Todos os meses, além do salário pela função de gerente de vendas na empresa de importação e comércio de maquinário, o trabalhador recebia outro depósito, que fazia com que seu rendimento mais que dobrasse. Os valores extras caiam na sua conta sempre entre os dias 3 e 12 de cada mês.
Sem estar registrado na Carteira de Trabalho (CLT), o valor pago “por fora” acabou virando tema de disputa na Justiça do Trabalho, resultando na condenação da empregadora ao pagamento das diferenças relativas a esse valor sobre as férias, 13º salários, aviso prévio, Fundo de Garantia por Tempo de Serviço e sua multa de 40%.
Além de quitar essas diferenças, a empresa terá que se explicar à Receita Federal, Ministério Público Estadual, Ministério Público do Trabalho e à Procuradoria-Geral Federal pela prática ilícita que resulta, entre outras consequências, na sonegação de contribuição previdenciária.
Essas determinações constam de sentença proferida pelo juiz Pedro Ivo Nascimento, em atuação na 8ª Vara do Trabalho de Cuiabá, ao julgar o processo ajuizado pelo ex-gerente de vendas.
Dispensado sem justa causa, após trabalhar de dezembro de 2013 a março de 2015 na loja em Cuiabá, o ex-gerente relatou que durante todo esse período teve a remuneração acrescida de 5% de comissão sobre as vendas realizadas. Entretanto, essa comissão, que variava entre 3,2 mil a 4 mil reais, nunca foi registrada oficialmente.
Encarado como uma “vantagem” à primeira vista, por reduzir os recolhimentos devidos pelas empresas, o pagamento “por fora” traz diversos prejuízos ao trabalhador que, de imediato, deixa de receber o reflexo desse valor em verbas trabalhistas como 13º salário, férias e horas extras, contabilizados com base no que é registrado nas folhas de pagamento. O dano traz também impactos futuros, nos valores pagos na aposentadoria e em outros benefícios previdenciários, como auxílio-doença.
As consequências dessa artimanha são suportadas também pela sociedade como um todo, já que resulta na sonegação de impostos com os quais o Poder Público custeia serviços como saúde, educação e segurança.
Na Justiça, o ex-gerente pediu que fosse reconhecida sua remuneração como sendo a soma do salário mais a comissão recebida mensalmente, com a consequente retificação na anotação de sua Carteira de Trabalho e o pagamento de diferenças decorrentes das repercussões que esses valores pagos "por fora" deveriam ter gerado durante o contrato de trabalho.
A empresa refutou todos os pedidos e, em sua defesa, alegou que o contrato previa remuneração mensal acrescida de comissão pela venda de peças no percentual de 0,25%, nunca tendo pago salário extrafolha, e que outros valores transferidos para a conta bancária se deviam à ajuda de custo para despesas com viagens.
Ao decidir, o juiz se baseou nas provas existentes no processo, como os extratos da conta do ex-gerente, por meio dos quais constam duas transações mensais periódicas ao longo do contrato de trabalho, que comparou com as transações bancárias de outro trabalhador da empresa. Foram encontradas movimentações similares, com depósitos nas mesmas datas, pela mesma fonte e mesma agência bancária, o que reforçou a versão apresentada pelo autor da ação trabalhista. “Deveras, se ambos eram funcionários que trabalhavam, até onde se tem notícia e se comprova, exclusivamente para a ré em horário comercial durante todos os dias úteis da semana, é bastante verossímil a alegação autoral, pois sua única fonte de renda seria o trabalho prestado para a empresa reclamada”.
Destacando a própria periodicidade mensal desses depósitos tal qual o dos salários, feitos por transferências on line e identificadas pela empresa, o magistrado concluiu que o trabalhador conseguiu provar o pagamento regular das comissões, reconhecendo a natureza salarial desses valores.
Como consequência, condenou a empresa a retificar a Carteira de Trabalho do ex-gerente para constar, além do salário fixo, a comissão de 5% sobre as vendas, bem como a pagar as diferenças dos valores pagos "por fora" em 13º salários, férias acrescidas de um terço, aviso prévio, FGTS e multa de 40%.
Julgou improcedente, contudo, o pedido de repercussão desse valor sobre saldo de salário e sobre as parcelas do seguro desemprego (entre outros motivos, porque a remuneração contabilizada já atingiria o teto da parcela paga para tal benefício).
Por fim, determinou o envio de ofícios para a Receita Federal, MPE-MT, MPF-MT e PGF-MT para as medidas cabíveis tendo em vista a prática de ilícitos e sonegação fiscal e de contribuição previdenciária.