Desde 2013 a Justiça do Trabalho em Mato Grosso recebeu 597 processos com pedidos de indenizações de trabalhadores que alegaram trabalhar em condições análogas à de escravo. A maioria dessas ações envolvem fazendas que apresentam locais precários de trabalho e estadia, sem ações de prevenção de acidentes, serviços de saúde ou mesmo as mínimas condições de higiene.
Conforme os dados do Tribunal Regional do Trabalho de Mato Grosso (TRT/MT), entre janeiro e agosto deste ano o número de ações ajuizadas tratando do tema chegou a 86. No primeiro ano do levantamento, foram registrados 127 novos processos pedindo indenizações por trabalho análogo à escravo. No ano seguinte, o número oscilou para 118, voltando a subir em 2015 para 141. Já no ano passado, o TRT contabilizou a entrada 125 processos com este pedido.
Desse total de processos, nem todos são julgados procedentes. Mas de forma geral, quando comprovados em juízo, os números se traduzem em histórias de trabalhadores que chegaram à Justiça do Trabalho para reclamar direitos básicos como Equipamentos de Proteção Individual (EPI), local para refeição e condições dignas de higiene. Como foi o caso de quatro trabalhadores resgatados após fiscalização realizada em 2016 em obra em Chapada dos Guimarães.
A Ação Civil Pública(APC) apresentada pelo Ministério Público do Trabalho contra esta fazenda constatou 10 infrações às normas de segurança e saúde no trabalho. Eles trabalhavam na mais completa informalidade, sem registro do vínculo empregatício, nem mesmo anotação na Carteira de Trabalho.
Além disso, não tinham nenhum abrigo para fazer as refeições e nem mesmo água potável ou instalações sanitárias de qualquer espécie, de modo que eram obrigados a fazer suas necessidades fisiológicas no meio do mato ou no rio, que ficava uns 300 metros da obra.
Também foi constatado a ausência de local adequado para o preparo de alimentos e espaço equipado com materiais de primeiros socorros. Os trabalhadores também não recebiam os equipamentos de proteção individual.
Em sentença proferida em maio deste ano, a juíza da 8ª Vara do Trabalho de Cuiabá, Mara Oribe, concluiu que estes trabalhadores resgatados encontravam-se em condições verdadeiramente análogas às de escravidão e que as condições oferecidas demonstravam o pouco apreço que os empregadores tinha por aqueles trabalhadores. “Não foram oferecidas condições básicas de sobrevivência, que dirá, de prestação de serviços. Não havia água potável, instalações sanitárias, alimentos de qualidade, locais para descanso, elementos sem os quais fica prejudicada a própria noção de dignidade”, analisou.
Conforme explicou a magistrada, pode-se dizer que o patrão atentou duplamente contra o meio ambiente, primeiro quando realizou obra dentro de área preservada e, depois, quando não providenciou um meio ambiente de trabalho digno para os empregados. Por isso, foi condenado a pagar 10 mil reais por dano moral coletivo, valor a ser revertido a fundos de amparo na área trabalhista ou a instituições sem fins lucrativos que prestam serviços assistenciais, além do pagamento de mil reais a cada trabalhador.
Juara
Outra sentença de condenação por trabalho escravo foi proferida em julho deste ano pela Vara do Trabalho de Juara, após uma fiscalização realizada pela Superintendência Regional do Trabalho de Mato Grosso (SRT). Na ocasião, foram encontrados seis trabalhadores vivendo em situação análoga à escravidão em uma fazenda localizada à 150 km da cidade sede da Vara.
Também resultado de uma Ação Civil Pública do MPT, a ação apresentou as condições degradantes dos trabalhadores: os dormitórios eram construídos de forma improvisada, com camas feitas por tijolos ou madeiras, e com um único banheiro sem porta, que não oferecia nenhuma privacidade. A falta de água era constante e, por isso, os empregados eram obrigados a tomar banho e lavar suas roupas no córrego, também era utilizado pelo gado da fazenda.
Segundo os fiscais da SRT, a água que os trabalhadores tomavam vinha de um poço e era filtrada com um pedaço de pano. Já os materiais de trabalho, assim como a comida, eram descontados do salário. Tudo isso agravado pelo fato do local estar situado em região de difícil acesso, o que impedia-os de deixar a fazenda para procurar outra atividade.
Situação que, segundo a juíza Helaine Queiroz, se encaixa perfeitamente na definição de trabalho escravo. Neste caso, a fazenda foi condenada em 300 mil reais por dano moral coletivo, valor a ser revertido preferencialmente a entidade ou projetos a serem apontados pelo MPT na cidade de Juara.