Jurídico

Iure et de Justitia: pela Lei e pela Justiça

Tem sido veiculado na mídia e redes sociais o caso dos juízes mato-grossenses que estão buscando receber os valores salariais não pagos por força de afastamento considerado ilegal pelo Supremo Tribunal Federal, cujo foco desfocado seria apenas e tão somente pagamento dos valores devidos e não o foco focado do direito reconhecido de quem está recebendo de direito e de justiça, por força de um erro decorrente de investigação falha dos órgão correicionais e suas débeis decisões administrativas.

É preciso colocar o trem nos trilhos, pois os maus e maldosos informantes dos fatos estão seguindo um mau caminho e precisam ser reconduzido ao certo, para evitar que incautos leitores não saibam de todas as nuances de fato sobre o caso. Até porque quem cala consente e quando uma pessoa que não argumenta a seu favor quando é apontada por alguém sobre algo, ou quando não intervém em um debate ou discussão, passa com sua atitude de silêncio e, de aparente ausência de conteúdo, uma concordância com eventual erro crasso do interlocutor, uma vez que não acrescenta nenhuma evidência verdadeira contra ele e seu sofisma.

Vamos aos verdadeiros fatos, todos documentados em processos judiciais ajuizados na maior instância judiciária do país. Os magistrados foram ilegal e injustamente condenados pelo Conselho Nacional de Justiça, a partir de uma investigação inicial da Corregedoria-Geral da Justiça de Mato Grosso, sob o argumento de que teria sido desviado dinheiro público para salvar uma cooperativa de crédito ligada a maçonaria. Nenhum desses fatos se comprovaram verdadeiros, pois o dinheiro não era público, mas sim dos próprios magistrados, e a cooperativa de crédito não pertencia a maçonaria, que na verdade dispunha apenas de um posto de atendimento.

Após uma apuração célere, sem esperar a realização das perícias que estavam a cargo da Polícia Federal na época, o Conselho Nacional de Justiça entendeu que os magistrados tinham cometido falta funcional e aplicou-lhes indiscriminadamente a pena de aposentadoria compulsória, com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço. Não tinha havido ainda a finalização do inquérito policial em andamento a cargo da Polícia Federal, tendo em vista o foro por prerrogativa de função de alguns dos investigados.

Ocorre que, após esse julgamento apressado do Conselho Nacional de Justiça, o inquérito policial caminhou até chegar a realização e finalização das perícias, sendo descoberto pelos expertos que todos os juízes de Mato Grosso haviam recebido as mesmas verbas dos juízes investigados, inclusive o desembargador que fez a investigação na qualidade de Corregedor-Geral da Justiça. Por conta disso, o Ministério Público Federal, pelo Sub-procurador da República responsável por sua análise nesta fase judicial, nem ofereceu denúncia em relação às magistradas Maria Cristina, Juanita e Graciema, e ao magistrado Irênio Lima Fernandes, pedindo quanto a esses desde logo o arquivamento da investigação criminal.

Na sequência, nos autos do inquérito civil n. 002089-023/2009, instaurado pelo Ministério Público do Estado de Mato Grosso, a fim de apurar a prática de atos de improbidade administrativa, todos os magistrados demonstraram estar totalmente eximidos da responsabilidade pelo recebimento das verbas remuneratórias pagas pelo Tribunal de Justiça de Mato Grosso, tendo o promotor de justiça oficiante pedido o arquivamento, confirmado pelo Conselho Superior do Ministério Público do Estado de Mato Grosso.

Não bastasse a manifestação do Ministério Público pelo arquivamento do inquérito criminal em relação às magistradas Maria Cristina, Juanita e Graciema e ao magistrado Irênio Lima Fernandes, e do inquérito civil em relação a todos os magistrados investigados, por ato de improbidade administrativa, ainda houve o pronunciamento favorável do Tribunal de Contas Estado de Mato Grosso no mesmo sentido da legalidade dos recebimentos e inexistência de dinheiro público envolvido.

No tocante aos magistrados Marcos Aurélio dos Reis Ferreira e Antonio Horácio da Silva Neto, que haviam sido denunciados por peculato, o processo criminal teve regular seguimento, onde agora as perícias realizadas pela Polícia Federal foram consideradas, além da oitiva de mais de quarenta testemunhas de acusação e defesa demonstrando a inexistência cabal de qualquer crime, culminando com a absolvição penal de ambos os magistrados sob o fundamento de aplicação do art. 386, IV, do Código de Processo Penal – juízo de certeza de que os autores não concorreram para a prática supostamente delitiva –, o que vinculou a decisão no âmbito administrativo, por serem os fatos imputados idênticos nas duas esferas.

O detalhe que passa despercebido, mas não deveria, é que sequer recorreu o Ministério Público da decisão absolutória, contentando-se com o veredito em razão da robusta prova de inocência produzida na esfera penal. Todos esses documentos indicativos de fatos ocorridos após a condenação dos magistrados foram levados ao conhecimento do Supremo Tribunal Federal, que desde que o mundo é mundo, ou seja, sempre, admitiu a revisão da penalidade aplicada pela Administração Pública nos casos em que a documentação colacionada demonstrar com clareza a desproporcionalidade e/ou o excesso e ilegalidade do órgão estatal.

Assim, a Suprema Corte não tinha outro caminho de justiça que não fosse o de declarar a nulidade das sanções aplicadas pelo Conselho Nacional de Justiça no PAD n. 200910000019225, assegurando aos magistrados injustamente punidos a reintegração ao cargo, com o reconhecimento de tempo de serviço e o pagamento das diferenças relativas às vantagens remuneratórias, pois assim determina o art. 28 da Lei Federal n. 8.112/1990, aplicável por força do art. 26 da Resolução CNJ n. 135/2011.

Não é um aforisma Fiat justitia, et pereat mundus? A significar “Que a justiça seja feita, ainda que o mundo pereça”. Então, parece ser mais do que necessário acertar o foco no caso desses juízes que estão buscando os seus direitos pelo modo determinado nas leis e constituição, que é o devido processo legal, embasados em decisão final transitada em julgado da maior Corte de Justiça do país.

Por fim, nunca se deve esquecer de Immanuel Kant: “Deixe a justiça reinar mesmo que todos os patifes do mundo pereçam dela”, pois na verdade a justiça é feita nesses casos dos juízes mato-grossenses, para que o mundo não pereça, não devendo ser medida pelo quantum a ser recebido, pois nunca será o suficiente para definir o que estavam sofrendo humilhados em suas honras com a espada de Damôcles sob suas cabeças. Os cães ladram e a caravana passa.

Processos relacionados

MS 28801 AgR
Órgão julgador: Segunda Turma
Relator(a): Min. CELSO DE MELLO
Redator(a) do acórdão: Min. NUNES MARQUES
Julgamento: 08/11/2022
Publicação: 17/02/2023
Ementa
EMENTA AGRAVOS INTERNOS EM MANDADOS DE SEGURANÇA. PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. QUESTÃO DE ORDEM. CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. SANÇÃO DE APOSENTADORIA COMPULSÓRIA. DECISÃO PENAL ABSOLUTÓRIA (CPP, ART. 386, IV). VINCULAÇÃO DA ESFERA ADMINISTRATIVA. PROMOÇÃO DE ARQUIVAMENTO DE INQUÉRITO CIVIL. DESPROPORCIONALIDADE DA PENA APLICADA. NULIDADE DO ACÓRDÃO MEDIANTE O QUAL IMPOSTA A SANÇÃO. 1. O Plenário, em questão de ordem, deliberou, em consonância com o decidido na ADI 5.399 QO, que o Ministro sucessor, inclusive quando Relator, poderá proferir voto se, após iniciado o julgamento – e mesmo tendo sido proferido voto do Ministro que veio a ser sucedido –, surgir fato novo não antes apreciado e cuja análise seja admitida no feito, mediante manifestação que trate do fato superveniente e de sua influência no processo, eventualmente instituindo-se votação por capítulos. 2. Os documentos indicativos de fatos ocorridos após a impetração e a formalização do pronunciamento judicial denegatório da segurança podem ser examinados e levados em conta quando da apreciação de eventual recurso de agravo (CPC, arts. 932 e 933, § 2º). 3. O Supremo admite, excepcionalmente, a revisão da penalidade aplicada pela Administração Pública nos casos em que a documentação colacionada demonstrar com clareza a desproporcionalidade e/ou o excesso do Órgão estatal. Precedentes. 4. A absolvição penal dos impetrantes Antônio Horácio da Silva Neto e Marcos Aurélio Reis Ferreira (MS 28.801 e MS 28.892), com fundamento no art. 386, IV, do Código de Processo Penal – juízo de certeza de que os autores não concorreram para a prática supostamente delitiva –, vincula a decisão no âmbito administrativo, por serem os fatos imputados idênticos nas duas esferas, por não haver comprovação de qualquer falta residual de gravidade ímpar capaz de justificar a sanção de aposentadoria compulsória e também por se tratar de meros desdobramentos do ato principal. 5. Às magistradas Graciema Ribeiro de Caravellas (MS 28.799), Juanita Cruz da Silva Clait Duarte (MS 28.802) e Maria Cristina Oliveira Simões (MS 28.743) imputou-se tão somente o recebimento, em caráter privilegiado, de importâncias que de fato lhes eram devidas pelo Tribunal de Justiça. Se a absolvição penal ocorrida quanto aos impetrantes Antônio Horário da Silva Neto e Marcos Aurélio Reis Ferreira, acusados de peculato, obrigatoriamente gerou efeitos na esfera administrativa, com mais razão o fez em relação às mencionadas juízas, contra as quais nem sequer foi oferecida denúncia, diante do arquivamento da investigação criminal. 6. Nos autos do inquérito civil n. 002089-023/2009, instaurado pelo Ministério Público do Estado de Mato Grosso a fim de apurar a prática de atos de improbidade administrativa, as autoras demonstraram que foram totalmente eximidas da responsabilidade pelo recebimento das verbas remuneratórias pagas pelo Tribunal de Justiça de Mato Grosso quando da promoção do arquivamento, porquanto tinham direito à percepção das quantias, e a correção monetária foi realizada pelo Tribunal estadual. 7. Agravos internos aos quais se dá provimento para conceder-se a segurança e declarar-se a nulidade das sanções aplicadas pelo Conselho Nacional de Justiça no PAD n. 200910000019225, assegurada aos impetrantes a reintegração ao cargo, com o reconhecimento de tempo de serviço e o pagamento das diferenças relativas às vantagens remuneratórias, nos termos do art. 28 da Lei n. 8.112/1990, aplicável por força do art. 26 da Resolução CNJ n. 135/2011.
Acórdãos no mesmo sentido
MS 28743 AgR PROCESSO ELETRÔNICO
JULG-08-11-2022 UF-DF TURMA-02 MIN-CELSO DE MELLO N.PÁG-130
DJe-s/n DIVULG 17-02-2023 PUBLIC 22-02-2023

MS 28892 AgR PROCESSO ELETRÔNICO
JULG-08-11-2022 UF-DF TURMA-02 MIN-CELSO DE MELLO N.PÁG-144
DJe-s/n DIVULG 16-02-2023 PUBLIC 17-02-2023

MS 28802 AgR PROCESSO ELETRÔNICO
JULG-08-11-2022 UF-DF TURMA-02 MIN-CELSO DE MELLO N.PÁG-139
DJe-s/n DIVULG 16-02-2023 PUBLIC 17-02-2023

MS 28799 AgR PROCESSO ELETRÔNICO
JULG-08-11-2022 UF-DF TURMA-02 MIN-CELSO DE MELLO N.PÁG-140
DJe-s/n DIVULG 16-02-2023 PUBLIC 17-02-2023

AO 2425 / DF – DISTRITO FEDERAL
AÇÃO ORIGINÁRIA
Relator(a): Min. NUNES MARQUES
Julgamento: 21/02/2024
Publicação: 29/02/2024
Órgão julgador: Tribunal Pleno
Ementa
EMENTA AÇÃO ORIGINÁRIA. COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. ADI 4.412. LITISPENDÊNCIA. INEXISTÊNCIA. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. SANÇÃO DE APOSENTADORIA COMPULSÓRIA. DESPROPORCIONALIDADE DA PENA APLICADA. INQUÉRITOS CRIMINAL E CIVIL DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ARQUIVAMENTO. JULGAMENTO FAVORÁVEL DO TRIBUNAL DE CONTAS ESTADUAL. NULIDADE DO ACÓRDÃO MEDIANTE O QUAL IMPOSTA A SANÇÃO. 1. A ação originária é via adequada à impugnação de penalidade administrativa imposta pelo Conselho Nacional de Justiça , competindo originariamente ao Supremo julgá-la (CF, art. 102, I, “r”) – ADI 4.412, Plenário, ministro Gilmar Mendes, DJe de 18 de novembro de 2020. 2. Inexiste litispendência quando diversas as partes e as causas de pedir das demandas. Inteligência do art. 337, §§ 2º e 3º, do Código de Processo Civil. 3. Esta Suprema Corte admite, excepcionalmente, a revisão da penalidade aplicada pela Administração Pública nos casos em que as circunstâncias demonstrarem com clareza a desproporcionalidade e/ou o excesso do órgão estatal. Precedentes. 4. A manifestação do Ministério Público pelo arquivamento do inquérito criminal e do inquérito civil, por ato de improbidade administrativa, e o pronunciamento favorável do Tribunal de Contas Estadual justificam a excepcionalidade do controle pelo Supremo, ante a manifesta falta de razoabilidade do ato impugnado. 5. Anterior enfrentamento por esta Corte das sanções aplicadas no bojo do processo administrativo disciplinar (PAD) n. 200910000019225. Precedentes: MS 28.712, MS 28.812, MS 28.892, MS 28.799, MS 28.802 e MS 28.743. 6. A manutenção da aposentadoria compulsória do autor em face da extinção da mesma penalidade relativamente às magistradas Graciema Ribeiro de Caravellas, Juanita Cruz da Silva Clait Duarte e Maria Cristina Oliveira Simões revelaria desproporcionalidade, falta de razoabilidade e incoerência, ante a semelhança das situações. 7. Pedido julgado procedente para declarar a nulidade da sanção imposta pelo Conselho Nacional de Justiça no âmbito do processo administrativo disciplinar n. 200910000019225, ficando assegurado ao autor o direito de ser reintegrado no cargo, com o consequente reconhecimento do tempo de serviço e o pagamento das diferenças relativas às vantagens remuneratórias, nos termos do art. 28 da Lei n. 8.112/1990, aplicável aos magistrados por força do art. 26 da Resolução n. 135/2011/CNJ.
Decisão
Após os votos dos Ministros Nunes Marques (Relator), Cristiano Zanin, Dias Toffoli, Luís Roberto Barroso (Presidente), Cármen Lúcia, André Mendonça e Luiz Fux, que julgavam procedente o pedido para declarar a nulidade da sanção imposta pelo Conselho Nacional de Justiça no âmbito do PAD 200910000019225, ficando assegurado ao autor o direito de ser reintegrado no cargo, com o consequente reconhecimento do tempo de serviço e o pagamento das diferenças relativas às vantagens remuneratórias, nos termos do art. 28 da Lei n. 8.112/1990, aplicável aos magistrados por força do art. 26 da Resolução n. 135/2011/CNJ e condenavam a parte ré ao pagamento de honorários advocatícios, arbitrados em R$ 5.000,00 (cinco mil reais), conforme a disciplina do art. 85, §§ 2º e 8º, do Código de Processo Civil, pediu vista dos autos o Ministro Alexandre de Moraes. Plenário, Sessão Virtual de 1.12.2023 a 11.12.2023. Decisão: O Tribunal, por unanimidade, julgou procedente o pedido para declarar a nulidade da sanção imposta pelo Conselho Nacional de Justiça no âmbito do PAD 200910000019225, ficando assegurado ao autor o direito de ser reintegrado no cargo, com o consequente reconhecimento do tempo de serviço e o pagamento das diferenças relativas às vantagens remuneratórias, nos termos do art. 28 da Lei n. 8.112/1990, aplicável aos magistrados por força do art. 26 da Resolução n. 135/2011/CNJ, e condenou a parte ré ao pagamento de honorários advocatícios, arbitrados em R$ 5.000,00 (cinco mil reais), conforme a disciplina do art. 85, §§ 2º e 8º, do Código de Processo Civil, nos termos do voto do Relator. Plenário, Sessão Virtual de 9.2.2024 a 20.2.2024.

Antonio Horácio da Silva Neto

About Author

Antonio Horácio da Silva Neto é juiz de direito do Tribunal de Justiça de Mato Grosso e presidente da Academia Mato-grossense de Magistrados. Colaborador especial do Circuito Mato Grosso desde 2015.