Cidades

Infratores liberados por falta de vagas

J.P.S.C., 16 anos, foi pego pela polícia em tentativa de roubo em Cuiabá. Foi parar no Pomeri, onde ficou pouco mais de 90 dias. Quatro meses depois, foi detido novamente, desta vez estava com outras quatro pessoas em um roubo. Em seu histórico, outras “pequenas infrações”, furtos ou roubo de coisas de baixo preço e algumas andanças por bocas de fumo em bairro de periferia. Não fora detido nas primeiras vezes, porque não havia espaço para interná-lo no Pomeri. Lá, os adolescentes infratores são “barra pesada” do crime, os 8% do total de internos vão para reclusão por homicídio, latrocínio, tráfico de drogas.

Ele é uma figura que bem representa a situação dos internos em centro socioeducativos de Mato Grosso. Lugares que deveriam cumprir a função de ressocialização, mas estão bem longe desse critério. Os motivos são diversos, a começar pela precária infraestrutura de atendimentos.

Existem decisões judiciais que obrigam o Estado a construir centros socioeducativos em seis cidades de Mato Grosso há dez anos, mas não há nenhuma previsão para que os trabalhos comecem a ser executados. Hoje, os 180 adolescentes, meninos e meninas, com idade entre 15 e 17 anos, em reclusão por atos infracionais estão alojados em antigos prédios de cadeias ou de delegacias, quem não possuem estrutura adequada para o desenvolvimento de trabalhos de ressocialização.

Todas elas já têm status de transitado em julgado e começaram a ser deferidas em 2006, com decisão da Vara da Infância e Juventude de Cáceres. Em 2007, a comarca de Rondonópolis também determinou que o Estado desse início à execução de obras na cidade. No mesmo ano, Barra do Garças deferiu ação semelhante.  Em 2010, outras duas ordens judiciais foram emitidas pelas comarcas de Tangará da Serra e Sinop, que teve retificação da Justiça Federal. A mais recente é a da Vara da Infância e Juventude de Cuiabá, de 2011.

Conforme a presidente do Conselho Estadual da Criança e do Adolescente (CEDCA), Annelyse Cândido, desde a primeira determinação judicial nenhuma ação foi tomada pelos gestores que passaram pelo Palácio Paiaguás neste período. As obras estão destinadas para Cuiabá, Várzea Grande, Tangará da Serra, Sinop, Cáceres e Barra do Garças.

“Além de não cumprir medidas do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), o governo estadual não tem prioridade para trabalhar pautas de direitos de crianças e adolescentes, seja por falta de interesse, seja por desconhecimento de determinações de leis”.

Ela diz que a falta de infraestrutura é o principal gargalo do sistema de ressocialização de menores em conflito com a lei em Mato Grosso. Provoca efeitos no processo de reeducar os infratores para o reingresso à sociedade.  

“Se não há uma estrutura adequada para o desenvolvimento de atividades político-pedagógicas, os adolescentes ficam presos em seus quartos – que hoje estão mais para celas – sem fazer nada. E às vezes ele pode até sair pior do que entrou porque não consegue ter alternativa de ressocialização”.

Mais de 300 internações foram negadas nos últimos 12 meses

Mais de 300 pedidos de internação de adolescentes foram arquivados nos últimos 12 meses em Mato Grosso por falta de estrutura para abrigo nos centros socioeducativos. Cento e sessenta e cinco deles são de casos ocorridos em Cuiabá neste ano, conforme o juiz Túlio Dualibi Alves, da 2ª Vara da Infância.  Dezoito processos eram de crimes de roubo, sendo um de latrocínio (roubo seguido de assassinato).

“É uma decisão a se tomar. A lei diz que o menor só entra no socioeducativo com a autorização do juiz, ou seja, juiz que coloca. Mas não há estrutura nos centros para internação.  Se autorizo a internação, pode acontecer alguma coisa, e a culpa é do juiz. Se arquivo o pedido, o adolescente volta para a sociedade”, explica.

Ele diz que são diárias as trocas de pedidos de internação entre comarcas em Mato Grosso, por falta de suporte de infraestrutura. Mesmo assim, os acompanhamentos de movimentação nos centros não ocorrem na informalidade.

“Colegas de outras comarcas ligam para mim pedindo que eu receba um adolescente de sua cidade e vice-versa. Essas informações eu tenho compiladas aqui comigo porque faço uma planilha no Excel para atualização dos dados. Não existe uma rede oficial de comunicação entre as comarcas para acompanhamento das atividades. É um sistema precário”, conta.

O juiz diz que hoje o déficit em toda rede de socioeducativos em Mato Grosso é de 200 vagas. Uma vez que o pedido de internação é arquivado, o adolescente é liberado e não tem nenhum tipo de acompanhamento judicial ou de assistência social para avaliar seu comportamento.

Existem apenas cinco unidades no Estado

Mato Grosso tem hoje centros socioeducativos em apenas cinco dos seus 141 municípios (Cuiabá, Lucas do Rio Verde, Cáceres, Rondonópolis e Barra do Garças), além de uma obra paralisada há anos em Várzea Grande. 

O Estatuto da Criança e do Adolescente em seu Art.112, prevê que a aplicação de Medidas socioeducativas a adolescentes autores de atos infracionais. Apesar de configurarem resposta à prática de um delito, apresentam um caráter predominantemente educativo e não punitivo, dentre elas existem a execução das medidas socioeducativas de prestação de serviços à comunidade (PSC), liberdade assistida (LA), semiliberdade e internação que é de de responsabilidade da Secretaria de Estado de Justiça e Direitos Humanos (SEJUDH).

O problema pode ser mais bem entendido se a situação for estendida para a teia de relações dos infratores para fora dos centros. Conforme Annelyse Cândido, ao menos 80% de meninos e de meninas que cumprem medida socioeducativa  vivem em vulnerabilidade social. Na maioria dos casos, são pessoas que vêm de famílias em que parentes próximos têm envolvimento com criminalidade: pais com ligações com o tráfico de drogas, participação em grupos criminosos, além de cooptação pelo crime em gangues de bairros.

80% dos infratores são reincidentes

O presidente do Sindicato dos Agentes de Segurança de Socioeducativos de Mato Grosso (SINDPSS), Paulo César de Souza, diz que 80% dos adolescentes internos são reincidentes e já possuem histórico de envolvimento com a criminalidade antes da decisão judicial de reclusão.

“Há um número muito pequeno de meninas detidas nos centros de Mato Grosso. São 12 dos 180 hoje alojados. A maioria é de meninos que vivem em bairros de periferia, e quando vão para o Pomeri, por exemplo, já têm quatro, cinco ações anteriores por crimes considerados de baixo impacto, como pequenos furtos e roubos. Quando vão para os centros socioeducativos é por causa de tentativa de latrocínio, ou latrocínio, tráfico de drogas ou homicídios”, explica.

Ele diz que exames de avaliação de comportamento são realizados a cada três meses, quando o Tribunal de Justiça pode conceder liberdade assistida ou prorrogar o período de reclusão. Em penas definitivas, os menores ficam até três anos nos centros.

“Não é raro ocorrer de adolescentes voltarem para o Pomeri uma semana depois de ter sido liberado, e são presos por outros crimes. E isso também ocorre mais de uma vez com um mesmo adolescente”.

Ele também aponta a falta de estrutura dos prédios como o maior entrave para o desenvolvimento de políticas de educação e cursos profissionalizantes. “Hoje, os adolescentes se dividem em grupos para revezar em atividades escolares, que têm grade de escola regular e educação física. Isso ocupa, no máximo, umas seis horas por dias deles, no restante do tempo eles ficam trancafiados nos quartos. Entram às cinco horas da tarde e saem no outro dia cedo”.

Segundo ele, a situação é pior no interior de Mato Grosso, onde cada quarto que deveria abrigar dois adolescentes é ocupado por até quatro. Sinop e Cáceres são os municípios em situação mais precária por tamanho dos centros e a demanda de adolescentes.

Falta de funcionários fixos emperra atividades

A presidente do Cedca, Annelyse Cândido, diz que também há falta de organização administrativa nos centros socioeducativos. Ela diz não existir organograma, regimento interno que defina atribuições e competências, e também  para definir as funções de cada cargo. 

Isso provoca dificuldades no dia a dia para criar rotina de trabalho, “além da rotatividade de profissionais, grande parte Agentes de Atendimento Socioeducativo,  são contratados pela via do processo seletivo e não de realização de concurso público específico para a área. O Sistema se encontra a aproximadamente 06 (seis) anos sem realização de concurso público, sendo que de outros Sistemas da Segurança Pública já foi aprovado o que denota novamente a não priorização da Política da Socioeducação e o investimento de recusos públicos no atendimento Socioeducativo. Como reinserir adolescentes sem o investimento conforme preconiza a prioridade absoluta constitucional?” Critica.

Ela diz que além da rotatividade, há um problema da não continuidade das ações programáticas por parte desses profissionais, uma vez que encerrando seus contratos, provavelmente não permanecem na unidade. “Como podemos garantir formação continuada, na perspectiva da Socioeducação, com olhar para os direitos humanos, se o profissional será trocado sem a continuidade de compreensão da política socioeducativa”

Secretário diz que trabalhos serão liberados em períodos trimestrais

O secretário adjunto de Justiça, Enéas Correa Figueiredo, que assumiu o cargo em fevereiro deste ano, afirma que estudos de mapeamento de atividades no sistema socioeducativo de Mato Grosso estão sendo montados para a averiguação das condições de serviços. As construções ou as reformas de prédios nas seis cidades já determinadas pela Justiça serão executadas a partir de dados levantados nos estudos.

“Estamos trabalhando com planos trimestrais conforme recebemos –  orçamentos montados com projetos para as obras. No trimestre de julho a setembro, por exemplo, deverá entrar recurso para reforma do Pomeri. Também serão realizados serviços em Sinop e Rondonópolis, e nos outros municípios só conseguiremos falar no próximo trimestre”, diz.

A cada projeto, a previsão orçamentária é de R$ 1,5 milhão. Ainda segundo o secretário, o trâmite de serviços está em fase de editais que deve ser fechada nos próximos meses.

Ele diz que a dificuldade de trabalho e projeções para políticas no sistema do socioeducativo é a falta de documentos que apontem as fases de manutenção e as de ampliação do sistema.  “Não sabemos exatamente o que custa para trabalhar no sistema socioeducativo de Mato Grosso, os estudos que estão sendo realizados também passam por essa questão, para melhorar nossas próprias projeções”, explica.

O CEDCA afirma que uma parcela inferior a 20% do orçamento da Secretaria de Justiça e Direitos Humanos (Sejudh) é destinada para o setor. Montante apontado como insuficiente.

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Reinaldo Fernandes

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