De acordo com o Sheikh Juma Momade, enviado do Ministério de Assuntos Islâmicos do Kuait e membro do Centro de Divulgação do Islã para a América Latina, o jejum não prejudica o desempenho do jogador, uma vez que a prática pode até deixá-lo mais disposto.
"Para nós é importante que o muçulmano seja saudável para poder adorar o Senhor. O jejum proporciona saúde ao corpo e ao espírito e pode ajudar o jogador a fazer uma boa partida. Temos vários exemplos de atletas, em vários clubes europeus, que cumprem o jejum no Ramadã e continuam jogando bem", comentou Momade em entrevista ao UOL Esporte.
Contudo, há algumas exceções. Segundo Momade, o islamismo é flexível em certos pontos. "Crianças, pessoas doentes, mulheres grávidas, idosos e viajantes não são obrigados a jejuar", explicou o religioso. No caso dos jogadores que virão disputar a Copa do Mundo, existe a possibilidade de quebrar o jejum nos dias em que tiverem competição.
"A escolha é de cada um. Deus não quer criar dificuldades e nem impedimentos na prática humana, mas a religião também não pode ser levada na brincadeira. Não se pode deixar de jejuar no mês sagrado por qualquer motivo", ressaltou. "Mas se o jogador acredita que isso vai prejudicar o seu desempenho e o da equipe, então ele pode optar por não fazer o jejum. Contando, claro, que cumpra esses dias posteriormente, quando voltar para a casa", pontuou o religioso.
Esta também foi uma decisão do Al-Azhar, maior instituto teológico sobre a religião. Em 2010, a entidade se posicionou após uma polêmica envolvendo o clube alemão FSV Frankfurt, que proibiu os jogadores de seguir o mês sagrado sem pedir uma permissão à diretoria. De acordo com a entidade, caso o atleta tenha um contrato profissional como sua única fonte de renda e seu desempenho seja perturbado pela prática, o jejum pode ser interrompido.
Na comunidade médica, a questão do jejum ainda divide opiniões de especialistas ligados ao esporte. No ano passado, o Centro de Pesquisa e Avaliação Médica da Fifa reuniu uma equipe para debater sobre o assunto. O resultado do estudo, que saiu um pouco antes das Olimpíadas de Londres, foi publicado no Journal of Sports Science e aborda a questão da saúde e o desempenho do jogador durante o período do Ramadã.
"O objetivo do estudo não foi o de ajudá-los a decidir se devem ou não jejuar", explicou Yacin Zerguini, membro do comitê médico da Fifa em entrevista ao site da entidade. Segundo ele, a meta principal foi reunir o máximo de conhecimento possível acerca do tema e auxiliar os atletas a lidar com as situações que vão vivenciar.
Entre os principais desafios está adaptar a rotina de acordo com a dieta, que pode afetar o sono do atleta. "O jejum altera o relógio biológico dos jogadores. É importante saber reorganizar o sono e lidar psicologicamente com as mudanças na alimentação e na hidratação durante o mês", contou Zerguini.
Durante a pesquisa com os jogadores, o médico também observou que muitos jogadores que atuavam nas principais ligas europeias não tiveram problemas em jogar durante o Ramadã. Segundo ele, as melhores estratégias para enfrentar o jejum vão além da capacidade física e entra na esfera pessoal. "Esses jogadores jogam em um determinado nível e até o elevam quando atuam em jejum. A superação parte dos próprios atletas, e não do metabolismo do corpo", comentou.
Um exemplo de superação fora do futebol, ainda na esfera esportiva, é o do ex-jogador de basquete Hakeem Olajuwon. O nigeriano naturalizado americano atuava no Houston Rockets e foi um astro da NBA na década de 1990. Diante das dúvidas de que seria capaz de jogar em alto nível durante o Ramadã, o pivô deu a resposta nas quadras. Durante as competições, mesmo estando 12 horas sem comer e beber qualquer coisa, o desempenho de Olajuwon se manteve no mesmo patamar. Em fevereiro de 1995, em pleno período sagrado, o gigante foi nomeado o jogador do mês pela NBA.
Com a internacionalização do futebol é possível ver, cada vez mais, uma quebra de paradigmas comportamentais. Além das concessões do islamismo, também é possível ver mudanças dentro do próprio cenário futebolístico. A mais expressiva, porém, foi a mudança do prêmio do "Homem do Jogo", do Campeonato Inglês.
Era costume presentear o melhor jogador com uma garrafa de champanhe. Mas alguns incidentes embaraçosos envolvendo atletas muçulmanos fizeram com que a Liga criasse uma opção não alcoólica para esses jogadores. O caso famoso foi o de Yaya Touré, destaque do Manchester City, que recusou o prêmio no ano passado. "Eu sou muçulmano. Não bebo, então pode ficar com ela", disse o craque ao devolver a garrafa.
O BANHO DE CERVEJA DE RIBÉRY
Depois de conquistar o titulo do Campeonato Alemão, em maio deste ano, a comemoração passou dos limites e clima ficou tenso entre os jogadores do Bayern de Munique. Isso porque Boateng resolveu dar um banho de cerveja em Ribéry, que é muçulmano e não consome bebida alcoólica.
Apesar de ser uma tradição no futebol alemão, o jogador francês pediu aos companheiros de time que não jogassem cerveja nele durante a festa do título. Mas um dos colegas não levou o pedido a sério. Resultado: Ribéry ficou irritado e disse que nunca mais falaria com lateral do Bayern. "Eu não vou falar com Boateng novamente. Ele sabe que eu sou muçulmano. Estou p… da vida", falou o atleta à época.
Alguns dias depois, Boateng postou uma foto ao lado de Ribéry em sua rede social, selando a paz com o colega. "A cerveja não era alcoólica, então está tudo bem", escreveu na legenda.
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