Um estudo realizado pela 2ª Vara Cível – Especializada em Direito Agrário – apontou que, em 2017, Mato Grosso registrou 369 processos em trâmite, envolvendo 291 conflitos coletivos possessórios rurais e 45 novos conflitos, o que equivale a 1,9 milhão de hectares em disputa. A informação foi divulgada pela juíza Adriana Sant'Anna Coninghan, na última quarta-feira (18 de abril), aos integrantes das instituições, associações, movimentos sociais e demais interessados no tema. Os dados, levantados no início deste ano em uma iniciativa inédita, também foram recentemente apresentados na 19ª Conferência Anual do Banco sobre Terra e Pobreza, nos Estados Unidos.
Conforme a magistrada, anteriormente havia o acompanhamento do número de sentenças, audiências realizadas e despachos na unidade judiciária. Contudo, não existiam estatísticas sobre os conflitos. “Com a orientação do professor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Bastiaan Philip Reydon, separamos essas informações e verificamos a importância de tê-las em mãos. A partir de agora, queremos aumentar o universo de dados monitorados inclusive para direcionar nossas ações. E hoje estamos aqui para apresentar esse mapeamento, compartilhar conhecimento e fomentar o debate”, contou.
Adriana Coninghan ressaltou que, no passado, as ocupações aconteciam em latifúndios improdutivos, mas que hoje essa não é mais uma característica preponderante, pois elas estão muito assimétricas. “Também não temos mais a bandeira dos movimentos sociais em todas as apropriações. Muitas vezes são grupos organizados totalmente desvinculados desses movimentos mais conhecidos. Acredito até que os movimentos sociais sejam responsáveis por cerca de 30% das ocupações”, pontuou. Segundo a juíza, não há uma conclusão sobre o estudo, trata-se de um ponto de partida para definição de estratégias e prioridades no tratamento das ações judiciais.
Ao apresentar o mapa da distribuição dos conflitos no Estado, a juíza argumentou que a área em disputa é considerável, que a maior concentração está na comarca de Cuiabá, seguida pelo polo de Juína. “Estivemos semana passada na região de Juína, onde temos 52 conflitos coletivos nas 10 cidades do polo, equivalentes a uma área de 795 mil hectares”, relatou. Segundo dados fornecidos pelas partes autoras das ações judiciais, 80% das terras em litígio são privadas e apenas 20% públicas. Ainda com base nas informações dos autores, a principal atividade desenvolvida nos imóveis no momento da ocupação é a pecuária, seguida pela agricultura.
“O número de pessoas envolvidas oscila bastante, mas em dezembro do ano passado estava por volta de 26 mil, o que é bastante expressivo”, enfatizou Adriana Coninghan, informando que são contabilizadas duas pessoas por família. De acordo com a juíza, outro resultado que chamou a atenção foi referente ao tamanho das propriedades envolvidas nos confrontos possessórios coletivos rurais. “Apenas 53% estão em área com mais de 1,5 mil hectares, que é considerada latifúndio em Mato Grosso. Os outros 47% estão em terras de médio e pequeno porte ou mesmo minifúndios, estes últimos próximos aos centros urbanos. Propriedades desse porte em tese não estão sujeitas à desapropriação, no entanto, hoje, também são objeto de ocupação. O conflito se iniciou com grande propriedades improdutivas e hoje vemos que não é mais assim”, revelou.
Para o presidente da Comissão de Assuntos Fundiários da Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional de Mato Grosso (OAB-MT), Fábio Mello, o trabalho desenvolvido pela magistrada à frente da vara é louvável. “A doutora Adriana faz justiça independente de quem sejam as partes. Fazer audiência com ela é diferente, pois ela abre o Google Earth e, se necessário, desmascara a testemunha na hora, deixando-a vermelha. Isso porque ela está preocupada em resolver os conflitos previamente estabelecidos. Em nome da OAB, parabenizo a senhora por esse empenho”, disse. O deputado estadual Valdir Barranco, presidente da Câmara Setorial Temática de Conciliação em Conflitos Fundiários da Assembleia Legislativa, agradeceu o convite para participar da reunião e registrou o contentamento pelo trabalho desenvolvido pela juíza.
Ações do Judiciário
Adriana Coninghan explicou ainda que a vara especializada responsável por resolver os conflitos coletivos pela posse da terra rural em todo o Estado foi criada pelo Poder Judiciário em 2008. Três anos depois, foi instituída a Comissão de Assuntos Fundiários Estadual e, em 2014, a comissões municipais. Conforme a juíza titular da unidade, ela deve ser acionada quando a discussão envolver: 1) movimentos sociais ou grupos reivindicando a posse; 2) ocupação para fins de distribuição de terras, de forma pacífica ou violenta; 3) interesse social ou tensão social; 4) defesa dos direitos humanos da população rural e suas famílias.