Na adolescência, o espelho era o melhor amigo da moradora de Salto de Pirapora (SP) Renata Rodrigues de Oliveira, 25 anos. Vaidosa, a jovem não saía pelas ruas da cidade sem antes conferir minuciosamente o próprio reflexo. Isso mudou, porém, há quatro anos quando, em 29 de agosto de 2011, um ataque de fúria do então namorado destruiu seu nariz. Em entrevista ao G1, Renata revela como superou a dor física e emocional após a agressão.
"Ele apertava meu pescoço dizendo que eu estava com outro homem e que arrancaria meus olhos. Comecei a gritar. Entraram no quarto e seguraram ele pelos braços. Foi quando ele se curvou e me mordeu, arrancando parte do meu nariz."
As lembranças do episódio vieram à tona novamente para a jovem devido a polêmica que o tema da redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), "a persistência da violência contra a mulher na sociedade brasileira", gerou nas redes sociais.
"Há quem pense que esse assunto não deveria ter sido abordado. Eu discordo. Sei de mulheres que sofrem com esse problema, mas não denunciam, não sabem se defender. Eu fui atrás dos meus direitos. Faria tudo de novo, mesmo se não tivesse ficado com marcas no corpo", afirma.
A luta de Renata contra o agressor começou logo após a mordida. Ela lembra que o homem se desequilibrou e caiu ao morder seu nariz.Então, ela aproveitou e correu até o banheiro. Desesperada com a quantidade de sangue em seu rosto, a jovem se olhou rapidamente no espelho do cômodo e, chocada com o reflexo, desmaiou. Ao recobrar a consciência, já estava internada na Santa Casa de Misericórdia de Salto do Pirapora (SP), de onde seguiu para o Conjunto Hospitalar de Sorocaba.
"Lembro de entrar no banheiro, trancar a porta e ouvir ele esmurrando as paredes, dizendo que ia me matar. Quando me olhei no espelho, desabei", diz.
Múltiplos enxertos
Renata conta o estado que o seu nariz ficou não apenas a assustou, mas também os médicos. Durante um ano, ela foi submetida a sessões periódicas de curativos no Hospital Regional, mas após ter sido mal atendida por um profissional da instituição, ela decidiu não voltar mais à unidade.
"Tive que voltar ao hospital meses depois por causa de um problema de saúde da minha mãe. Lá, um dos médicos que havia me conhecido disse que a chefia havia mudado e que agora o líder da equipe era o doutor Gal [Moreira Dini, cirurgião plástico]. Então resolvi tentar uma nova chance."
O cirurgião se interessou pelo caso da jovem e começou a prepará-la para o procedimento a fim de recuperar parte do nariz dela. Em um primeiro momento, Dini submeteu o paciente a um expansor nasal interno – introduzido pela orelha – para tentar esticar a pele do nariz e melhorar a cicatrização, mas o procedimento não deu certo. "A pele do nariz é muito fina e acabou não suportando o tubo. A Renata correu sério risco de perder o órgão. Foi um dos casos mais difíceis da minha carreira", conta Gal.
Recuperada da primeira tentativa, a jovem foi submetida a múltiplos enxertos de cartilagem, retirados principalmente da orelha para ajudar na cicatrização da pele do rosto durante todo o ano de 2013. Paralelamente aos procedimentos, foram feitas ainda cirurgias no osso do nariz, esfoliações e peelings profundos. Em 2014, após receber alta, Renata afirma ter tido "seu rosto de volta".
"Foi como se eu tivesse nascido de novo. Sempre fui muito vaidosa e era horrível sair na rua com todos me apontando", afirma. "Depois das cirurgias, fiz as pazes comigo mesma e com o espelho."
Convivendo com o medo
Durante toda a sua tentativa de recuperação, Renata lembra que o ex-namorado foi sentenciado em 2013 a seis anos e quatro meses de reclusão, além de ter de indenizar a vítima por conta da agressão.
No entanto, após ficar detido por 29 dias, ele foi solto e voltou a morar em Salto de Pirapora e não pagou nenhuma indenização. "Vejo ele passar de carro quase todos os dias em frente ao comércio que abri no bairro. No começo achei que ele iria tentar me matar. Aos poucos, com apoio psicológico, aprendi a conviver com o medo. Hoje consigo dormir sozinha", afirma a jovem.
Fonte: G1