Cruzamento de dados da Receita Federal, Justiça Eleitoral, secretarias de Fazenda, do governo federal e do Tribunal de Contas da União aponta fraudes na prestação de contas de 3.511 candidatos (individual ou grupos políticos) nas eleições deste ano em Mato Grosso. As irregularidades são de várias espécies, vão de doação de pessoas beneficiárias do programa Bolsa Família e mortos com registro de óbito em órgão oficial. A soma aponta 9.815 indícios de irregularidades nas prestações de contas, quase 10% delas (957) envolvendo doadores inscritos no programa social.
Um beneficiário, por exemplo, aparece como doador de R$ 67,5 mil, repasse em dinheiro, para um diretório regional partidário. Há ainda 78 casos de fornecedores das campanhas que possuem sócios ou representantes inscritos no programa social.
Mortos também aparecem na lista de doadores. Sete doadores identificados no cruzamento de dados- um de Cuiabá e seis do interior- também estão registrados no Sistema de Controle de Óbitos. Segundo a Justiça, a fraude aponta para indício de lavagem de dinheiro por meio das campanhas eleitorais.
Conforme o Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso (TRE-MT), a maioria das irregularidades se refere a doadores cuja renda declarada à Receita Federal, via o Imposto de Renda, é incompatível com o valor doado, o que é considerado como disparate pela Justiça entre fonte e doação. Foram detectados 2.514 casos desse tipo.
O relatório aponta ainda 2.437 doadores que estavam sem vínculo empregatício nos dois meses anteriores à data de doação, situação que indica falta de capacidade financeira para fazer contribuição. Outras fontes disseram tirar dinheiro de suas empresas, mas sem possuir registro ativo na Junta Comercial ou Receita Federal.
Há ainda 1.072 casos de doadores sócios ou dirigentes de empresa que recebe recursos da Administração Pública. Os órgãos fiscalizadores rastrearam essas contas por indicar que as doações podem ter sido repasses indiretos saídos dos cofres públicos.
O cruzamento de dados também detectou indícios de doação empresarial indireta em 847 casos, colaboração vetada na minirreforma eleitoral, que entrou em vigor em janeiro deste ano. Conforme o levantamento, nestes casos, houve doações de funcionários de uma mesma empresa para um candidato.
O cruzamento também identificou irregularidades em outros quatro tipos de doações: 512 fornecedores possuem relação de parentesco com o candidato ou seu vice; 437 casos de cessão de uso de veículo que não registrado em nome do doador; 267 empresas fornecedoras de campanha, constituídas em 2015 ou 2016, que possuem sócio filiado a partido político; e 346 fornecedores com número reduzido de empregados, o que indica falta de capacidade operacional.
Cruzamento de informações
O trabalho de cruzamento de dados foi realizado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em parceria com o Tribunal de Contas da União (TCU), ao analisar a prestação de contas enviada pelos candidatos. Os relatórios, separados por Estado, já foram enviados ao Ministério Público Eleitoral, que poderá propor Representações contra os candidatos e partidos políticos.
Da mesma forma, o Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso (TRE-MT) já deu início ao cruzamento de dados da prestação de contas apresentada pelos candidatos e partidos, com as informações das secretarias municipais de finanças e Secretarias da Fazenda de todo o país. As 192 informações enviadas pela população, por meio do aplicativo CAIXA 1, também se juntarão a estes dados.
Para a desembargadora Maria Helena Póvoas, presidente do TRE-MT, as eleições 2016 ficarão marcadas pelo salto da Justiça Eleitoral no que concerne à sua capacidade de combate ao caixa 2 de campanhas eleitorais e outras formas de corrupção eleitoral.
"O ganho foi imensurável [em ferramentas para fiscalização], porque agora a Justiça Eleitoral não depende apenas das informações trazidas pelos candidatos. Agora temos como fechar o cerco contra os crimes eleitorais. Em Mato Grosso, estamos em plena capacitação de servidores para atuar na força-tarefa de análise das prestações de contas de campanha. Técnicos e magistrados são preparados para detectar indícios de outros crimes. E o magistrado poderá determinar que se extraia cópias do processo de prestação de contas, para enviar ao Ministério Público, a fim de investigar crimes eleitorais, resultando inclusive em inelegibilidade", disse a juíza.
A parceria com a Justiça Eleitoral vai trazer benefícios para outras instituições brasileiras, que poderão atualizar e/ou depurar seus cadastros. Os atendidos pelo Bolsa Família, por exemplo, que figuram como doadores de campanhas eleitorais, podem ter o benefício cancelado, caso fique comprovado que não se enquadram no perfil exigido pelo programa social.
Em agosto deste ano, o Tribunal Superior Eleitoral firmou acordo de cooperação com o Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário (MDS), para contribuir para o aperfeiçoamento da administração pública por meio da troca de informações. Desta forma, todas as denúncias envolvendo beneficiários do Bolsa Família já estão de posse do Governo Federal.
A Receita Federal também é beneficiada com a troca de informações. Os cidadãos que doaram acima do permitido pela Legislação, ou seja, 10% dos rendimentos brutos auferidos no ano anterior ao da eleição terão que se explicar à Receita Federal, que poderá abrir processo administrativo para verificar possível fraude na Declaração de Ajuste Anual do Imposto sobre a Renda da Pessoa Física (IRPF). Em Mato Grosso foram detectados 2.514 doadores de campanha nesta situação.