Opinião

Jacutinga e Antonio João em vivências museais

Em 1989, Jacutinga foi para Cuiabá, depois de um ano no litoral norte da Paraíba, em pesquisas de campo sobre cultura material e plantas medicinais do povo indígena Potiguara. Na capital mato-grossense, ficou mais próximo do indigenista Antonio João de Jesus, após sua transferência de Araguaína, Goiás, para Cuiabá, quando integrou os quadros do Museu Rondon da Universidade Federal de Mato Grosso – UFMT.

Em 1991, o Museu Rondon foi reaberto sob os cuidados do arquiteto Júlio de Lamonica Freire, coordenador de cultura, e do indigenista José Idevar Sardinha, diretor do museu. A exposição “Nambiquara, os do Cerrado”, parte integrante das festividades dos 21 anos da instituição, promoveu uma mostra de cultura material e apresentação de tocadores de flauta nasal, com o apoio da Artíndia, jurisdicionada à 2ª Superintendência Executiva Regional da Funai. Bem antes, Jacutinga, de conversa em conversa com o cuiabano Antonio João, tomou a decisão de doar 80 artefatos Nambikwara, todos da coleção particular intitulada Fritz Tolksdorf. A coleção foi iniciada por Anna, paixão à primeira vista de Jacutinga, que na aldeia, junto à implantação de um programa experimental de educação escolar indígena (1982-1988), realizou a aquisição, o levantamento e inventário dos artefatos. A doação aconteceu em razão da necessidade de divulgação e acondicionamento adequado com vistas à preservação do acervo, uma parte do patrimônio material e imaterial dos grupos Nambikwara do Cerrado, contatados no início do século XX, por ocasião da implantação das Linhas Telegráficas do Mato Grosso ao Amazonas. 

O caderno Vida, do jornal A Gazeta (28.11.1991) escreveu: “A exposição ‘Nambikwara, os do Cerrado’, apresenta documentos, fotos, textos, vídeo e peças da cultura material dos índios de um dos três ramos da nação Nambikwara. A mostra das peças foi dividida em três momentos culturais distintos: objetos tradicionais; objetos em desuso – como por exemplo a panela de barro, substituída pela de alumínio, e o machado de pedra, ocupado pelo de ferro; e objetos pós-contato – máscara de mergulho feita de recortes de câmara de ar para pneu e vidro, e um socador de munição de madeira para socar pólvora e chumbo, intercalados com fibra de algodão dentro do cartucho.”  Sobre esse evento, o caderno DCilustrado, do Diário de Cuiabá (30.11.1991), informou que “a escolha do evento ‘Nambikwara, os do Cerrado’ para reabrir o Museu Cândido Rondon é justamente porque esses índios foram os primeiros que o marechal Cândido Rondon teve contato no cerrado. A recepção oferecida ao marechal foi uma flechada que não foi revidada. Ali começava a defesa do postulado básico de trabalhos pacifistas com nações indígenas”.

A atuação de Antonio João no Museu Rondon por quase três décadas colocou-o no púlpito da Etnografia Indígena e em lugar de prestígio no baíto do povo Boe-Bororo, de quem recebeu um nome de batismo. Não é de estranhar que o indigenista tenha levado o chão da aldeia e de Cuiabá (outrora Boe-Bororo) para as artes plásticas. Com caneta bico de pena de nanquim, ilustrou o livro “Cuiabá, roteiro de lendas” (1985), de Dunga Rodrigues, publicado pela editora da UFMT e com dedicatória do ilustrador: “Para Ana e José Eduardo, por 91 e pelos próximos anos”.

O indigenista e artista plástico também presenteou o casal com uma pintura a óleo sobre tela (0,98 cm x 0,68 cm): uma imagem do ritual Yakuigady do povo Kurâ-Bakairi, composto por vinte e cinco entidades aquáticas que usam máscaras (ovaladas e retangulares, estas de maior número). A saltar da tela, quatro Kwamby, de natureza brincalhona, vestidas com máscaras ovaladas com cabelos e indumentária de broto de buriti, dançam animadamente, cada qual com sua música. Pode-se sentir o aroma de resina fresca da pintura das máscaras e ouvir o som das palhas secas…

Anna Maria Ribeiro Costa

About Author

Anna é doutora em História, etnógrafa e filatelista e semanalmente escreve a coluna Terra Brasilis no Circuito Mato Grosso.

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