Por Carolina Fernandes Moreira da Costa Silva
Especialista em Direito Administrativo
Estagiária no Ministério Público de Minas Gerais
Convido os leitores a se questionarem se conhecem o termo “jornada tripla da mulher”. Boa parcela da população já deve ter ouvido falar que as mulheres, em nossa sociedade, realizam “dupla jornada”, expressão que foi bastante utilizada por estudiosos sobre o tema e, é claro, por elas próprias, que sofrem com essa sobrecarga.
Ocorre que, atualmente, estudos revelam que, além do labor responsável pelo seu sustento, do cuidado com a casa e com os filhos, as mulheres também ficam encarregadas, na grande maioria, pelo cuidado com os idosos, dando origem no século XXI, a chamada “tripla jornada” feminina.
Não é novidade que o sexo feminino, desde que se inseriu no mercado de trabalho, concilia as atividades domésticas com a ocupação profissional. Então, pode surgir a dúvida: “mas isso ainda ocorre?”, seguida das afirmações: “eu sempre ajudo minha mulher”; “meu marido me ajuda muito”.
Nesse ponto é que muitos se encontram enganados. Pesquisas realizadas em 2016 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, revelaram que, naquele ano, as mulheres trabalharam 73% a mais que os homens no ambiente doméstico, acumulando a vida profissional com o trato da casa, cuidado com filhos, amparo aos idosos que compõem o seio familiar, e por assim vai.
As pesquisas não param por aí. No ano de 2017, as informações trazidas pelo IBGE, por meio da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), são de que as mulheres continuaram a trabalhar 20,9 horas por semana em afazeres domésticos e no cuidado de pessoas, consistindo em quase o dobro das 10,8 horas dedicadas pelos homens. O estudo ainda revelou que a realização das atividades domésticas pelos homens que vivem sozinhos é de 91,8%, enquanto a execução desses afazeres cai para 57,3% para os que coabitam com suas companheiras.
A par dessas informações, convido, novamente, o leitor a fazer a mesma reflexão proposta no início desta discussão: será que somos de fato conhecedores da dura realidade que o sexo feminino enfrenta no seu dia a dia? Esse cenário, apontado nas pesquisas, nos deixa concluir que muitas mulheres ainda podem encontrar bastante dificuldade em se inserir no mercado de trabalho, considerando a sua responsabilidade no trato doméstico. E, as que obtêm êxito em ingressar naquele ramo, continuam com as atribuições do lar, que não lhes foram isentadas, tampouco reduzidas. O que acaba, ainda, para contribuir para que as mulheres procurem jornadas de trabalho mais flexíveis, com carga horária reduzida, para que possam atender a todas as demandas que lhes são exigidas. Uma jornada de trabalho menor reflete diretamente em seu ganho salarial, minando, dessa forma, e na prática, anos de luta para que houvesse igualdade salarial com o sexo masculino.
O motivo pode ir além do fator cultural, intrinsecamente enraizado a nossa história, na qual as mulheres não tinham participação nos negócios, dedicando-se exclusivamente no trabalho doméstico e familiar. De forma que, podemos afirmar, ainda, com embasamento em estudos realizados pelo Instituto de Pesquisas, que a taxa de realização de afazeres domésticos pelo gênero masculino é maior conforme o seu elevado nível de escolaridade e, consequentemente, menor de acordo com a baixa formação escolar.
Seria assim uma questão de consciência ou criação? Inclino-me a concluir, também, que homens menos escolarizados podem achar que as tarefas domésticas são de responsabilidade da mulher. E, considerando a conjuntura do nosso País, onde é predominante a baixa escolarização, podemos facilmente inferir a confirmação dessa tendência.
Nesse contexto, o quanto o desempenho de uma mulher pode ser afetado no mercado de trabalho? Afinal, uma profissional que se vê cercada de preocupações e responsabilidades, cansada, provavelmente, logo ao iniciar seu dia, terá uma boa produtividade a ponto de concorrer igualitariamente com outros indivíduos em seu labor?
Não podemos deixar de lado, ainda, o imaginário que circula hoje em nossa sociedade de que existe a “supermulher”, aquela que dá conta de realizar tudo e ainda permanecer plena ao fim do dia. Esse pensamento pode fazer com que muitas mulheres pensem que não se esforçam o suficiente, o que acaba prejudicando sua autoestima sempre que sintam que não deram conta do recado.
Salta aos olhos a importância de termos leis, principalmente trabalhistas, que tratem dessa flagrante desigualdade de gênero, refletida na jornada cotidiana, para que seja adequada à realidade que ainda assola nosso corpo social, bem como para educar atuais e futuras gerações sobre como lidar com as diferenças entre os sexos – na tentativa de se igualar – em qualquer área da vida, seja profissional ou familiar.