A situação endêmica da corrupção no Brasil, e especificamente em Mato Grosso, que vive há mais de dois anos uma série de operações policiais que levaram políticos, agentes públicos e empresários para a prisão, tem mobilizado entidades para o debate sobre o assunto.
Para se ter ideia, a Organização das Nações Unidas (ONU) apontou que o Brasil perde cerca de R$ 200 bilhões com esquemas de corrupção a cada ano. Montante equivalente a dez vezes o PIB (Produto Interno Bruto) de Mato Grosso.
Conforme o governo Pedro Taques (PSDB), ao longo de quatro anos e meio de gestão (2010/2014), o ex-governador Silval Barbosa (PMDB) teria desviado, por meio de fraudes a licitações, com o envolvimento de deputados, secretários e empresários, pouco mais de R$ 1 bilhão.
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Para alguns, a situação não está tão longe da população quanto se imagina. O problema da corrupção é identificado já em atos corriqueiros que acabam “naturalizados” e avançam para o âmbito político em grandes proporções.
O procurador-geral de Justiça, Mauro Benedito Pouso Curvo, salienta a importância de os órgãos atuarem de modo integrado e de forma preventiva.
“O combate à corrupção tem que ser prioridade de todos os órgãos públicos. Nenhuma instituição, por mais estruturada que seja, vai fazer frente sozinha à corrupção. É preciso criar a cultura da colaboração, trabalhar de modo integrado e se despir de qualquer vaidade”.
Segundo ele, a prática da corrupção começa dentro de casa, vai para a escola e se espalha no cotidiano das pessoas, com ações consideradas “inocentes”. Furar a fila, não devolver o troco recebido a mais, estacionar em vaga proibida, subornar o guarda para não ser multado, “copiar” a internet do vizinho ou fazer um “gato” na rede elétrica, são atitudes tidas como “aceitáveis” pela sociedade, mas que a médio e longo prazo têm um poder devastador na formação da integridade social.
Para conscientizar a população, o Ministério Público do Estado (MPE) e a Secretaria de Educação (Seduc) firmaram parceria para levar debates sobre a corrupção para dentro das escolas, com a proposta de desenvolver, tanto em redes municipais quanto na estadual, um projeto de combate à corrupção, que trabalhe amplamente o tema, abordando desde as grandes práticas de corrupção, até as pequenas corrupções do dia a dia.
O projeto será colocado em prática, neste primeiro momento, nas escolas da rede pública de Cuiabá e Várzea Grande. O modelo vem de ação já implantada no Ministério Público, nas promotorias de Porto Alegre do Norte e Comodoro, denominado “Onde há educação, a corrupção não tem vez”.
Em Comodoro, por exemplo, os alunos de escolas públicas dedicaram-se, durante três meses, à elaboração de textos e ensaios de peças teatrais, em que, por meio da arte, trataram de um assunto considerado “chato”, mas que diz respeito a todas as pessoas.
“Queremos levar este tema para dentro das escolas e formar o futuro cidadão, imunizar nossos estudantes contra a corrupção, numa política de Estado, aqui em Mato Grosso. Para isso, estamos conversando com os secretários de Cuiabá e Várzea Grande, para levar este tema para o dia a dia das escolas”, diz o procurador-geral de Justiça, Mauro Curvo.
De acordo com ele, o objetivo é inserir o projeto na campanha “Todos Juntos Contra a Corrupção”, desenvolvida pela Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e Lavagem de Dinheiro (ENCCLA), que visa “consolidar propostas de prevenção à prática da corrupção, fomentando a integridade social e a educação para cidadania”.
As propostas selecionadas e certificadas comporão o Banco de Propostas de Prevenção Primária à Corrupção, que será disponibilizado em ambiente virtual acessível para livre consulta e replicação.
“Nós acreditamos que a mudança que precisamos é a mudança cultural, de práticas que começam na escola. Quando você faz a cultura da prevenção nas coisas mais pequenas como, por exemplo, não furar a fila ou não colar na prova, você trabalha na formação da cultura da integridade, da conformidade”, diz o secretário de Educação, Marco Marrafon.
TRE adere a rede de controle de gestão pública
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O Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso (TRE-MT) aderiu à Rede de Controle da Gestão Pública de Mato Grosso, formada por diversas entidades e instituições públicas do Estado, em esforço para debater a corrupção.
O presidente do TRE-MT, desembargador Márcio Vidal, diz que o trabalho da Justiça Eleitoral vai muito além de organizar eleições. Ele afirma que o tribunal começou a trabalhar projetos sobre o tema em abril deste ano, na busca de soluções tecnológicas e parcerias para ampliar o controle social sobre os agentes públicos, fechar o cerco contra a corrupção e fortalecer a democracia brasileira.
“O momento que nós vivemos é talvez o mais difícil de nossa existência, para a República e para o amanhã. Por isso precisamos reagir. Se nós não tivermos realmente uma ação cívica, de darmos as mãos pelo bem comum, não teremos sucesso no combate à corrupção. O crime é organizado e as pessoas de bem, as instituições, também precisam se organizar para enfrentar essas organizações criminosas”.
Benefícios da parceria consistem na possibilidade de ampliar o controle sobre a aplicação dos recursos públicos do Fundo Partidário e dos recursos gastos em campanhas eleitorais.
O TRE-MT afirma que a participação da população na formulação de denúncias colabora para maior fiscalização de agentes públicos. Hoje, a principal ferramenta de contato com eleitores da Justiça Eleitoral em Mato Grosso é o app Pardal, que possibilita informar data, hora, local e ainda a anexar arquivos que são enviados diretamente para a Ouvidoria do TRE-MT.
Seduc cria assessoria para consulta de prestadores de serviço
A Seduc (Secretaria de Educação, Esporte e Lazer) criou uma assessoria para centralizar atendimentos de consulta de fornecedores e prestadores de serviços. O novo setor é vinculado diretamente ao gabinete do secretário e tem regras e procedimentos específicos para atendimento com o objetivo de uniformizar o tratamento dispensado a esse público.
De acordo com a secretaria, as unidades setoriais estão desautorizadas a atender, recepcionar, dar tratamento e responder a qualquer consulta feita por fornecedores e prestadores de serviços. As solicitações de atendimento presencial, informações, dados ou documentos devem ser feitas mediante agendamento pelo e-mail ou por telefone.
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Além disso, está proibido o acesso de fornecedores e prestadores de serviços, ou qualquer pessoa que os represente, em todas as unidades setoriais da Seduc-MT e aos seus respectivos servidores, com exceção para execução de serviços no prédio da secretaria, em caso de atendimento na Assessoria de Relacionamento Institucional (ARI) ou por autorização expressa do chefe de gabinete do secretário de Educação.
“Além da análise de conformidade de todos os contratos e da busca dos processos de auditoria e investigação, nós estamos trabalhando intensamente de forma preventiva para que os processos e procedimentos tenham maior segurança orgânica e, também, para que possamos conferir cada vez mais transparência e controle com eficácia”, ressalta Marrafon.
Ele afirma que a criação da Sala de Transparência faz parte do processo de construção de uma nova Seduc. “A Secretaria de Educação é uma instituição já consolidada, afinal, é a própria comunidade escolar. E essa nova Seduc que está nascendo é uma Seduc mais ágil, mais transparente, com maior prevenção e controle. É preciso entregar, é preciso que a secretaria dê respostas aos diretores e a comunidade escolar e isso tem que ser feito de maneira adequada, conforme as regras legais”, completa.
O secretário adjunto Executivo da Seduc-MT, Luciano Bernart, observa que essas medidas são importantes especialmente por darem uniformidade e segurança às informações prestadas pela Seduc, tanto para fornecedores e prestadores de serviços quanto para o ente público e sociedade.
“Significa mais segurança para a população ao saber que esses tipos de procedimentos resguardam o patrimônio público e organizam. E, se organizam, trazem economia aos cofres públicos”, observa.
Professores orientam alunos na escola
Qual aluno nunca furou aquela fila na hora do lanche? Ou deu uma olhada na prova do seu amigo?
Os professores da Escola Estadual José de Mesquita são orientados pela diretoria da instituição a orientar e conscientizar os alunos sobre a corrupção. O professor de História e Filosofia do colégio, Jussandro Ferreira de Melo, pede para que os alunos advirtam práticas simples dos pais e também que observem suas próprias ações.
“Nosso papel de professores é alertar e passar ensinamentos para os alunos. Queremos mostrar para eles que a corrupção que acontece na política é apenas reflexo da sociedade brasileira”, conta o professor.
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O educador ainda falou que o contexto histórico do Brasil, desde a colonização em 1500, colaborou para que a proliferação do ato ilegítimo fosse edificada no país. “Quando falo sobre o assunto em classe, muitos falam que fazem, outros falam que não e a grande maioria fica quieta. Tem alunos que ainda comentam que furar fila, colar na prova ou qualquer ato do dia a dia, são atos irrelevantes”, relata Jussandro.
Para o estudante do terceiro ano do ensino médio Miguel de Moura, 17 anos, o único modo de combater a corrupção é fazendo uma reforma social. Ele coloca a educação como o ponto principal para o combate aos atos ilícitos.
“Nem tudo que acontece de errado é por culpa dos políticos. O principal problema do Brasil é persistir no erro, a grande maioria é eleita pela compra de votos. Para revolucionar isto precisamos investir nos jovens, a última geração fez história com as Diretas Já. O combate à corrupção não é simplesmente em uma campanha, o combate tem que ser no dia a dia. A todo momento você tem a oportunidade de fazer coisas erradas, como furar fila, estacionar na vaga do idoso, furar o sinal vermelho, ultrapassar o limite de velocidade, entre outros”, conta.
O aluno do primeiro ano do ensino médio Bruno Heber de Alexandria, 16 anos, disse que acompanha pouco os noticiários e que adverte o avô no trânsito e comete alguns erros mesmo sabendo que está errado. “Meu avô acelera muito no trânsito e fura muito o sinal vermelho, sempre alerto ele sobre isto, pois pode machucar alguém. Na escola eu furo a fila do lanche quando estou com fome; sei que estou errado, mas sempre faço isto”, disse Bruno.