publicidade, moralidade e eficiência”.
Juíza Celia Regina Vidotti
Presidente da Oi disse não conhecer contrato
Por ocasião da visita do presidente do grupo Oi S/A a Cuiabá, em maio desse ano, como parte da divulgação de investimentos no Estado, o jornal Circuito Mato Grosso perguntou ao presidente da companhia, Zeinal Bava, se a empresa se considerava favorecida no processo do MT Digital. O executivo português limitou-se a dizer que “desconhecia” o caso.
O equipe do Circuito também procurou um representante do governo estadual para comentar o assunto. Mas apesar de tentar contato em várias secretarias, não obteve retorno até o fechamento da edição.
Valor do contrato foi feito sem orçamento
Em um dos trechos da decisão, a juíza auxiliar Celia Regina Vidotti destaca a falta de um critério básico que vale para qualquer tipo de negociação: a estimativa de preço, feita por fornecedor ou empresa, do serviço a ser prestado.
De acordo com ela, “o valor do contrato foi fixado sem que houvesse orçamento, ou seja, não há nenhuma informação quanto ao preço médio dos serviços a serem contratados, tampouco de fornecedores que tenham sido consultados”.
Como exemplo no cotidiano, isso equivaleria a contratar o serviço de um eletricista ou encanador sem antes exigir um orçamento, muito menos pedir uma segunda opinião.
Num outro ponto do texto, a magistrada chama atenção pelo não cumprimento de outros ritos básicos no tocante à transparência e à eficiência do processo, como inexistência e justificativa de custos dos serviços a serem executados.
De acordo com o deferimento da liminar, após análise dos documentos fornecidos pelo Cepromat e pela Auditoria Geral do Estado, “verificou-se a existência de ilegalidades, dentre elas a ausência de planilha de custos e relação das empresas cotadas para aferir o preço de quaisquer itens licitados, existindo apenas um valor global do procedimento licitatório e o agrupamento de itens e serviços diversos em um lote único”.
Lote único não traz benefícios para o Estado
Um dos pontos mais polêmicos do edital 010/2013/CEPROMAT, que unia num único pacote os serviços de informática, tecnologia da informação e telecomunicações, o chamado lote único, foi rechaçado na decisão judicial, mesmo com a alegação do governo do estado de que a forma de licitar “trazia benefícios à administração”.
Na liminar, a juíza entende que “não merece ser acolhida a afirmação do Estado no sentido que a contratação em lote único traz benefícios à administração, principalmente no caso em análise, em que se está a contratar uma gama de serviços complexos e outros comuns”.
AGE pediu readequação do MT Digital
Para o secretário auditor da Auditoria Geral do Estado (AGE), José Alves Pereira Filho, a licitação contrariou a decisão do Grupo Técnico de Redes (GT-Redes), que fez o estudo do MT Digital e foi contra a licitação por lote único.
“O fato causou estranheza, pois lote único, para todo o rol de serviços, contraria tudo o que fora estudado. Não foram apresentados motivos técnicos e justificados para tal decisão”, disse Pereira Filho.