O juiz Hiram Armênio Xavier Pereira, da 2ª Vara Federal Cível de Mato Grosso, suspendeu o processo disciplinar aberto pela Universidade Federal (UFMT) contra uma estudante de Direito que se autodeclarou negra.
A decisão liminar é desta segunda-feira (17).
O procedimento poderia culminar na perda de vaga e de todo o percurso acadêmico cumprido, uma vez que a impetrante já teria finalizado os 5 anos de graduação.
De acordo com o processo, a UFMT instituiu uma comissão de heteroidentificação para complementar a autodeclaração de candidatos negros, pardos e indígenas. No entanto, as matrículas analisadas foram as de estudantes já devidamente matriculados e que assinaram contrato prevendo apenas a necessidade de autodeclaração para ingresso como cotista.
No caso dos autos, a estudante não se submeteu à comissão de heteroidentificação, cuja análise foi feita exclusivamente com base em registros fotográficos, extraídos de redes sociais. Assim, porque não compareceu, foi aberto contra ela um processo disciplinar para averiguação de suposta fraude.
Na decisão, ao acolher os argumentos da defesa da estudante, o juiz explicou que "ainda que a administração possa — e deva — investigar fraudes, é certo que tal investigação encontra limites em outros postulados que regem a atividade administrativa”.
“Com efeito, admitir que, após 5 anos do início do curso, a Administração invalide o seu ingresso seria contrário à eficiência e economicidade na aplicação dos recursos públicos, na medida em que todo o recurso empregado na formação do profissional médico pela Universidade Pública seria inutilizado, em frustração à sua própria expectativa”, completou.
O magistrado ainda destacou que, à época do processo seletivo em que a acadêmica se submeteu, não havia previsão da etapa de heteroidentificação, mas apenas a autodeclaração.
"Desta maneira, se o edital é a lei do concurso e vincula as partes — candidato e administração pública —, submeter os candidatos a uma comissão viola o princípio da vinculação ao edital, vários anos após concluído o processo de ingresso”, entendeu.
Ato ilegal
Os advogados Filipe Maia Broeto e Fernando Cesar de Oliveira Faria, que atuaram no processo, explicaram que, muito embora seja discutível se há ou não a necessidade de controlar possíveis fraudes por meio de comissões, o único critério exigido da impetrante foi o da autodeclaração, sendo, portanto, ilegal fazer retroagir normas não existentes ao tempo do processo seletivo do Sisu.
“Seu fenótipo foi ‘analisado’ simples e inaceitavelmente por ‘fotos’ de redes sociais que foram juntadas mediante um documento apócrifo — o mesmíssimo que foi utilizado para denegrir os alunos do curso de Medicina, procedimento que já veio a ser ‘cassado’ pela Justiça Federal de Mato Grosso [MS 1000232-59.2021.4.01.3600]”, disseram.
Isso, prosseguem, faz com que a conclusão da comissão seja nula por ausência de motivação, “além de representar açoite à dignidade humana, que se mostra inaceitável na atual quadra dos direitos fundamentais”.