Ações para a reabilitação e reintrodução na natureza de animais ameaçados pela ação humana e estudos pioneiros no campo da reprodução assistida têm gerado novas esperanças para as espécies em risco de extinção.
Os pesquisadores do Instituto Chico Mendes da Conservação da Biodiversidade (ICMBio) comemoram, no momento em que o órgão completa 10 anos, experiências bem sucedidas como a reprodução assistida do pato-mergulhão e a recuperação de filhotes órfãos de onça-pintada, lobo-guará e peixe-boi, todos ameaçados extinção.
Esses animais fazem parte dos planos de ação nacionais de conservação das espécies, os PANs, coordenados pelo ICMBio com o apoio de diversos parceiros. Atualmente, há 47 PANs, que contemplam 576 espécies ameaçadas, desenvolvidos pelos 14 centros de pesquisas do ICMBio, que está completando 10 anos neste mês de agosto.
Monitoramento e soltura na natureza
Os pesquisadores do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Mamíferos Carnívoros (Cenap), do ICMBio, resgataram e cuidaram de dois filhotes órfãos de onça-pintada para voltar à natureza. Em 2015, os dois filhotes perderam a mãe, que morreu durante uma contenção na periferia de uma cidade no Mato Grosso do Sul. Logo depois, o Cenap propôs a parceiros um projeto inusitado de cuidados e soltura dos dois órfãos.
Assim, foi construído um grande recinto no Refúgio Ecológico Caiman, no sul do Pantanal (MT), para criar os pequenos filhotes de onça, de forma a induzir os instintos diversos, inclusive os de caça. Após um ano vivendo no cativeiro, eles foram preparados para voltar à natureza. Em junho do ano passado, as onças reconquistaram a liberdade. Segundo o coordenador substituto do Cenap, Rogério Cunha de Paula, o local para construir o espaço para as onças foi escolhido por diversos motivos, entre eles, o desenvolvimento, na fazenda do Projeto Onçafari, de uma iniciativa que promove ecoturismo ao passo que se incentiva a valorização da onça-pintada.
A parceria do Cenap com o Instituto Onçafari, responsável pela execução do projeto de preparação para a soltura, rendeu um lar para os filhotes órfãos, que estão hoje sendo monitorados para estudar o comportamento do animal, entre outros segredos do maior felino das Américas. Um ano depois de iniciado o monitoramento, a experiência mostrou-se exitosa.
Os filhotes de onça foram soltos e se adaptaram ao local, sem conflito com as onças residentes. E o melhor: após inúmeros encontros com um macho recentemente, há a possibilidade de uma das onças estar prenhe. “Isso indica um sucesso máximo da soltura de filhotes recuperados, a perpetuação de seus genes na natureza pela reprodução”, diz Cunha de Paula, ao lembrar que o importante é o animal voltar à natureza, pois a sua retirada provoca extinções locais ou até o desaparecimento de espécies.
A onça-pintada está na lista de espécies ameaçadas e corre o risco de desaparecer em menos de 100 anos em pelo menos dois biomas brasileiros. Com suas populações extremamente reduzidas na Mata Atlântica e Catinga, a estimativa é que existam em torno de 250 indivíduos em cada bioma.
História se repete com o lobo-guará
A mesma experiência adotada com os filhotes de onça está sendo repetida com filhotes de lobo-guará. É, também, uma tentativa de agregar valor turístico ao animal, como forma de preservação. Em novembro, os pesquisadores do Cenap em conjunto com o Instituto Pró-Carnívoros e a Universidade de Franca (SP), vão soltar uma lobo-guará nas imediações do Parque Nacional da Serra da Canastra, em Minas Gerais.
O animal foi resgatado ainda filhote depois que os pais desapareceram em meio a uma queimada em um canavial no interior de São Paulo em agosto do ano passado. Após o resgate, ficou poucos meses sob cuidados veterinários até que fosse construído um cercado em uma área natural aos pés da Serra da Canastra.
A loba está sendo criada em semi-cativeiro e treinada para voltar à natureza. Neste espaço, ela recebe comida, é acompanhada pelos pesquisadores e ainda desperta a atenção de lobos-guará, que rondam o espaço do cativeiro na área natural. Depois de solta, ela também será monitorada para se conhecer melhor sobre seus hábitos durante o período de adaptação à nova vida.
Assim como a onça-pintada, o lobo guará, que é encontrado principalmente no bioma Cerrado, também está na lista dos animais em extinção. A maior ameaça para a espécie é a perda de habitat em razão da expansão agrícola. Os pesquisadores do ICMBio desenvolvem ações, com vários parceiros, para a conservação do lobo-guará, seguindo as diretrizes do PAN. Em 2004, 10 instituições parceiras moldaram a base para o Programa de Conservação do Lobo-Guará, conduzido pelo Cenap e Instituto Pró-Carnívoros. Eles levantam informações sobre a estimativa populacional, dispersão de jovens, saúde, genética, comportamentos e dieta.
Juntos ainda executam ações de educação ambiental e implementam estratégias práticas de conservação como a construção de galinheiros para prevenir os ataques de lobos e outros carnívoros à criação doméstica. O programa é considerado um exemplo mundial de sucesso na área de conservação. Pelas ações executadas com o lobo-guará, em 2012, o pesquisador do Cenap Rogério Cunha de Paula, foi um dos 40 estudiosos do mundo selecionados ao título de “Herói da Vida Selvagem” em uma publicação norte-americana (wildlifeheroes.org).
Nascimento de peixe-boi
Na semana passada, os pesquisadores comemoraram o nascimento de um filhote de peixe-boi nas águas da Área de Proteção Ambiental (APA) Costa dos Corais, em Alagoas. O filhote faz parte do programa de reintrodução executado pela APA Costa dos Corais e pelo Centro Nacional de Pesquisa e Conservação da Biodiversidade Marinha do Nordeste (Cepene), que teve início em 1994 com a reintrodução de dois animais em Paripueira (AL).
De lá para cá, 44 peixes-bois resgatados pelas instituições da Rede de Encalhe de Mamíferos Aquáticos do Nordestes (Remane) e reabilitados pelo Instituto foram devolvidos à natureza. O peixe-boi (Trichechus manatus manatus) é o mamífero marinho mais ameaçado de extinção do país. A estimativa populacional para a espécie é de cerca de apenas 500 indivíduos distribuídos ao longo da costa brasileira.
Recentemente, os pesquisadores também comemoraram o nascimento de quatro filhotes de pato-mergulhão, ave rara e ameaçada de extinção. Foi a primeira vez no mundo que esta espécie se reproduziu em cativeiro. A estimativa é que existam no mundo 250 aves desse tipo, todas no Brasil. Elas vivem na Chapada dos Veadeiros (GO), no Jalapão (TO) e na Serra da Canastra (MG). A ave é considerada como um bioindicador: onde ela vive a natureza é preservada porque precisa de água limpa e corrente para se alimentar.
O nascimento dos quatro filhotes de pato-mergulhão foi considerado um sucesso e, logo, esses animais serão reintroduzidos na natureza, contribuindo para diminuir o grau de ameaça da espécie.