Circuito Entrevista

Incentivos não dão o retorno esperado, diz Conselheiro

Foto: Reprodução 

Luis Henrique Lima possui “tripla naturalidade”, como ele gosta de dizer. Nascido em Santa Catarina, e criado no Rio de Janeiro, o conselheiro substituto do Tribunal de Contas do Estado (TCE-MT) exerce em Mato Grosso uma parte importante de sua carreira, tendo até mesmo recebido o título de “cidadão mato-grossense” da Assembleia Legislativa (AL-MT).

Bacharel em economia e Dr. em Planejamento Energético pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Lima possui vasta experiência na fiscalização contábil e gerenciamento de recursos públicos. Ex-secretário de Estado de Administração do Rio de Janeiro entre 1992 e 1994, e titular da pasta estadual de Saneamento e Recursos Hídricos, também no Rio, nos anos de 2000 e 2002, o conselheiro substituto já atuou como auditor federal de controle externo do Tribunal de Contas da União (TCU), cargo que deixou em 2009.

Entre os assuntos abordados na entrevista concedida ao Circuito Mato Grosso, Luis Henrique Lima afirmou que a política de renúncia fiscal deve ser transparente e possuir “finalidade pública”, dizendo que o Estado deve adotar critérios objetivos em relação aos seus interesses na hora de abrir mão da arrecadação. Ele comentou ainda que uma das principais pautas discutidas hoje nos TCE’s brasileiros é a forma como a concessão desses benefícios poderia ajudar no desenvolvimento da sociedade. 

Circuito Mato Grosso: Na sua avaliação a renúncia fiscal pode ser um advento para dinamizar e melhorar a economia de uma sociedade?

Luis Henrique Lima: A renúncia fiscal é uma política pública utilizada por praticamente todos os governos do mundo. Tanto nacionais quanto subnacionais. É algo absolutamente normal. E como toda política pública ela pode ser utilizada de forma eficiente ou ineficiente, para privilegiar a maioria ou favorecer pequenos grupos.

CMT: Quais os métodos de aferição existentes para saber se a renúncia fiscal está de fato trazendo benefícios à sociedade?

Lima: Só para a gente ter uma noção do que estamos falando, em 2016 o montante da renúncia fiscal na esfera federal é R$ 271 bilhões de reais. Ou seja, mais de 16 vezes o orçamento de Mato Grosso. Aqui no Estado ela é R$ 1,5 bilhão, um pouco abaixo de 10% do orçamento estadual. Então, são recursos muito significativos, e por isso mesmo, essa é uma política pública que deve ser objeto de discussão pela sociedade, de acompanhamento pelo poder legislativo e órgãos de controle, além de ser bastante transparente, porque é muito dinheiro envolvido.

Como é o desenho ideal para uma política de renúncia fiscal? Digamos que você queira estimular determinado setor, cultura ou indústria, por exemplo. No setor da indústria você desenha um programa e estabelece regras, o que justifica o Estado abrir mão de uma receita que poderia ser empregada em outras áreas? E como nós vamos medir isso? Uma das prioridades é a geração de emprego? Caso sim, colocamos essa demanda como item de pontuação. Então desenhamos um programa para indústria, desenhamos um programa para a cultura e aí aquele empreendedor cultural, ou aquele postulante a industrial, apresenta seu projeto, os empregos que serão gerados e os incentivos dos quais precisa. Então celebra-se o contrato e é feita a concessão do incentivo para aquele projeto.

No caso do empreendedor cultural, que quer montar uma ópera de Mozart ou um festival de musica raiz, por exemplo, ele também vai detalhar seus custos. E o poder público precisa definir as suas prioridades. Este projeto enquadra-se na política cultural do Estado? Então ele é aprovado e recebe incentivos do poder público. São duas modalidades muito comuns de renuncia fiscal que encontramos em todo o Brasil. O que é importante num programa desse são as prioridades do Estado, que precisam ser claras. A concessão dos benefícios deve ser feita de forma impessoal, e é necessário que haja mecanismos de acompanhamento e de prestação de contas. Por exemplo, se você assumiu o compromisso de gerar 100 empregos e ao final de dois anos só conseguiu criar 25, você não está cumprindo seu compromisso.

Se no projeto cultural você disse que instalaria 5 bibliotecas volantes para atender as comunidades indígenas, mas só conseguiu comprovar a existência de duas, então você também não fez jus aquele benefício. Nesses casos, o programa deve prever mecanismos de ajuste, incluindo sua revogação. Se os objetivos não forem alcançados devido a situações excepcionais, o Estado deve acompanhar para avaliar a questão. Acompanhar, monitorar e cobrar, porque é uma política que tem finalidade pública. Não pode ser uma política para favorecer um projeto artístico que só interessa a um determinado grupo que não tem articulação com uma política cultural maior, ou favorecer um determinado grupo industrial desconectado com uma política de desenvolvimento do Estado. É uma política pública, normal, válida, justificável, mas que tem que ser bem desenhada para atingir a finalidade pública.

SUGESTÃO DE OLHO: A deste benefício precisa ser feita de maneira impessoal, e é necessário que haja mecanismos de controle e prestação de contas

CMT: Certos setores da economia reclamam da falta de transparência da renúncia fiscal que beneficia empresas e grupos. Você acha que falta transparência do poder executivo?

Lima: Recentemente tivemos um grupo de trabalho com membros dos Tribunais de todo o Brasil discutindo o assunto. É um tema relevante, pois em todo o Brasil ele possui problemas. A percepção que se tem é que os incentivos não estão dando a sociedade um retorno proporcional ao investimento que vem sendo feito. Em Mato Grosso nós fizemos um trabalho em 2009 sobre o tema. Podemos verificar que a renúncia fiscal crescia num ritmo maior que a receita tributária de Mato Grosso, do que o nível de emprego, crescia mais do que o PIB e havia uma expansão maior até mesmo do que os investimentos realizados em saúde, educação e segurança.  

O governador na época era Blairo Maggi. O que aconteceu ao longo da gestão seguinte, apesar das nossas recomendações, foi o agravamento da situação: a renúncia continuou crescendo de forma concentrada e descontrolada, Nós fizemos nosso trabalho, nunca deixamos de dar recomendações. Mas as leis são feitas por quem tem a legitimidade para tanto, que são os poderes legislativo e executivo. O Tribunal só aponta o que precisa-se melhorar. O resultado disso é que hoje tem gente presa e uma das coisas que levaram a essas prisões são relacionadas a renúncia fiscal do Estado. Já o governo atual promoveu alterações nessa sistemática, alterações legislativas, na forma de funcionamento. Tem gente nova que tá cuidando desse assunto. Hoje a realidade é substancialmente diferente. Neste momento o Tribunal está realizando uma outra auditoria para analisar este assunto, que vai tratar a realidade de hoje.

SUGESTÃO DE OLHO: Nos últimos anos, a renúncia fiscal crescia num ritmo maior do que a evolução da receita tributária, da geração de empregos, o pib estadual e era superior até mesmo aos investimentos em saúde, educação e segurança. Sempre fizemos recomendações que não foram seguidas. O resultado é que hoje pessoas estão presas

CMT: Qual a competência do Tribunal de Contas na fiscalização da renúncia fiscal?

Lima: As competências do Tribunal de Contas estão previstas na Constituição e detalhadas na legislação infraconstitucional. Julgamos as contas, realizamos inspeção de auditorias, aplicamos sanções, fazemos determinações. No próprio coração das atribuições do tribunal de contas está não apenas verificar se a despesa esta sendo executada conforme a legalidade, a legitimidade e a economicidade, mas também a renúncia da receita. Então está no centro da nossa missão. Mas, historicamente, os tribunais dedicaram a maior parte da sua energia para cuidar da despesa. O que o Tribunal de Contas pode fazer? Na definição da política ele pode fazer sugestões e recomendações, o que é pouco. Na execução da política ele pode fiscalizar.

Então, da mesma forma que recebemos uma denuncia de que um determinado contrato está superfaturado e isso está gerando dano ao erário – podendo aplicar punições para que o contrato seja repactuado -, se chegar uma denúncia de que determinada concessão de incentivo ocorreu de forma ilegal, ilegítima, ou anti-econômica, que está causando prejuízo, nós também podemos determinar o procedimento corretivo e aplicar as sanções que estão dentro da natureza do controle. Muitos leitores, como parte da população, afirmam que nós não prendemos ninguém. É verdade, pois não somos uma corte penal, somos uma corte de contas. O processo civil e penal são atribuições do poder judiciário. Nós cuidamos do controle da gestão. Podemos determinar que se corrijam contratos, anulem procedimento, aplicamos multa mas não podemos ir além das nossas competências.

CMT: A cervejaria Petrópolis, instalada em Rondonópolis, é uma das maiores doadoras de campanha governadores aqui de Mato Grosso e só em 2012 o Estado deixou de arrecadar R$ 136 milhões em renúncia fiscal. Essa relação entre empresas e políticos é benéfica?

Lima: Primeiro, não vou comentar um caso concreto porque isso me tornaria impedido de participar de qualquer julgamento sobre o matéria que chegar ao Tribunal. Em tese, o Brasil inteiro está revendo de forma muito crítica a questão de contribuições para campanhas eleitorais. Tanto assim que para essas eleições foram proibidas qualquer tipo de doações de pessoas jurídicas para campanha de qualquer tipo. Essa nova legislação me parece muito salutar, não apenas no que diz respeito a política de incentivos fiscais mas também em vários outros tipos de relações econômicas entre o poder público e a iniciativa privada. Quando essas relações se estabelecem puramente em base de questões contratuais é uma coisa. Mas se elas se estabelecem sobre contrapartidas de doações, geralmente o interesse público acaba sendo afetado.

CMT: Quais os desafios para a fiscalização da concessão de incentivos fiscais no Estado, na sua avaliação?

Lima: O que eu posso dizer é que o Estado, a sociedade, ganha se aumentarmos a transparência. Eu quero entrar na internet, na página do Ministério da Cultura, e saber quanto de renuncia fiscal recebeu o Rock in Rio, o Disney On Ice, se a politica de incentivos a cultura é voltada para fomentar a expressão artística e regional. Se o Disney On Ice recebeu alguns milhões da cultura, por exemplo, gostaria que o Ministério da Cultura mostrasse sua justificativa para não incentivar um projeto de cultura regional. Se o Estado de Mato Grosso está concedendo uma renúncia de ICMS para alguém instalar uma empresa num determinado município, no interior do Araguaia ou onde for, que esteja ali o prazo, o investimento, os empregos que ela se comprometeu a gerar. A população vai tem que perceber quanto poderá ter em benefícios. A transparência é a pedra de toque tanto em termos municipais, quanto estaduais e nacionais.

Diego Fredericci

About Author