A um público de universitários brasileiros reunidos na Universidade de Georgetown, em Washington, o ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot sugeriu na noite deste sábado (29) que o ministro Gilmar Mendes, do STF (Supremo Tribunal Federal), estaria tentando esconder algo sob uma "cortina de fumaça" ao criticá-lo recentemente.
"Não sei qual é a razão deste comportamento, o que se quer esconder com este comportamento. Agora que tem uma cortina de fumaça, com certeza tem", disse Janot ao ser questionado sobre as críticas que o ministro fez à sua atuação à frente da PGR (Procuradoria Geral da República).
"Ninguém tem essa capacidade de odiar gratuitamente várias pessoas, a não ser que tenha um problema de saúde, né?", completou, arrancando aplausos e risadas da plateia. "Antes eu não podia falar, agora eu posso."
No último mês, Gilmar Mendes disse que a gestão de Janot na PGR foi "sem dúvida alguma a mais infeliz, a mais desastrosa" e comparou o ex-procurador-geral ao personagem Simão Bacamarte, de "O Alienista", de Machado de Assis.
Na história, o médico Bacamarte resolve internar a si próprio em um hospício."Ao final de seu mandato, quase que o procurador-geral pediu sua própria prisão preventiva", disse o ministro, em setembro, numa entrevista coletiva em Foz do Iguaçu (PR).
Na conferência BrazUSC, em Washington, organizada por estudantes de graduação brasileiros no exterior, e promovida pela Brasa (Brazilian Student Association), Janot disse que o ministro do STF é "muito agressivo" em suas críticas. "Eu não sei qual é o problema deste senhor."
'HISTÓRIA JULGARÁ'
Janot também falou pela primeira vez sobre a decisão da Câmara dos Deputados de barrar a segunda denúncia feita por ele contra o presidente Michel Temer, por acusação de obstrução de Justiça e participação em organização criminosa.
Segundo o ex-procurador-geral, "o amanhã será cruel com vários atos que estão sendo praticados hoje no Brasil".
"Eu fiz o meu trabalho, eles [deputados] fizeram o trabalho que competia a eles. A história nos julgará", afirmou Janot, sobre a decisão tomada na última quarta (25).
Ele, contudo, disse ver "com muita naturalidade" a decisão tomada pelos deputados. "O julgamento da Câmara é um julgamento político, que leva em conta circunstâncias que não são jurídicas. E o julgamento da Câmara não quer dizer que a denúncia tenha sido rejeitada. Quem admite ou rejeita a denúncia é o Supremo Tribunal Federal."
A primeira acusação, de corrupção passiva, também havia sido barrada pela Câmara em agosto. Com as decisões dos deputados, os dois casos ficam congelados e só voltam a tramitar após o fim do mandato de Temer, em janeiro de 2019.
Janot assinou a última denúncia contra o presidente em 14 de setembro, três dias antes de deixar o cargo. Na época, Temer disse que a denúncia era "recheada de absurdos", e "realismo fantástico em estado puro".
Por cerca de 40 minutos, Janot explicou a operação Lava Jato desde o seu início de forma didática, com a ajuda de slides com fotos de operações e números de processos abertos, acusados e delações.
Ele, que foi muito criticado pelo acordo de delação fechado com Joesley Batista, um dos donos da JBS, voltou a defender a prática da colaboração premiada, dizendo que o delator que contribui com o processo "não é um X-9, não é dedo duro".
"Muita gente que critica a delação premiada diz que nós prendemos para forçar a colaboração. Mas mais de 80% das colaborações realizadas foram com réus soltos, que não tinham nenhuma restrição à liberdade de locomoção", afirmou.
ESPERTEZA
Questionado sobre o acordo de delação que fechou com Joesley e sobre as gravações que foram descobertas depois, que levaram à prisão do empresário, Janot disse que o dono da JBS "tinha compulsão em gravar", e que foi isso que determinou seu destino.
"Eles tinham uma compulsão em gravar tudo, fizeram em determinado momento uma autogravação e tentaram apagar esses áudios dos aparelhos que foram entregues à Polícia Federal", disse. Segundo ele, quando a polícia conseguiu recuperar os áudios, sua equipe "viu que a confiança para a manutenção do acordo não perdurava".
"A esperteza derrubou o esperto, e o esperto hoje responde pelos crimes que praticou", disse.
Janot ainda criticou as recentes polêmicas envolvendo exposições de arte no Brasil como um jeito de "tirar o foco do Brasil" do combate à corrupção.
"Nos últimos meses, tivemos grandes exposições de arte no Brasil fechadas. Policiais tirando obras de galerias. Artistas sendo intimados a depor no parlamento, juízes proibindo a realização de peças teatrais, prefeitos das duas maiores cidades do Brasil se posicionando publicamente contra exposições, proibindo-as de serem realizadas em seus museus públicos. Isso são formas insidiosas colocadas para tirar o foco do Brasil."
'SUPERPODERES' À PGR
Questionado sobre as críticas feitas por associações de magistrados e advogados no Brasil à resolução que dá poderes especiais a procuradores e promotores publicada em seu seu último mês o comando do CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público), Janot disse não se lembrar do conteúdo da decisão.
"Eu tenho que ver o conteúdo dessa resolução, porque eu não lembro mais. Mas a resolução não é feita por mim, é feita por um colegiado. O Conselho Nacional do Ministério Público é composto por 14 membros. Então eu tenho que ver o conteúdo", afirmou.
Como revelado pelo jornal "O Estado de S. Paulo", a resolução permite que promotores e procuradores façam vistorias e inspeções e solicitem informações e documentos sem autorização judicial.
Organizações como a AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros) e a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) já entraram com ações no STF questionando a constitucionalidade da resolução.