O chefe do Instagram, Adam Mosseri, usou sua conta pessoal para desmentir uma das teorias mais antigas sobre a rede social: a de que o aplicativo ativaria secretamente o microfone do celular para ouvir conversas e direcionar anúncios. A declaração, feita na quarta-feira, 1º de outubro, ocorre justamente quando a Meta anuncia mudanças na política de privacidade para ampliar a coleta de dados por meio de interações com ferramentas de inteligência artificial (IA).
A suspeita de que a empresa monitora conversas em tempo real circula há anos entre usuários e foi alvo de diferentes contestações públicas. Em 2016, a Meta, então conhecida apenas como Facebook, publicou um comunicado negando o uso do microfone para publicidade. Dois anos depois, o próprio CEO, Mark Zuckerberg, reforçou essa posição em depoimento no Congresso dos EUA.
Mosseri afirmou em vídeo que ativar o microfone seria uma “grave violação de privacidade” e facilmente percebida pelos usuários: os aparelhos mostrariam uma luz na tela e a bateria acabaria mais rápido. Ele contou que até sua esposa já questionou se o Instagram ouvia suas conversas, diante da precisão das recomendações de anúncios. “Já conversei três vezes com a minha esposa sobre isso”, diz.
O executivo explicou que há várias razões para um usuário ver anúncios de produtos sobre os quais conversou recentemente, sem que ninguém esteja ouvindo. Isso pode ocorrer se a pessoa pesquisou ou clicou em algo relacionado antes da conversa.
“A Meta também recebe informações de anunciantes sobre visitantes de sites e mostra anúncios com base em interesses de pessoas semelhantes. Às vezes o anúncio já apareceu antes da conversa e você nem percebeu. Mas quero deixar claro: não ouvimos o seu microfone”, disse Mosseri.
O executivo citou que é até mesmo possível que o usuário passe rapidamente por anúncios no feed, internalize isso inconscientemente, e inicie posteriormente conversas sobre o assunto, o que supostamente transmite a sensação de ser monitorado pelo Instagram.
A declaração do chefe do Instagram chega no momento em que a Meta se prepara para usar ainda mais dados dos usuários. A partir de 16 de dezembro, a nova política de privacidade permitirá que interações em ferramentas de IA, como a Meta AI, sejam usadas para segmentar anúncios em diferentes mercados – até aqui as conversas podiam ser usadas para treinar os modelos de IA da companhia.
A Meta AI é um assistente virtual com IA, disponível no WhatsApp, Instagram e Facebook. Ele conversa com os usuários, responde perguntas, dá recomendações e registra interações que ajudam a Meta a entender interesses e preferências, tudo sem ouvir o microfone do celular.
Essa mudança deve aumentar a sensação de vigilância, porque conversas com assistentes virtuais (muitas vezes pessoais) vão alimentar o sistema de publicidade, ampliando a base de dados além do tradicional modelo de recomendações “quem gostou disso também gostou daquilo”.
Mosseri ressalta, porém, que nem sempre há mistério por trás dos anúncios. Muitas vezes, o usuário já teve contato prévio com determinado produto ou anúncio sem perceber, o que cria a impressão de que a rede social “lê mentes”.
Teoria da conspiração ou realidade?
Para muitos usuários, a ideia de que os aplicativos escutam conversas para direcionar anúncios soa como teoria da conspiração, mas, a prática já foi admitida por empresas de publicidade, mostrando que o mito não é totalmente infundado.
Em 2023, duas companhias americanas, MindSift e Cox Media Group (CMG), afirmaram publicamente que utilizavam microfones de celulares para captar conversas e direcionar publicidade altamente segmentada. A CMG chamou a prática de Active listening (“Audição ativa” em português), com capacidade de identificar consumidores “a partir de conversas casuais em tempo real”. Já a MindSift confirmou que sua tecnologia de análise de dados de voz de milhões de dispositivos permitia saber quando alguém buscava produtos ou serviços no mercado.
Apesar das declarações, as empresas não explicaram exatamente como essas ferramentas funcionam, o que levanta dúvidas sobre sua real eficácia. A CMG chegou a dizer que a tecnologia poderia dar vantagem às empresas sobre concorrentes, mas retirou as informações após a repercussão negativa. A MindSift também removeu menções à ferramenta de seus canais de mídia social.
Em 2024, Google, Meta e Amazon negaram qualquer envolvimento e tomaram medidas contra a prática. De acordo com o veículo americano New York Post e a empresa 2PM, a senadora americana Marsha Blackburn abriu investigação sobre a CMG, questionando se a ferramenta respeitava as regras de privacidade. Em resposta, a empresa descontinuou o Active listening e afirmou que nunca teve acesso a conversas reais, apenas a dados agregados.
No caso da MindSift, pressão da imprensa e do público levou a empresa a remover menções à tecnologia. Ela não divulgou declarações detalhadas, mas a ação sugere uma tentativa de minimizar o impacto negativo. Esses casos mostram que, mesmo com grandes plataformas como Meta e Google negando o uso de microfones, o debate sobre privacidade e publicidade personalizada continua em destaque.