Três anos depois de um guindaste tombar com uma peça metálica e matar dois operários durante as obras de construção da Arena Corinthians para a Copa do Mundo no Brasil, a Justiça de São Paulo vai começar a interrogar nesta quarta-feira (30), pela primeira vez, os seis acusados pelo acidente que repercutiu na imprensa internacional.
O motorista e operador de caminhão-guindaste Fábio Luiz Pereira, de 41 anos, e o montador de cadeiras Ronaldo Oliveira dos Santos, de 43, morreram atingidos pela torre do guindaste que içava o objeto de 420 toneladas no dia 27 de novembro de 2013 em Itaquera, na Zona Leste.
Os seis acusados começarão a ser ouvidos a partir das 13h na Vara Criminal do Foro Regional de Itaquera, Zona Leste da capital paulista, segundo o Ministério Público Estadual (MPE).
Os engenheiros civis Frederico Marcos de Almeida Horta Barbosa e Márcio Prado Wermelinger, o encarregado geral Valentim Valeretto e o técnico especializado Gilson Guardia, todos da Odebrecht; e o operador de guindaste José Walter Joaquim e o supervisor de equipamentos Leanderson Breder Dias, ambos da Locar, respondem em liberdade pelo crime "culposo (sem intenção) de desabamento com mortes".
Em 29 de março de 2014, ocorreria outra morte no futuro estádio: um operário caiu de uma altura de 9 metros. Este caso, no entanto, foi arquivado pela Justiça sem apontar culpados. Ela considerou que a vítima deixou de usar equipamentos de segurança por conta própria (leia mais abaixo).
A Arena Corinthians recebeu o jogo inaugural do torneio mundial de futebol masculino entre Brasil e Croácia, em 12 de junho daquele ano, ofuscando então as mortes dos que ajudaram a erguer o estádio.
De acordo com o Ministério Público Estadual (MPE), no caso dos dois mortos em 2013, a principal causa do acidente foi o afundamento do solo onde o guindaste estava posicionado para içar módulos que seriam instalados na cobertura da Arena. Laudo do Instituto de Criminalística (IC) ainda concluiu que o veículo não teve problemas mecânicos e tampouco hove erro de Fábio, que operava o aparelho.
Segundo a denúncia, quatro funcionários da Odebrecht, empresa responsável por construir a estádio, e dois da Locar, que operava o guindaste, são responsáveis pelo plano rigging (acompanhamento da movimentação da carga transportada pelo guindaste, por meio de orientação), que gerou a má compactação do terreno, que causou sua instabilidade, fazendo com o que o guindaste se inclinasse e tombasse com a peça.
Vítimas
Fábio, que estava na cabine do caminhão, e Ronaldo, que tinha ido usar um banheiro químico, foram atingidos e morreram. O tombamento ainda danificou parte da estrutura do futuro estádio.
Fábio era operador de munck (espécie de caminhão com guindaste) da transportadora BHM, terceirizada contratada pela Odebrecht. Já Ronaldo instalava assentos pela Conecta.De acordo com a denúncia feita pelo promotor de Justiça Joacil da Silva Cambuim, “os funcionários da empresa Odebrecht agiram com culpa, na modalidade imperícia, ao deixar de tomar todas as cautelas para que a área por onde se movimentaria o guindaste fosse corretamente compactada. A operação era reconhecidamente de alto risco e, por isso mesmo, os cuidados deveriam ser redobrados.”
Ainda segundo a Promotoria, “o operador do guindaste e o seu supervisor, funcionários da empresa Locar, do mesmo modo, também concorreram para o desabamento e consequente morte das duas vítimas, uma vez que acompanhavam e aprovavam o 'plano de rigging' juntamente com os engenheiros e técnicos da construtora Odebrecht. Tinham autonomia e condições técnicas para, uma vez identificado qualquer problema no solo, exigir da empresa Odebrecht a correção da irregularidade. Ou, no limite, paralisar a operação."
A Odebrecht chegou a apresentar estudo de 500 páginas informando que a queda do guindaste não foi provocada por instabilidade no solo. O laudo que a construtora do estádio encomendou a uma empresa especializada atestava que o aterro compactado de quatro metros de profundidade não se deformou, nem amoleceu com as chuvas e poderia suportar o peso do guindaste.
Morte de 2014
Em 29 de março de 2014. o ajudante-geral Fábio Hamilton da Cruz, 23, morreu ao despencar das arquibancadas provisórias da Arena Corinthians quando fazia a montagem delas. Em 24 de novembro daquele mesmo ano, a Justiça arquivou o inquérito policial que apurava as circunstâncias e responsabilidades pela morte.
O operário prestava serviço para a WDS Engenharia, contratada pela empresa Fast Engenharia.
O G1 apurou que o MP pediu o arquivamento do caso à Justiça por entender que a queda e morte do ajudante ocorreram por uso exclusivo da própria vítima, que não fez utilizou o cinto de segurança e os equipamentos disponibilizados pela Fast.
Procurada para comentar o caso das duas mortes de 2013, que envolve dois funcionários da Locar Guindastes e Transportes Intermodais, a empresa informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que com "relação ao posicionamento do Ministério Público do Estado de São Paulo, lembramos que os laudos técnicos do Instituto de Criminalística e do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) são conclusivos quanto às causas do acidente: o afundamento do solo."
"Assim, a responsabilidade não foi relativa à operação do equipamento, isentando, assim, os colaboradores da Locar", concluiu a nota da Locar.
A defesa dos quatro réus da Odebrecht é feita pelo escritório de advogados David Rechulski, que, por meio de nota, informou que "está devidamente demonstrado nos autos da Ação Penal, por inúmeros laudos especializados, elaborados pelos mais renomados experts do país, depoimentos e documentos juntados, que os funcionários da Construtora Norberto Odebrecht não tiveram qualquer responsabilidade pessoal na causação do acidente."
Ainda segundo a empresa, as "famílias das vítimas foram devidamente indenizadas logo após o acidente pela Construtora Norberto Odebrecht".
Saiba quem são os acusados
• José Walter Joaquim – operador do guindaste da Locar
• Leanderson Breder Dias – supervisor de equipamentos da Locar
• Frederico Marcos de Almeida Horta Barbosa – engenheiro civil da Odebrecht
• Márcio Prado Wermelinger – engenheiro civil da Odebrecht
• Valentim Valeretto – encarregado geral da Odebrecht
• Gilson Guardia – técnico especializado da Odebrecht
Fonte: G1