As dificuldades de enfrentar uma vida em que você oficialmente não existe foi experimentada pela jovem Esther da Silva, moradora de Santa Terezinha (1.900 quilômetros de Cuiabá). Sem registro que comprove seu nascimento, ela nunca pode fazer carteira de identidade, CPF, carteira de trabalho ou mesmo título de eleitor. Esther ganhou uma nova família quando tinha um ano e meio, mas a situação nunca foi regularizada, pois, sem nenhum documento, o medo de a criança ser “levada” era grande por parte dos pais.
Com isso, a jovem também ficou impedida de viajar além das cidades vizinhas de Vila Rica e Confresa e ainda de usufruir dos serviços do sistema básico de saúde. Quando ficava doente, apresentava a carteira de vacinação, único documento que ela tinha, e contava com a boa vontade do médico em ser atendida. Os estudos até o ensino médio ela conseguiu concluir graças à ajuda da empresa em que a mãe trabalhava, a qual mantinha e fornecia escola particular gratuitamente para os filhos dos funcionários.
Desde que nasceu, a família que acolheu Esther sempre foi dando um jeitinho de resolver a situação quando os obstáculos apareciam por não ter identificação. Entretanto, chegou o momento em que os sonhos da faculdade e do casamento começaram a afetar a vida da jovem, tendo em vista que a falta do documento era impedimento crucial para a realização. Foi então que resolveram procurar ajuda da Justiça para solucionar a questão.
No dia 6 de novembro, eles aproveitaram a ida do projeto Araguaia Cidadão na cidade de Santa Terezinha para fazer a documentação e também para regularizar a adoção, A audiência foi previamente marcada pelo Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejusc) da comarca de Vila Rica de forma que unisse todos os interessados, filha, pais adotivos e pais biológicos em um só local. Em um único dia, dentro de poucas horas, ela foi registrada em nome dos pais biológicos, destituída do poder familiar, adotada pelos pais que a acolheram e novamente registrada com os dados da família adotante.
“Eu sempre segui em frente com minha vida, mesmo não sendo registrada em nome de ninguém, mas sei que documentação é muito importante hoje em dia e que sem ela nós não somos nada. O Araguaia Cidadão foi uma porta aberta que eu encontrei para realizar um sonho de ter meus documentos e de ser adotada. Consequentemente vou poder cursar a faculdade, me casar, ter plano de saúde e até de viajar. Não imaginava que seria tão rápido. A felicidade está tão grande que eu nem consigo explicar”, contou Esther.
Ela afirmou ainda que quando as pessoas ficavam sabendo que ela não tinha documentação, não acreditavam. “As pessoas pensam que isso é impossível de acontecer, que só acontece nos filmes, mas olhe eu aqui como prova.”
A mãe de Esther, Darilene Dias Cruz Ferreira, explicou que neste período de 21 anos houve momentos de preocupação por não ter documentação, mas a complicação começou quando ela percebeu que o fato começou a afetar a vida emocional da filha. “Eu comecei a sentir que ela sempre andava triste e quando precisávamos tocar no assunto, ela começou a ter vergonha. Isso me preocupou muito porque me importo com os sentimentos dela. Com a adoção, eu já percebi a mudança no emocional dela e também no meu. A ansiedade que eu tinha acabou e isso é maravilhoso”.
Os problemas de Esther foram solucionados pelo juiz da Comarca de Vila Rica, Ivan Lúcio do Amarante, juntamente com o juiz coordenador do projeto Araguaia Cidadão, José Antonio Bezerra Filho. Ivan explica que o espírito do projeto é levar resolução de questões à população, facilitar o acesso à Justiça e também aos serviços que são de difícil oferta à população da região.
“As vezes a gente pensa que a Comarca de Vila Rica é distante da Capital, mas quando se participa de projeto como esses, percebemos que têm lugares, que mesmo um pouquinho mais perto, as dificuldades são maiores. A adotanda em questão passou a vida toda sem documento nenhum e eu pergunto, como é que uma pessoa pode ter cidadania plena sem nenhuma documentação? Até os sonhos dela estavam sendo adiados por conta desse empecilho. Hoje, nós realizamos o sonho de uma família inteira. O Araguaia Cidadão é isso, ele representa o Judiciário indo mais próximo dos cidadãos e levando serviços àqueles que vivem mais desafortunados”, pontuou o magistrado.
Com a adoção, a menina passou a se chamar Esther Kezia Cruz.