Política

Industria e empresas mato-grossenses acabam pagando a conta

Foto: Divulgação

Os números do agronegócio de Mato Grosso impressionam. Dono do título de maior produtor de algodão do Brasil, a safra 2014/2015 atingiu produtividade recorde de 274,1@/hectare (ha), segundo o Instituto Mato-grossense de Economia Agropecuária (IMEA). A soja, carro chefe do Estado, iniciou o ciclo 2015/2016 em meados de setembro – a última colheita registrou quase 28 milhões de toneladas. Porém, essa riqueza não é compartilhada com o restante da sociedade, já que a anistia da Lei Kandir aos agricultores prejudica essa divisão.   

A Lei Kandir (Lei Complementar nº 87/1996) regulamentou a aplicação do imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual, intermunicipal e de comunicação (ICMS). De competência dos Estados e do Distrito Federal, uma de suas normas é a isenção do pagamento por parte dos empresários sobre exportações de produtos primários ou semielaborados. 

Isso quer dizer que para Mato Grosso, um Estado essencialmente exportador de produtos primários – como soja, milho, algodão e carne –, a lei é prejudicial, pois interfere diretamente na arrecadação, uma vez que dispensa a cobrança de alíquota para esse tipo de produto quando ele é exportado.

Dados da Secretaria de Estado de Fazenda de Mato Grosso (SEFAZ-MT) apontam que a disparidade entre o que o poder público deixa de arrecadar com a anistia aos agricultores e o Auxílio Financeiro para Fomento das Exportações (FEX) – recurso criado pelo Governo Federal durante a gestão de Fernando Henrique Cardoso (PSDB) na presidência para tentar compensar a perda de arrecadação de ICMS dos Estados produtores do agronegócio – foi de 1220% em 2014, como mostra o gráfico ao lado.

Segundo o comparativo, as perdas relativas a isenções de ICMS foram da ordem de R$ 4,47 bilhões em 2014, ao passo que as transferências compensatórias atingiram R$ 369 milhões no referido ano. No Brasil, ainda de acordo com levantamento da SEFAZ, a perda de arrecadação em virtude da anistia aos empresários do agronegócio foi da ordem de R$ 380,9 bilhões no período entre 1996, ano de criação da Lei Kandir, e 2014.

Com esse montante, seria possível zerar o déficit habitacional brasileiro, que até 2012 era estimado em 5,2 milhões de casas. O cálculo leva em consideração um custo médio de R$ 70 mil para cada habitação.

Em Mato Grosso, também no período compreendido entre 1996 e 2014, a perda com o ICMS já atingiu R$ 38 bilhões, valor que poderia ser revertido para a construção de casas, hospitais, escolas ou até mesmo a viabilização dos investimentos logísticos, demanda antiga dos próprios produtores do agronegócio.

Lei Kandir retarda industrialização 

O importante dessa discussão é perceber que a Lei Kandir, do ponto de vista macro econômico, foi benéfica no sentido de equilibrar a balança comercial e tornar o Brasil mais competitivo. Por outro lado, o Estado é prejudicado, sobretudo pelas perdas da arrecadação de ICMS. Além disso, ela é um óbice, uma barreira, para a industrialização da agricultura e, consequentemente, da economia de Mato Grosso.

A opinião é do Pós-Doutor em Economia Agrícola e professor titular da Faculdade de Economia da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Benedito Dias Pereira. 

Em conversa com o Circuito Mato Grosso, o especialista ressaltou que desde 1996, quando a Lei Complementar nº 87/1996 foi instituída, o Brasil conseguiu transformar de negativo para positivo o saldo da balança comercial, entretanto, o preço foi alto, sobretudo para os Estados produtores de commodities.

“A lógica da Lei Kandir é desonerar de ICMS os produtos primários e semielaborados destinados à exportação, ou seja, ele é um atrativo para o produtor vender seu produto para fora do Estado. Mas se ele circulasse internamente, surgiria uma demanda natural pela industrialização, além do aumento de arrecadação dos Estados”, afirmou.

Outra consequência negativa da Lei Kandir, segundo Benedito, é a mudança da base econômica estadual para produtos primários e semielaborados, além da perda de participação do PIB de Mato Grosso nos municípios que não são produtores do agronegócio.

Secretário de Fazenda cobra repasse

Em audiência pública na Assembleia Legislativa (AL), realizada no último dia 28 de setembro, o secretário de Fazenda de Mato Grosso (SEFAZ-MT), Paulo Brustolin, afirmou que o Governo Federal tem prejudicado o Estado nos repasses do FEX.

"Mato Grosso tem sido vítima do desequilíbrio fiscal do Governo Federal, de como as contas públicas do Governo Federal são conduzidas", disse ele.

A audiência pública para debater o assunto foi solicitada pelo deputado Wilson Santos (PSDB) e contou com a participação de representantes da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Mato Grosso (Famato), Aprosoja, Instituto Mato-grossense de Economia Agropecuária (Imea) e Associação dos Exportadores de Cereais. 

Famato põe a culpa no Governo Federal

O Auxílio Financeiro para Fomento às Exportações (FEX) tem sido matéria polêmica desde sua criação, uma vez que ela nunca compensou a anistia de ICMS aos agricultores exportadores e que, por não ser regulamentada ou vinculada a outros impostos, como IPI e Imposto de Renda, fica refém do orçamento, dando a entender que o cidadão comum, no final, é quem paga uma conta que deveria ser dos empresários do agronegócio.

Na audiência pública de 28 de setembro, que discutiu os impactos e possíveis saídas para a perda de arrecadação de ICMS dos Estados, realizada pela Assembleia Legislativa (AL), o presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Mato Grosso (FAMATO-MT), Rui Prado, culpou o Governo Federal pelo atraso desses repasses, qualificando a ação como “calote”

“O que nós estamos tratando neste momento, para resumir em uma palavra, é de um verdadeiro calote. O Estado brasileiro vem dando, todos os anos, o calote em Mato Grosso”. 

O vice-presidente institucional da Câmara de Dirigentes Lojistas de Cuiabá (CDL), Paulo Gasparoto, defende uma posição moderada em relação ao assunto. Reconhecendo que o agronegócio também recolhe ICMS, sobretudo de insumos e maquinários, ele afirma que há necessidade de uma discussão ampla sobre a Lei Kandir.

“A discussão deve ser feita com cautela, entre o setor produtivo e o Governo, de modo a analisar se essa tributação será benéfica ou não para os Estados”.

Confira detalhes da reportagem do Circuito Mato Grosso

Diego Fredericci

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