Opinião

JACUTINGA E O SOL DE PRIMAVERA

Jacutinga chegou a Cuiabá em fevereiro de 1980. Na Funai, em um precário imóvel no Campo Grande, procurou sem sucesso Estevão Taukane, indigenista Bakairi com quem construiu uma amizade que perdura até hoje. As amizades, embaladas pela canção Sol de Primavera, uma das mais tocadas na época, dispersaram-se por este Brasil. Para substituir o indigenista Ariovaldo José Santos, o sertanista Fritz o encaminhou à Terra Indígena Nambiquara.

Dirigindo uma Pick-up Willys F75, aos pedaços, na companhia da baiana Rita, atendente de enfermagem, seguiram pela BR 364, em péssimas condições de tráfego. Para se livrarem dos atoleiros, os caminhoneiros saíam da estrada em busca de terra firme. À noite, de longe, viam-se pontos de luz que pareciam indicar uma cidade: eram luzes de faróis de centenas de caminhões no cerrado adentro. Com o câmbio quebrado, em quatro dias chegaram ao Posto Indígena Nambiquara, carregados de medicamentos e ferramentas.

Os índios conduziram Jacutinga e a moça até ao barracão de madeira azul, sede do Posto Indígena, na aldeia Sapezal, que também atendia Campos Novos, Branca e Juína. O trabalho inicial de Jacutinga foi o de retornar grande parte da população indígena da beira da BR 364 para o interior da Terra Indígena, revitalizar a roça de toco e debelar o alcoolismo, malária, tuberculose e diarreia sanguinolenta. O cenário era caótico. Rita, em poucos dias, retornou à terra natal.

Nesse tempo, os índios alimentavam-se basicamente da caça e da coleta. O cultivo da mandioca não se via em todas as aldeias. Como prestavam serviços a uma pequena população do vilarejo Chefão e do Posto Fiscal do Ibraim, à beira do rio Doze de Outubro, ganhavam algum dinheiro ou um prato de comida.

Jacutinga, sem carro e sem enfermeira, no embalo da rede da casa azul e ao som da rádio Jornal do Brasil, a si mesmo perguntava: o que estou fazendo aqui? O que fez o pássaro ficar foi a certeza de que estava no lugar certo. Daí, sonhava com os índios saudáveis, de volta às suas aldeias, com roças fartas, sob a luz do sol de Primavera.

Anna Maria Ribeiro Costa

About Author

Anna é doutora em História, etnógrafa e filatelista e semanalmente escreve a coluna Terra Brasilis no Circuito Mato Grosso.

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