O indígena Timoteo Wai Wai junto ao ex-secretário de Meio Ambiente do Pará e atual deputado federal Nilson Pinto (PSDB), em Brasília (Foto: Nilson Pinto/Arquivo Pessoal)
A Justiça Federal reduziu de R$ 2,98 milhões para no máximo R$ 1.125 a multa imposta pelo Ibama a um indígena por vender artesanato feito de penas em Brasília. Timoteo Tayatasi Wai Wai foi autuado duas vezes: em R$ 16,5 mil, em 2007, por expor itens debaixo do antigo prédio da Funai, e em R$ 70,5 mil, em 2009, por transportar 132 artigos do tipo. Os prazos para quitar as dívidas venceram e, como elas não foram quitadas, houve acréscimo de outros encargos.
Os artigos – brincos, colares, cocares e tiaras – eram feitos de penas de arara e de papagaio. Segundo o Ibama, Wai Wai não tem autorização para comercializar as peças e por isso infringiu a Lei de Crimes Ambientais. O órgão pediu à Justiça o bloqueio das contas bancárias do indígena, “a fim de evitar possível desfazimento de bens ou valores em depósito de instituições financeiras após a citação”. Ele é de uma aldeia do município de Oriximiná (PA).
A solicitação foi acatada em novembro de 2014. Três semanas depois, um oficial de Justiça intimou o indígena e alegou que só não cumpriu a determinação porque o único bem que ele tem é uma casa, onde mora com a mãe, avaliada em R$ 15 mil. Ele relatou só ter encontrado uma televisão, uma geladeira pequena, um fogão, uma mesa com cadeiras de madeira, duas camas e um aparelho de som. Não havia carro, moto ou bicicleta.
A Defensoria Pública da União (DPU) entrou com ação pedindo anulação da multa e o Ministério Público Federal foi chamada a dar parecer, como fiscal da lei. Para o juiz Érico Freitas Pinheiro, a multa era desproporcional. "A a cobrança do valor exorbitante da multa fixada pelo Ibama, caso prossiga, poderá implicar em prejuízo substancial ao patrimônio do autor e a sua subsistência”, diz na sentença.
O procurador da República Camões Boaventura disse chamar atenção a "violenta desproporcionalidade da multa aplicada". "A título de comparação, a empresa Norte Energia S.A, concessionária da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, foi multada pelo Ibama no valor de R$ 8 milhões por ter provocado a morte de 16 toneladas de peixe. A Norte Energia, pessoa jurídica responsável pela mais cara obra pública em andamento no Brasil, orçada atualmente em R$ 32 bilhões, foi atuada pelo Ibama em apenas R$ 8 milhões, por crime ambiental inegavelmente mais grave – e de mais severa repercussão socioeconômica – que a conduta praticada pelo indígena."
A Funai disse à Justiça que o índio multado pelo Ibama não trabalha com produção em larga escala, nem mesmo com recursos ou tecnologias que causem impacto ambiental sobre a população local de papagaios. “Ademais, a fabricação de adornos não impacta o meio ambiente nem afeta o modo de vida tradicional da etnia Wai Wai. Ao contrário, fortalece as estratégias de sustentabilidade cultural, ambiental e econômica desse povo”, declarou.
Multa
O Ibama afirmava que cumpria as leis que incidem no caso, já que o indígena é reincidente nesse tipo de ação e comercializava o artesanato com penas de animais com risco de extinção. Para cada peça apreendida com pena de animal, o instituto prevê multa de R$ 500. Caso a peça seja feita com pena de aves que correm o risco de extinção, a multa passa de R$ 500 para R$ 5 mil por unidade, o que totaliza R$ 660 mil no caso da infração.
O coordenador geral de fiscalização, Jair Schmitt, disse ao G1 em fevereiro que o valor chegou a R$ 3 milhões porque o indígena é reincidente e nenhuma vez apresentou defesa com relação às multas.
"Ele ainda teve redução de 25% no valor da multa pela escolaridade. Para além disso, houve a correção monetária já que o caso é de 2009", afirma.
Ele declarou que defende a cultura indígena, mas é contra o comércio de animais praticado por qualquer cidadão. "Normalmente, os animais são mortos para que seja feito o artesanato. Uma coisa é a etnia fazer artesanato dentro da terra indígena para uso e como forma de manifestação cultural. Outra é matar animais para vendê-los comercialmente, como seria no caso da Festa do Boi, no Amazonas.
Schmitt diz que a multa não é flexível ou variável e acrescenta que algumas etnias estão modificando a cultura com base no comércio ilegal. "Há tribos que não trabalhavam com plumaria e hoje já o fazem. Para se ter uma ideia, cerca de 6 mil penas de araras são usadas para Festa do Boi e o papel do Ibama é fiscalizar e autuar as irregularidades cometidas por qualquer cidadão seja ele indígena ou não", conclui.
Defesa
O deputado federal Nilson Pinto (PSDB-PA) enviou ofícios aos ministérios da Justiça e do Meio Ambiente no ano passado pedindo que sejam adotadas providências com relação ao caso. O G1 procurou os órgãos na época, mas não recebeu retorno do Ministério da Justiça. O Ministério do Meio Ambiente informou que analisa o documento.
“A situação é absurda, extremamente absurda. Pedi que do alto de suas autoridades consertem aquilo, que tomem providências. Isso foi no dia 11 [de junho] e estou até agora esperando resposta. Até agora não tive nenhuma resposta”, afirma o parlamentar. “É um indígena tentando viver do seu artesanato, é a coisa mais correta do mundo, respeito a sua cultura.”
De acordo com o deputado, Tayatasi afirma que em uma das apreensões portava itens que somavam menos de R$ 3 mil e que foi alvo de truculência. Ele fala português e está concluindo ensino médio em Oriximiná.
“Considero isso uma violência à cultura indígena, que aliás estava sendo festejada em Parintins naquela grande festa. Segundo, uma violência ao ser humano, independentemente de ser índio, porque violência não se faz com ninguém. […] O fiscal do Ibama acha que índios vão sobreviver? É uma insanidade, eu considero. Eles vivem do que produzem, e o artesanato é a mais óbvia que pode ajudá-los a sobreviver.”
Wai Wai
Também pertencente à tribo, o indígena Paulo afirma que a aldeia tem 1.082 habitantes. O grupo tem contato com o restante dos brasileiros há cerca de 50 anos. No local há água tratada, eletricidade e um orelhão. O acesso ocorre por barco e de avião – a viagem a partir de Oriximiná dura uma hora e meia.
“Nós, povos indígenas, nós vivemos como tradicionalmente na nossa localidade de Mapuera. Nós como povos indígenas vivemos da criatividade. Fazemos colar com pena, brincos. Aí esse artesanato virou uma renda para os povos indígenas desde o ano de 1995”, afirma.
Segundo ele, o Ibama e a Funai conversaram com representantes da tribo pouco antes de Timoteo ser multado falando sobre a proibição de usar subprodutos da fauna na confecção dos artigos. O indígena afirma que as entidades se comprometeram a dar assistência ao grupo.
“Nós vivemos só disso. Não temos além disso, outra renda a gente não tem. Teve uma orientação, e até a gente sabia que era um decreto, mas, o que acontece, todos os indígenas, mesmo depois de orientados a gente precisava sobreviver e a gente não recebia o apoio”, diz. “A gente tem interesse de vender, e os brancos têm interesse de comprar. Eles também sabem que é errado, ‘pirata’.”
O deputado federal Nilson Pinto (PSDB-PA) declarou considerar a postura do Ibama um equívoco. “É um monumento brutal à insanidade burocrática brasileira. É uma demonstração muito clara de que o estado brasileiro não está preparado para lidar com esses brasileiros, que são brasileiros muito antes da gente.”
Fonte: G1