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Justiça do Trabalho condena empresa a indenizar colaborador por comentários racistas; “aquele pretinho”

Uma companhia construtora de estruturas metálicas de Nova Mutum (242 km de Cuiabá) foi condenada pela Justiça do Trabalho a pagar R$10 mil em indenização por dano moral a um trabalhador que sofreu ofensa racista proferida por um encarregado da empresa.

O trabalhador, que exercia a função de montador de estruturas metálicas, relatou ter sofrido discriminação racial em março de 2024, enquanto prestava serviço na cidade de Sinop. Durante a situação, um encarregado da empresa referiu-se a um colega ausente como “aquele pretinho”. Ao ser confrontado, o encarregado reafirmou o comentário de maneira pejorativa, dizendo: “aquele amigo de cor de vocês”.  

O montador buscou apoio da empresa, mas o representante a quem recorreu reagiu dizendo que não iria se intrometer e que ele deveria pegar o CPF e ir à delegacia. O montador formalizou um boletim de ocorrência e, diante da inércia da empregadora, enviou um e-mail à empresa dona da obra relatando a situação, mas não recebeu resposta.

Cinco dias após o incidente, foi transferido da obra em Sinop para a fábrica em Nova Mutum, o que resultou na perda do adicional de ajuda de custo. Sentindo-se prejudicado, pediu demissão.  

A sentença reconheceu o dano moral pelas ofensas racistas. A empresa, ao se defender, alegou que o trabalhador não era alvo direto das ofensas e que tentava se colocar como vítima de uma situação que não lhe dizia respeito. Sustentou ainda que a proteção contra assédio moral é personalíssima e que o montador não poderia pleitear ressarcimento por danos sofridos por terceiros.

Os argumentos não foram aceitos pela juíza Cláudia Servilha, da Vara do Trabalho de Nova Mutum.

“Quando um homem negro ouve um colega, também negro, ser desumanizado, a ponto de não merecer ser chamado pelo nome, é evidente que é pessoalmente atingido”, afirmou.

Segundo a magistrada, os comentários ofensivos do encarregado afetaram não apenas o colega ausente, mas também todos os trabalhadores negros presentes.

“Tal colocação enseja (ou pelo menos deveria ensejar) justo repúdio em pessoas não negras, mas, certamente, com maior razão, ofende pessoalmente aqueles que são negros”, concluiu. 

A sentença também enfatizou as raízes históricas do racismo no Brasil, lembrando que a desumanização de pessoas negras remonta ao período colonial e persiste em atitudes e práticas discriminatórias nos dias atuais.

“Neste contexto, chamar alguém de ‘pretinho’ ou mencionar que um trabalhador negro tem um ‘colega de cor’ pode parecer algo menor para quem não está acostumado à chaga do racismo, mas atinge diretamente aquele que o sofre”, pontuou a juíza.  

A magistrada citou o Protocolo para Atuação e Julgamento com Perspectiva Antidiscriminatória, Interseccional e Inclusiva, instituído pelo Tribunal Superior do Trabalho em 2024, que reconhece o impacto do preconceito racial nas relações de trabalho e orienta magistrados e magistradas a considerarem o contexto histórico e social em suas decisões.  

O documento também aponta o racismo como uma prática estrutural no Brasil e de tal forma dissimulada que muitas vezes há dificuldades de comprovação.

Ao analisar o caso do montador, a juíza criticou a postura da empresa, que ao orientar o trabalhador a registrar o boletim de ocorrência por conta própria, deixou de cumprir sua obrigação legal de coibir práticas racistas no local de trabalho, violando a legislação nacional.  

Apesar de ter descartado o reconhecimento de assédio moral, já que o fato foi um episódio isolado, a magistrada afirmou que houve clara violação à dignidade do trabalhador. A empresa foi condenada a pagar R$ 10 mil a título de reparação por danos morais. 

Demissão

Ao procurar a justiça, o montador pediu também a conversão da demissão em rescisão sem justa causa, além do pagamento de verbas rescisórias pelas empresas envolvidas. A juíza negou.

Ela considerou que, embora os motivos alegados pudessem justificar uma rescisão indireta, o trabalhador renunciou a essa possibilidade ao optar pela demissão. Além disso, a magistrada apontou que o próprio trabalhador reconheceu ter solicitado a transferência para Nova Mutum, afastando a tese de retaliação.

Por se tratar de decisão de primeira instância, cabe recurso ao Tribunal Regional do Trabalho de Mato Grosso (TRT/MT).

João Freitas

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