Cidades

Jovens ‘bem nascidos’ consomem cada vez mais drogas sintéticas

Elas geralmente são fáceis de transportar e não apresentam cheiro ou sintomas de fácil identificação nos usuários.  Porém em Mato Grosso o seu consumo e venda têm aumentado nos últimos tempos, principalmente entre os jovens e público da classe A. As drogas sintéticas têm entrado na rota do tráfico no estado, antes  dominado pela maconha, a cocaína e seus derivados.

De aparência inofensiva e até divertida, essas novas substâncias também têm levado cada vez mais jovens e adolescentes ao caminho do vício. Poucos sabem, mas as inocentes “balas” e “doces”, como são conhecidas entre os jovens, têm poder viciante tão grande quanto o de drogas tradicionais, e também possuem muitas substâncias em comum com os estigmatizados crack e pasta-base.

Entre as drogas identificadas como sintéticas estão o ecstasy e o LSD (Lysergsäurediethylamid, palavra alemã para a dietilamida do ácido lisérgico). Porém a mais comum hoje seria uma nova droga feita pela recriação do ecstasy, o MDMA (metilenodioximetanfetamina) que pode ser consumida em gotas, tabletes ou na forma de cristal.

“Alegria, um êxtase, uma sensação de euforia, sabe? Inexplicável. É como se eu tivesse ganhado na mega sena”. É assim que se sente o estudante Eduardo* quando consome MDMA nas festas que frequenta. Ele explicou com exclusividade ao Circuito Mato Grosso que já conhecia a droga por meio de filmes e da própria mídia, mas por conta de amigos e pela própria curiosidade, experimentou o MDMA.

O estudante consome a droga há quase dois anos, mas se autojustifica dizendo que não sente necessidade de usar “sempre” o MDMA. “Quando surge a oportunidade”, ele explica. “A sensação de euforia, a alegria momentânea deixa a festa, os lugares muito melhores, muito mais agradáveis”, completa.

Apesar do longo período de uso, ele nunca usou o MDMA em outra ocasião que não fosse numa festa, assim como a estudante G.M.F., quem também a consome há dois anos. “Eu uso porque eu gosto da sensação e é muito gostoso usar em festa eletrônica e ficar fritando”, explica.

A droga presente nas baladas também já está na rotina da polícia. A Delegacia de Repressão a Entorpecentes da Polícia Federal em Mato Grosso já conta com 21 inquéritos policiais relacionados a apreensões de MDMA, totalizando 1.458 comprimidos. O destino dessas drogas seriam as cidades mais ricas do interior do estado e as baladas da capital.

Em abril deste ano, a Delegacia Especializada de Entorpecentes (DRE), da Polícia Judiciária Civil de Mato Grosso, realizou a maior apreensão desta droga sintética. Mais de 1.000 comprimidos do “novo ecstasy” ou MDMA foram apreendidos em Cuiabá. A droga estava avaliada em aproximadamente R$ 100 mil.

Segundo a Polícia Federal, o ecstasy e o LSD são drogas sintéticas produzidas fora do Brasil cujo uso, mesmo eventual, causa danos ao cérebro como qualquer entorpecente.

O MDMA consumida em Mato Grosso também vem de outros países e por ter um dos princípios ativo do ecstasy tradicional possui efeitos parecidos: euforia, sensação de bem-estar, alterações sensoriais, aumento na sensibilidade e no interesse sexual.

Solúvel em água ou álcool, a substância sintética é diferente da metanfetamina e seus efeitos são mais moderados e parecidos com o do LSD (também conhecido como doce), mas sem tantas alucinações. Eles podem durar, em média, 8 horas.

Embora jovens realmente considerem a droga inofensiva, muitos deles já sofrem com o vício neste tipo de substância.  W.A.F. é dependente químico e está prestes a completar sete meses sem ter contato algum com as drogas. Ele começou com o álcool aos nove anos, passando mais tarde pela maconha, cocaína e pasta-base, durante a década de 80. Entre as drogas sintéticas ele afirma que não “se identificou” com o ecstasy. “Eu gostava de tomar LSD, pois era alucinógeno”, conta.

“O êxtase e LSD voltaram com força total, com o apelido de doce”, conta Gonçalo Agnolon, consultor e conselheiro em dependência química. Segundo ele, o “doce” (como é chamado o LSD) é uma droga que tem um efeito de flashback e por isso pode dar crise de abstinência entre os seus usuários. “E, sim, pode causar dependência e levar a pessoa a ter alucinações, pois a tira da realidade”, completa.

É importante ressaltar que a droga age de forma diferente em cada pessoa; vários fatores podem determinar que uma pessoa se vicie. “Às vezes, a pessoa tem uma predisposição e quando consome a coisa vem à tona”, explica Gonçalo.

 

 

Internet tornou-se a porta das drogas em MT

Entre os jovens mato-grossenses, a tecnologia é o principal mecanismo para adquirir qualquer tipo de droga. Basta uma simples pesquisa no Google para ter acesso a um cardápio completo com uma enorme variedade de entorpecentes.

O sistema é descarado, os vendedores chegam a deixar na página o seu contato de telefone e e-mail. Além disso, há informações detalhadas sobre a quantidade, imagens do produto e uma tabela de preços. O interessado pela compra já entra em contato sabendo quanto vai pagar pela droga.

A reportagem do jornal entrou em contato com um vendedor que tem um blog para esse comércio na internet. O nosso objetivo foi simular uma possível compra de drogas e saber como funciona esse mercado. Adicionamos o número de contato disponível na internet, o telefone tem DDD 47, da cidade de Florianópolis, em Santa Catarina.

O vendedor é curto e grosso. Em uma mensagem cordial, pede ao internauta: “POR FAVOR, ENTRE EM CONTATO APENAS SE INTERESSE DE FATO EM ADQUIRIR O PRODUTO, DISPENSO CURIOSOS; SE VOCÊ ESTÁ FIM DE COMPRAR, EU ESTOU A FIM DE VENDER OK!?”, diz a mensagem na página de vendas de drogas.

A negociação começa numa conversa do aplicativo de mensagens WhatsApp. Foram dois dias de troca de mensagens. Em nosso primeiro contato, recebemos a tabela de preços e outra mensagem com detalhes de como seria o envio da mercadoria.

A tabela tem 42 tipos de entorpecentes com variação de preços e quantidades, sendo os mais baratos os comprimidos verdes, denominados Charada Verde (a R$ 7) e Transformers (a R$ 8),  codinomes para o esctasy. O selo de LSD, ou “doce”, está entre as drogas mais caras ofertadas. O vendedor contatado ofereceu o Hoffman Double Face a R$ 310, Homer Simpson a R$ 300 e Bike Preto a R$ 330.

Para que esses entorpecentes cheguem ao comprador, é usado o serviço de correspondência oficial dos Correios.

Durante a conversa com o vendedor foi questionada a possibilidade de a “mercadoria” ser identificada pelo serviço dos Correios. Porém ele garantiu várias vezes que o envio era totalmente seguro e impossível de ser identificado.

A simulação e venda foram encerradas com o recebimento de um boleto bancário para o pagamento. Algumas informações estavam borradas, apenas o código era legível e a data de vencimento.

Correios rastreiam substâncias ilegais por Raios-X

Os Correios dispõem de um serviço de identificação que detecta postagem ilícita. O equipamento de raios-X  é usado para realizar triagem das correspondências que chegam à Central da Unidade.

Esse mecanismo tem ajudado no combate ao crime de vendas de entorpecentes via internet.  Quando um conteúdo suspeito é identificado, os Correios comunicam às autoridades policiais que entram em ação em flagrante do crime.

Em 2016, os Correios solicitaram a presença da Polícia Federal (PF) após identificar que uma mercadoria continha comprimidos da droga do tipo ecstasy. A ação ocorreu na cidade de Rondonópolis, a 218 km de Cuiabá.

Na época, três pessoas foram presas em flagrante. Diante da suspeita dos Correios, a PF articulou uma pequena operação e foi junto com o carteiro simular a entrega da mercadoria, prendendo o dono da correspondência. 

O jornal questionou os Correios para saber com mais detalhes do combate à venda das drogas sintéticas. A instituição se manifestou por nota, explicando que para verificar se os objetos postados estão dentro das normas a empresa conta, em suas unidades operacionais, com equipamentos como raios-x e espectrômetro de massa. A estatal dispõe de profissionais capacitados para fazer essa triagem.

 A fiscalização de objetos postais é realizada em diversos pontos do fluxo postal de maneira a garantir que objetos com conteúdo proibido e ilícito sejam detectados, e os órgãos competentes sejam acionados. Além disso, todas as encomendas são postadas com a Nota Fiscal ou Declaração de Conteúdo afixada na parte externa, facilitando a fiscalização pelas Receitas Federais e Estaduais.

Drogas sintéticas e seus efeitos

Essas são substâncias sintetizadas em laboratórios clandestinos utilizando substâncias químicas potencializadas. Algo diferente de substâncias que provêm de ingredientes naturais, como no caso da maconha que é uma planta. As drogas sintéticas fazem com que os usuários vejam, escutem e sintam coisas que não estão ali realmente, causando alucinações e alterações de percepção. No Brasil, entre as drogas sintéticas mais utilizadas atualmente estão:

LSD: conhecido popularmente como “doce”, o LSD é fixado em um papel fino que comumente é colocado sobre a língua ou embaixo dela para que haja a absorção pela corrente sanguínea.

Embora não tenha cheiro nem sabor, esse papel não é conhecido como ácido por acaso: ao entrar em contato com a língua, libera um gosto ácido e deixa a língua anestesiada por um período.

Maconha sintética, K2 ou Crazy Monkey: É produzida a partir de uma base formada por plantas aromáticas (capim moído, ervas finas etc.). Essa base recebe uma solução líquida de moléculas sintéticas com atividade farmacológica similar à do tetraidrocanabinol (THC), o princípio ativo da maconha.

A droga provoca relaxamento, mudança de humor e alteração de percepção, e pode causar hipotermia e redução de sensibilidade no corpo. O uso abusivo pode levar a convulsões e lesões nos rins.

Ecstasy: a famosa “bala” entre adolescentes e jovens, o ecstasy geralmente é vendido em forma de comprimido, mas também tem a apresentação em pó. Seu uso deixa a pessoa mais sociável, eufórica, comunicativa, alegre e confiante, assim como o consumo de álcool.

Entre os efeitos colaterais do ecstasy estão paranoia, taquicardia, sudorese, desidratação, ranger de dentes, náuseas, psicose, insônia, perda de visão etc.

Metanfetaminas: amplamente utilizadas por caminhoneiros, as metanfetaminas deixam o usuário “ligado” e acordado por longos períodos. Como aceleram o SNC, aqueles que as utilizam ficam eufóricos sentem que não precisam dormir e perdem o apetite, sendo inclusive utilizados erroneamente por pessoas que querem emagrecer.

Em baladas, é também conhecido como “ice”. Entre os caminhoneiros, é chamado de “rebite”. Essas drogas podem ser utilizadas em forma de pó (aspirada ou injetada), em forma de comprimidos (via oral) ou em forma de cristais (fumado). Elas são comercializadas como medicamento, mas é necessária prescrição médica.

MDMA: pode ser comercializada na forma de gotas, cristais ou até mesmo pó — o que faz com que seja facilmente dissolvida em água e proporcione efeitos psicodélicos com muito mais rapidez. No organismo, o MDMA age no sistema nervoso central e causa aumento da liberação dos neurotransmissores serotonina, dopamina e norepinefrina — responsáveis pelo prazer, pela motivação e pelo foco.

O cristal alucinógeno que virou febre entre os jovens de classe média alta tem muitos nomes e alguns "encantos" – não à toa, a droga sintética passou a ser consumida nos anos 1980 e chegou aos anos 2000 e 2010 como febre.  Os efeitos do MDMA começam a surgir de 20 a 60 minutos após a ingestão e costumam durar de 4 a 8 horas.

Drogas sintéticas já são comuns em operações e prisões em MT

Na maior apreensão de Mato Grosso de MDMA, feita em abril pela Delegacia Especializada de Entorpecentes (DRE), da Polícia Judiciária Civil de Mato Grosso, ocorreu a prisão em flagrante do suspeito M.F., 36 anos. Ele era o responsável pelo transporte de mais de 1.000 comprimidos de ecstasy.  Questionado, o suspeito informou que buscou a droga na cidade de São Paulo para distribuição em Cuiabá e região.

Já no ano de 2016 mais de 6,4 mil adesivos de LSD, avaliados em R$ 320 mil, foram apreendidos pela Polícia Judiciária Civil em Sinop (500 km ao Norte).  A ação do Grupo Armado de Resposta Rápida da Delegacia Regional de Sinop localizou a droga em poder do DJ Marcos Vinicius de Souza Santos, 27, e da sua esposa Ana Carline da Silva, 27.

Segundo a Polícia, o casal promovia festas em que as drogas sintéticas eram comercializadas. Essa foi a maior apreensão desse tipo de entorpecente em Sinop.

As investigações iniciaram após investigadores denúncias de que o suspeito havia recebido uma grande quantidade de adesivos de LSD e comprimidos de ecstasy. As drogas seriam comercializadas no evento de música eletrônica “Under”, que aconteceria no sábado 17 de dezembro. O suspeito seria uma das atrações da festa, ele iria também trabalhar como DJ na festa.

Em buscas na residência do casal, no bairro Recanto dos Pássaros, em Sinop, os investigadores do Garra localizaram 6402 adesivos de LSD, dentro de uma pasta entre vários papéis. Também foram apreendidos 38 comprimidos de ecstasy, escondidos em um livro com páginas cortadas e uma porção de maconha. De acordo com as investigações, cada adesivo seria comercializado pelo valor de R$ 50.

Em 2012 a Delegacia Especializada de Repressão a Entorpecentes realizou a prisão de Jailson Antônio da Costa, 34, e Neiriman Justino Cardoso, 37, em um hotel na região do Coxipó, em Cuiabá, também com comprimidos de ecstasy.

Neiriman morava na Espanha e já tinha passagem por tráfico de ecstasy. Os policiais encontram em poder dos traficantes cerca de 800 comprimidos de ecstasy e 4 mil euros, o equivalente a R$ 12 mil. Toda a droga está avaliada em R$ 40 mil. Um comprimido é vendido nas festas pelo valor de 50 a 100 reais, dependendo do nível dos frequentadores.

Em 2010 a Polícia Militar prendeu o estudante G.F.C., 23, por tráfico de droga sintética no bairro Baú, em Cuiabá. Na residência do jovem foram encontrados 67 comprimidos de ecstasy e uma cartela com 50 adesivos de LSD que segundo o traficante seriam comercializados em festas de músicas eletrônicas e em casas noturnas do estado.

O acusado G.F. é filho de um delegado da Polícia Civil que atuava na cidade de Tangará da Serra (242 km de Cuiabá). Os militares que fizeram a prisão do jovem ainda encontraram na casa a quantia de R$ 2.312 mil em dinheiro, três folhas de cheques de terceiros que totalizavam R$ 21 mil.

O traficante foi condenado a 2 anos e 11 meses de prisão que foi decretada pela juíza da 9ª Vara Especializada em Delitos de Tóxicos, Maria Cristina de Oliveira Simões. Inicialmente a acusação pretendia que o jovem pegasse a pena mínima de 5 anos e 10 meses, porém a juíza alegou que o filho do delegado tinha bons antecedentes e pelo fato de não participar de organizações criminosas não necessitava de um tempo de reclusão maior.

Redação

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Reportagens realizada pelos colaboradores, em conjunto, ou com assessorias de imprensa.

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