Na aldeia, depois de experimentar viagens nas asas de watetesu, borboleta em língua Nambiquara, Jacutinga se deslumbra com nuvens de takisu, gafanhotos. Em expedição no cerrado Nambiquara, Jacutinga e seus amigos índios foram repentinamente atacados por uma nuvem de gafanhotos. Para seu espanto, vozes em algazarra competiam com a sonoridade do bater de asas de uma infinidade de gafanhotos que, dizem, pode chegar a cinquenta milhões em uma única nuvem.
Rápidos, dentro da nuvem de gafanhotos, homens e mulheres retiraram cobertores, “seca-poço”, de seus cestos-cargueiros e arremessaram, com força, para o alto. Os cobertores caíram no chão, esticados, aprisionando os gafanhotos. Mas a coleta de insetos estava só começando: os índios, antes de os cobertores pousarem, se jogaram no chão. Agora eram gentes e insetos sob os “seca-poços”. Encheram suas mãos de gafanhotos e guardaram nas roupas que vestiam. Essa cena se repetiu muitas vezes, acompanhada de uma gritaria indescritível. O exército de insetos, aos poucos, tomou outro rumo e os índios, alegres e cansados, conferiram o resultado da coleta.
Nuvens de gafanhoto são mais comuns na primavera e, desde séculos, uma rica fonte de alimento com proteínas e gorduras. Seu preparo não tem mistério: depois de assados, são levados aos montes para o pilão e mãos femininas socam muitas, muitas vezes, até virar uma farinha fininha, que pode ser ingerida pura, com beiju com carne.
Esta cena vivenciada por Jacutinga passou a ser muito rara. Fazendas de plantações de soja, algodão, milho vêm, não é de hoje, erradicando gafanhotos. Em fins de 1982, a antropóloga Betty Mindlin ouviu de Jacutinga sua preocupação. Em seu recente livro, “Crônicas despidas e vestidas”, escreveu: “o jovem chefe do Posto Indígena Nambiquara, que com bom olho observador, está assustado com o inseticida que a Secretaria de Agricultura pretende usar com as nuvens de gafanhotos: se for usado em residual, não biodegradável, os Nambiquara, que usam gafanhotos como uma das principais fontes de alimento, podem morrer de fome”.