Cidades

Imbróglio nas mãos do Estado de Mato Grosso

Foto: Ahmad Jarrah / CMT

A tragicomédia chamada “VLT” parece longe de um desfecho. Após uma controversa alteração da escolha pelo modal a ser construído – em face do descarte do projeto executivo de Bus Rapid Transport (BRT) – a sociedade da Baixada Cuiabana vem amargando sucessivas frustrações na espera pelo transporte. Orçada em R$ 1,47 bilhão, a obra, programada para ser entregue em março de 2014, tem só 56% concluída e já consumiu dos cofres públicos R$ 1,066 bilhão, segundo dados do próprio consórcio responsável pela implementação do sistema de transporte. 

De comerciantes e empresários ao longo das principais avenidas de Cuiabá e Várzea Grande, que assistiram bestializados o definhar de seus negócios, ao povo humilde, que foi iludido por uma aventura bilionária de ex-gestores e políticos poderosos, hoje presos ou alvos de investigações da polícia, todos correm o risco de presenciar um alto investimento financeiro e social ir pelo ralo.

Um dos principais entraves para o andamento das obras, as desapropriações são outra dor de cabeça para os defensores da implantação do modal. Além dos problemas políticos e financeiros, 235 imóveis ainda estão no caminho do VLT Cuiabá/ Várzea Grande, e que precisam ser demolidos para a passagem dos trens.

Uma reportagem de 2011 do jornal O Estado de São Paulo já profetizava o drama vivido pelos cidadãos mato-grossenses e a farra com dinheiro público. Assinada por Leandro Colon, uma entrevista realizada com um técnico do Ministério das Cidades, em Brasília, denunciou a fraude na escolha pelo VLT em detrimento do BRT. Higor Guerra, servidor federal afirmou literalmente que “houve fraude” e que durante uma reunião na época, entre integrantes do Governo de Mato Grosso, escutou dos representantes que “a escolha pelo modal era política”.

A partir de então o Veículo Leve sobre Trilhos esteve na mira do Ministério Público, da Justiça e da imprensa, que desde o início, denunciavam a falta de projeto executivo, a escolha política desprezando o conhecimento técnico, e o polêmico Regime Diferenciado de Contratação (RDC), criado para dar “celeridade” às obras que atenderiam a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016. O modelo de contratação não exige apresentação de projeto executivo antes do início da obra.

O ex-governador Silval Barbosa (PMDB), o ex-presidente da Assembleia Legislativa José Geraldo Riva (Sem partido) e o ex-presidente da extinta Agência Estadual de Execução de Projetos da Copa do Mundo 2014 (AGECOPA), Éder Moraes, foram os “padrinhos” do sistema colocado “Goela Abaixo do Povo”, como destacou a edição especial 378 do Circuito Mato Grosso, de fevereiro de 2012 – há quase quatro anos. Desses, apenas Éder Moraes está em liberdade assistida, pois utiliza uma tornozeleira que monitora seus passos.

Silval e Riva não tiveram a mesma sorte e estão presos.

A chegada de um novo governo deu certa esperança à população da Baixada Cuiabana. Mas Pedro Taques (PSDB), atual chefe do Palácio Paiaguás, vem se esquivando em dar uma resposta definitiva para um problema. Uma consultoria foi contratada, por dispensa de licitação (nº 001/2015), para realizar “estimativas de término da atual implantação do Veículo Leve Sobre Trilhos, bem como a elaboração dos estudos tarifários”. A empresa escolhida sem concorrência, Kpmg Consultoria Ltda, receberá R$ 3.880.981,58 pelo serviço.

VLT do Rio de Janeiro custa bem menos e transporta bem mais

O Circuito Mato Grosso entrou em contato com cidades brasileiras que implantaram ou estão em fase final de testes do Veículo Leve Sobre Trilhos.

Em contato com a Companhia de Desenvolvimento Urbano da Região do Porto do Rio de Janeiro (CDURP), da prefeitura do Rio de Janeiro, o Circuito pôde conhecer detalhes do projeto da Cidade Maravilhosa anotando, entre outras coisas, que a relação custo/benefício é bem superior ao VLT de Cuiabá – considerando, é claro, as informações preliminares sobre o projeto de Mato Grosso, pois, a bem da verdade, ninguém sabe ao certo os detalhes da iniciativa uma vez que não há projeto executivo que sustente afirmações técnicas.

O chamado “VLT Carioca” funcionará por 24 horas, por meio de uma rede cuja extensão é de 28 km – 22 km a menos do que o “previsto” para o modal de Cuiabá e Várzea Grande. Mas a principal diferença é seu custo total, previsto em R$ 1,2 bilhão, quase o que já gastou o Governo de Mato Grosso, não fosse o detalhe que a fase de operações iniciais do VLT do Rio de Janeiro devem ocorrer em abril de 2016. Já o nosso modal…

 A assessoria da Companhia informou ainda que cada composição comporta 420 passageiros, com tempo de espera entre 3 a 15 minutos, dependendo da linha. Outro fator chave, que expõe a diferença de demandas e suas respectivas necessidades pelo tipo de transporte mais adequado, reside em sua capacidade diária. Juntas, Cuiabá e Várzea Grande, as duas cidades que seriam atendidas pelo VLT, possuem 849.083 habitantes, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e tinham previsão de atender 35 mil usuários diariamente.

O VLT do Rio de Janeiro, município com 6.479.631 habitantes, de acordo com o IBGE, tem previsão de atender 300 mil pessoas por dia em sua operação plena.

Quanto ao modelo tarifário, a CDURP esclareceu que ainda não foi definido o valor da tarifa e que hoje não há previsão de subsídios por parte do poder público.

Entrevistas

Luiz Miguel de Miranda

O Doutor em Engenharia de Transportes pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e docente da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Luiz Miguel de Miranda, também contribui com a reportagem do Circuito sobre o VLT.

Circuito Mato Grosso: É possível fazer um prognóstico do resultado dessa auditoria que verificará a viabilidade da implantação do VLT?

Luiz Miguel de Miranda: Não tenho conhecimento dos Termos de Referência (TR) seguido pela contratada, mas o trabalho certamente se iniciará pela verificação do estudo de demanda. A falta de conhecimento dos TR nos leva a trabalhar com cenários baseados nos dados já divulgados pelo Governo do Estado

1 – O Estado arca com os custos da conclusão da infraestrutura (pistas, estações, rede elétrica, sinalização, centro de controle operacional etc) e material rodante (trens e veículos operacionais de linha), e a operação do sistema é definida em licitação por processo de concessão, cabendo ao concessionário conservar e manter o equipamento e a infraestrutura. A tarifa nesse caso deve ser calculada para arcar com todos esses encargos e ainda dar uma margem de lucro para o operador.

2 – O Estado contrata a concessionária que se encarrega da conclusão do projeto, construção e operação do sistema em toda a sua extensão, podendo cobrar ou não a taxa de outorga. Para o VLT cujos veículos já foram comprados, não resta outra saída que não seja assumir essa dívida ou repassá-la para a concessionária e assegurar subsídios para operação do sistema.

3 – O Estado conclui a implantação da infraestrutura, desiste de implantar o VLT e retorna ao projeto do BRT. O aproveitamento da infraestrutura, como se disse, é total, e o material rodante pode ser adquirido para órgãos e entidades que tenham interesse neles.

Circuito: Quais as variáveis mais críticas, na sua opinião?

Luiz Miguel: Não havia necessidade de implantar um modal com capacidade tão superior às necessidades deste momento. Além disso, há a limitada extensão da rede, que ao invés de 22 km de VLT poderia ser de 42 km de BRT que garantiria maior capilaridade no tecido urbano das duas cidades, por um custo infinitamente menor. Por fim, estabelecer a tarifa única para alcançar a integração entre VLT e ônibus urbano é um desafio enorme, o que poderia ser evitado caso o modal indicado fosse o BRT.

Circuito: Se o governo optar por continuar a obra, é possível fazer uma previsão sobre seu término?

Luiz Miguel: Há uma série de circunstâncias que devem ser consideradas. Existe projeto executivo? Já está definido o fornecimento de energia para tração do VLT? As desapropriações estão concluídas? Se não houver falhas, desde a disponibilidade de rotas de desvio, até à falta de pagamentos por parte do contratante, as obras do modal em Cuiabá poderiam ser concluídas até o fim de 2018.

José Mateus Rondina

O Circuito Mato Grosso buscou a opinião do engenheiro eletricista, Doutorando pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU), chefe de departamento do curso de Engenharia Elétrica e docente da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), José Mateus Rondina, acerca das implicações técnicas da implantação e operação do Veículo Leve sobre trilhos (VLT). Confira abaixo:

Circuito Mato Grosso: Do ponto de vista da engenharia elétrica, há algum impedimento, por exemplo, em relação a capacidade de tração em áreas de diferentes níveis, como a Prainha e a Av. Coronel Escolástico?

José Mateus Rondina: Já ouvi até dizer que os trilhos deveriam ter diferença de tamanho, há muita desinformação técnica. Temos que considerar que, primeiro, o VLT era um sonho, um transporte moderno. O VLT não teria esse problema de tração. Poderia transitar entre a Prainha e a Coronel Escolástico. De uma forma geral, um trem deveria se locomover em regiões planas. Mas se trens com toneladas e toneladas se deslocam, nos terrenos mais acidentados possíveis, então o VLT, pelo próprio nome, tem condição técnica de tração sem nenhum problema. É uma tecnologia moderna. Até onde vai meu conhecimento, o problema do VLT não é técnico. Mas é um modal de transporte muito caro pela quantidade de deslocamentos para a região da grande Cuiabá. Pelo que sei, o BRT seria mais apropriado. Optou-se, politicamente, pelo modal muito mais caro. O custo de manutenção e operação é muito alto. Isso sem entrar no mérito como as verbas foram aplicadas: cpi’s e investigações já estão em andamento. Existem dificuldades, como subestações mal posicionas, por exemplo, mas que não comprometeriam o projeto. O problema é político.

Circuito: Quais os maiores custos de manutenção do modal, na sua avaliação?

Rondina: O VLT é diferente, pois a única forma de manutenção está no fornecedor, na Espanha. O custo fica lá encima. Esse custo preocupa. Os vagões estão parados lá, se deteriorando.

Circuito: No momento de mudança de VLT para BRT a comunidade técnica de Mato Grosso queixou-se de que nunca foi convidada para participar das discussões, e a UFMT não foi exceção…

Rondina: Eu pelo menos nunca vi ninguém ser convidado para nenhuma discussão. Só pela imprensa é que ficamos sabendo que poderia haver um VLT. Temos aqui profissionais de todas as áreas do conhecimento. Poderíamos ajudar muito.

Circuito: Considerando as dificuldades políticas, o senhor acha que o governo deveria concluir a implantação do VLT?

Rondina: Minha opinião é que o governo deveria terminar. Criou-se uma expectativa no povo. Os culpados deveriam ser punidos, mas o VLT deveria sair. Os carros estão todos parados, se deteriorando. Isso não se justifica.   

Confira detalhes da reportagem no jornal Circuito Mato Grosso 

 

Diego Fredericci

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