Fosfoetanolamina foi desenvolvida por pesquisadores da USP de São Carlos (Foto: Reprodução/EPTV)
A Polícia Civil de Brasília confirmou nesta quinta-feira (10) que a Justiça bloqueou as contas dos três acusados presos de fazer parte de uma quadrilha que produzia e vendia cápsulas que supostamente seriam de fosfoetanolamina, substância usada no tratamento alternativo do câncer. As contas bancárias da falsa ONG Direitos Humanos e Cidadania também foram bloqueadas. O objetivo é cruzar as informações para investigar a relação entre o grupo e a ONG. O G1 não conseguiu contato com a defesa dos envolvidos.
Distribuída pela Universidade de São Paulo (USP) de São Carlos por causa de decisões judiciais, a fosfoetanolamina é alardeada como cura para diversos tipos de câncer, mas não passou por esses testes em humanos, por isso não é considerada um remédio. Ela não tem registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e seus efeitos nos pacientes são desconhecidos.
Os dois homens presos em Conchal (SP) em um laboratório irregular de produção da suposta fosfoetanolamina foram transferidos para Brasília nesta quinta-feira. Pai e filho foram detidos pela Polícia Civil na terça-feira (8). Ambos se juntarão ao chefe de quadrilha que foi pego no DF no mesmo dia. Eles devem responder por associação criminosa e venda ilegal de medicamentos.
A família comercializava o falso composto para pacientes com câncer. Um laudo obtido pela EPTV, afiliada da TV Globo em São Carlos (SP), mostrou que a substância vendida pelo grupo é falsa.
Golpe
Segundo o delegado João de Ataliba, diretor adjunto da divisão do Consumidor da Polícia Civil de Brasília, muitas famílias caíram no golpe da quadrilha, que usava endereços de quatro instituições, todas falsas. A equipe da EPTV no DF foi a uma casa onde supostamente funcionava a ONG DHC, em Taguatinga. No local, porém, funciona uma loja de produtos odontológicos e também de materiais de limpeza e produtos para festa em geral.
Os comerciantes, que moram em cima da casa, afirmaram desconhecer a ONG e qualquer informação sobre cápsulas de combate ao câncer. O comerciante Valmir Evangelista dos Santos, que tem uma oficina mecânica ao lado da casa há 20 anos, afirmou também desconhecer as informações. "Nunca funcionou ONG, sempre foi residência. Todo mundo aqui se conhece", disse.
Análise
Uma análise encomendada pela EPTV para comparar mostras do composto produzido no campus da USP de São Carlos e o fabricado em Conchal aponta que a droga vendida é falsa. “Não são a mesma coisa", disse o pesquisador Gilberto Chierice, coordenador das pesquisas com o composto, que avaliou o resultado do estudo.Chierice também contou que, de acordo com os dados da análise, que apontam grande quantidade de amido, as cápsulas vendidas pelo grupo desmontado pela Polícia Civil não funcionam. “Você não pode dar para uma pessoa amido, derivado da farinha, e ter o mesmo efeito do que uma molécula como essa, que é bioativa”.
Comparações
O estudo foi encomendado ao Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), em São Paulo, após a EPTV comprar cápsulas vendidas pelo grupo. Um funcionário da emissora soube da venda por meio de um site em que pacientes tentam conseguir a substância e, após cinco dias de negociação, fechou a compra de 60 unidades por R$ 180.
As cápsulas foram entregues ao IPT juntamente com unidades produzidas pela USP e o laudo apontou que as unidades da universidade têm dez vezes mais fosfoetanolamina do que o produto vendido pela internet.
“É completamente diferente. São materiais diferentes. Apesar de ser mascarado para parecer, nem perto não passa”, disse Chierice, que elogiou a análise e explicou as dificuldades de produção do composto verdadeiro.
Flagrante
O laboratório irregular funcionava em Conchal e, de acordo com o delegado, não tinha higiene nenhuma. Um vídeo gravado pela polícia motra o momento do flagrante.
No local, foram encontrados R$ 56 mil, além de estufas, máquinas encapsuladoras, fornos industriais e várias substâncias químicas para fazer a droga. “No fundo do laboratório havia tonéis acumulando água com criadouro de dengue”, disse o delegado.
Segundo Ataliba, o esquema era chefiado a partir de uma chácara em Brasília e o produto era vendido para todo o país e até para o exterior. Cada frasco com os comprimidos era vendido por até R$ 180 e o grupo tinha uma meta de faturamento de R$ 360 mil mensais.
O chefe da quadrilha no Distrito Federal era Jonas Lutzer, de 50 anos, irmão de Sérgio Lutzer, técnico em química que produzia as cápsulas e que foi preso em Conchal no laboratório clandestino. O filho do técnico, Sérgio Alexandre Lutzer, que também foi preso, e a nora, Ana Hileia Lutzer, seriam os responsáveis pelo armazenamento. Uma outra irmã de Jonas, Maria Madalena, era quem enviava os pedidos. As duas mulheres foram liberadas.
Embate na Justiça
No mês passado, o Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo determinou a suspensão do fornecimento da fosfoetanolamina sintética, distribuída pela USP para pacientes com câncer mediante liminares.
A decisão, por maioria de votos, foi tomada após recurso interposto pelo Estado de São Paulo, que argumentou que a substância tem efeitos desconhecidos nos seres humanos, não é considerada um medicamento, não possui o registro necessário perante a autoridade sanitária competente (a Anvisa) e que sua distribuição poderia acarretar graves consequências para os pacientes.
Com isso, pessoas que estavam recebendo as cápsulas deixaram de consumir o composto, desenvolvido há mais de 20 anos pelo pesquisador Gilberto Orivaldo Chierice, professor aposentado do Instituto de Química.
Discussões
A fosfoetanolamina sintética já foi tema de audiências públicas no Senado e na Câmara. O governador Geraldo Alckmin pediu ao ministro da Saúde, Marcelo Castro, a liberação do composto para o uso compassivo, previsto para quando os tratamentos disponíveis no mercado se apresentam insuficientes para o paciente, e anunciou que pretende dar início a testes clínicos em hospitais da rede pública estadual para avaliar a eficácia da substância.
Fonte: G1