Opinião

Jacutinga: Adeus Pedra do Arpoador, adeus Serra da Mantiqueira

Do interior das cavernas sagradas do Vale do Guaporé, Jacutinga e Etreca Wasusu seguiram, a cavalo, a puro pelo, para um ponto da BR 364, Areia Branca, um bolicho. Daí, o Wasusu retornou à aldeia e Jacutinga, de caminhão em caminhão, chegou a uma fazenda para continuar a pé até a aldeia Manairisu. Preocupado em escrever o relatório final do curso de Indigenismo, seguiu por uma estrada estreita, de areia fina, marcada por pegadas de onça.

No relatório registrou que “a expansão da agropecuária torna-se cada vez mais intensa, utilizando meios nem sempre escrupulosos – herbicidas, pressão etc. A integração já lhe custou inúmeras vidas. Grupos inteiros sucumbiram perante a nossa sociedade. Não podemos permitir que tomem o que lhe é mais caro – o solo onde descançam os pais de seus pais”. Alertou sobre a vulnerabilidade em que se encontrava o Nambiquara, principalmente sua saúde e seu território diminuído e fragmentado pela ação demarcatória. A mortalidade apresentou taxas altíssimas, apesar dos esforços de Lia e Arlene, atendentes de enfermagem. “No período de 11/78 a 11/79 tivemos 9 nascimentos e 16 óbitos. Ocorreram vários abortos espontâneos devido às gestantes contraírem malária”. 

Do Vale do Guaporé foi para o Cerrado e de lá para Cuiabá, a fim de entregar o relatório. Cumprida a missão, voou para o Rio, único passageiro da Varig, além da tripulação. Era Natal. De volta ao lar, levou na bagagem saberes que jamais pensou existir, ainda que em concordância aos da sociedade alternativa.

Ao abrir a porta de casa, sabia que sua estada seria breve. Até chegar o telegrama da Funai que notificaria sua aprovação, despediu-se dos amigos das Laranjeiras, no Rio. Em São Lourenço e Cristina, Minas, amigos de infância e familiares. O avô José, fazedor de carro de boi, abraçou-o intensamente porque sabia que seria aquela a última vez…

No início de 1980, de mochila nas costas, feita por ele mesmo, despediu-se da mãe Nilza, do pai Waldyr, dos irmãos André, Márcia, Nilza e Patrícia. Adeus Pedra do Arpoardor, adeus Serra da Mantiqueira…

Anna Maria Ribeiro Costa

About Author

Anna é doutora em História, etnógrafa e filatelista e semanalmente escreve a coluna Terra Brasilis no Circuito Mato Grosso.

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