Enquanto colocava a nova perna, Kelen sorria. "Sensação é inexplicável", disse emocionada. Ela ficou 78 dias internada no Hospital de Clínicas da capital. “A última vez que tinha andado foi de uma maca a outra, ainda em Santa Maria”, contou ao G1.
Estudante de Terapia Ocupacional da Universidade Federal de Santa Maria, na noite da tragédia a jovem estava na casa noturna ao lado de duas amigas. Elas não conseguiram se salvar. “Elas foram ao banheiro e eu estava sozinha. Quando me dei conta do que estava acontecendo falei ‘vou buscá-las’. Uma mão de um homem me puxou e disse ‘tu não vai’ e me levou até a frente. Acho que foi Deus”, relembra. “Puxei o vestido até o nariz e comecei a rezar. Pensava que não podia morrer ali”.
Na clínica, ela provou a prótese na companhia do pai. Assim como experimentar um vestido para uma festa, o protesista observou as adequações necessárias para o material, que são confeccionados ali mesmo. “Vamos ajustar tamanho, o peso. Ela vai utilizar um sistema que tem pé e tornozelo biônico, que lê os movimentos e antecipa”, explica o especialista Jairo Blumenthal. Auto-regulável, a prótese tem uma leitura de mil vezes por segundo e custa cerca de R$ 52 mil. “Ela dura cinco anos. Depois, tem de fazer a manutenção”, completa Blumenthal.
Sozinha, Kelen pode encaixar o objeto na perna. Já que a sua amputação foi transtibial, ou seja, abaixo do joelho, ela escolheu uma das técnicas mais avançadas. A única preocupação da jovem eram os sapatos. “Eu quero poder voltar a usar salto”, disse.
São necessários 13 cliques até que a malha que cobre a cicatriz se una à perna falsa através de um pino. Depois, é só treinar. “A gente normalmente não tem noção do peso da perna, mas a da prótese é muito mais pesada”, falou Kelen sobre as impressões iniciais.
Depois de caminhar ao lado do especialista, segurando-se em barras, a gaúcha conseguiu bater palmas, atender o telefone e segurar objetos sem precisar se apoiar. Desde que realizou a cirurgia de amputação, ela se locomovia com um andador. “Acho que mereço uma cervejinha!”, brincou.
Quem se emocionou ao ver a filha dar os primeiros passos foi o pai José Mauri Ferreira. Militar aposentado, conta que mal reconheceu Kelen ao vê-la no hospital após o incêndio. “Ela ficou muito inchada. Eu olhei o braço e tinha um vermelhinho, achei que fosse tatuagem, mas o médico me disse que eram queimaduras”, relembrou Mauri.
Já em Porto Alegre, ele recebeu uma notícia dolorosa cinco dias após o incêndio. “Os médicos me disseram que o estado dela era gravíssimo, que talvez não fosse sobreviver”, completou. Ao visitar a filha no CTI duas vezes por dia, Mauri sentia que os pés dela estavam gelados demais. A cirurgia de amputação foi realizada no dia cinco de fevereiro.
Segundo os médicos, o pé precisou ser amputado pois já não havia circulação. “Antes de sair da boate ainda pensei em tirar a sandália. Tirei a de um pé, mas logo me puxaram para a rua e fiquei com a outra presa ao tornozelo. Acho que foi isso”, explicou Kelen.
A rede de solidariedade que surgiu após o acidente ajudaram na sua recuperação. A convivência com pessoas que, agora como ela, também possuem algum tipo de deficiência, já era recorrente. Kelen realizava trabalho voluntário em um projeto de dança com cadeirantes. “É claro que eu nunca vou superar. Mas vou poder ajudar muita gente com a minha história de superação. A justiça tem que ser feita para todos”, finaliza.
G1