O livro Ikuiapá na boca do Pari se achega aos propósitos do Projeto de Lei Federal nº 2.479, de 2013, que instituiu o 31 de Outubro como o Dia do Saci, figura mítica do folclore nacional. A data foi criada com o propósito de valorização do folclore nacional. O Dia das Bruxas, Halloween, celebrado no mesmo dia, se distancia dos costumes e tradições brasileiras. Assim como o Dia do Saci faz resistência às bruxas norte-americanas, uma resposta ao colonialismo cultural imposto por nações do chamado “primeiro mundo”, Ikuiapá na boca do Pari vem para fazer frente à colonialidade de poder em relação à América Latina. Por que não?
Ano de 2016. A história do livro juvenil Ikuiapá na boca do Pari nasceu em minha residência, durante um café da manhã na companhia de Edu e Rosemar. Conversa vai… conversa vem… Rosemar contou a decisão de sua família em retornar à região conhecida por “Boca do Pari”, em alusão a um dos afluentes do rio Cuiabá. Lugar recheado de memórias de infância, o cuiabano de “tchapa e cruz” reviveu os tempos de criança na casa da avó Chica onde moravam seus pais Kiko e Muco e irmãos.
Naquela manhã, Rosemar nos trouxe com riqueza de detalhe as proezas do menino Branco, seu apelido, vividas no encontro das águas do Pari e Cuiabá, morada do Minhocão do Pari, ser sobrenatural que permeou inúmeras noites de contação de histórias vindas da voz de seu pai Kiko, à luz de lamparinas.
O livro, agraciado com recursos do edital da Secretaria de Cultura, Esporte e Turismo de Cuiabá, se destina aos alunos do Ensino Fundamental (6º ao 9º anos) e do Ensino Médio. Preocupa-se com a cultura mato-grossense, em fazer crescer ainda mais uma consciência socioambiental. Para além do campo da preservação do patrimônio cultural e ambiental, o livro percorre caminhos da Etnografia, da História, da Geografia, da Literatura e da Cultura, áreas que trazem à tona acontecimentos importantes sobre o rio Cuiabá e seu entorno: afluentes, comunidades e cidades ribeirinhas, bens materiais e imateriais.
O rio Cuiabá é o cenário de Ikuiapá na boca do Pari. Da barra do rio Pari até a barra do rio Paraguai, águas que chegam de diversas direções e se misturam. Nesse percurso fluvial, Minhocão do Pari, ser mítico representado por uma enorme serpente que habita a barra do rio Pari, contracena com a avó Chica, moradora de muitos anos das águas do Pari, e Branco, seu neto, personagens centrais da trama que dialogam com seres sobrenaturais, moradores do rio Cuiabá e das baías de Siá Mariana e Chacororé. O indigenista José Eduardo e a artista plástica Ruth Albernaz fornecem preciosas informações sobre “Por onde foi visto o Minhocão do Pari”, mapa fluvial percorrido pela serpente atormentada com as condições das suas águas.
A narração dos acontecimentos inicia-se com a partida de Minhocão do Pari, na altura da foz do rio Pari, quando deságua no Cuiabá, com baixo nível de água e alto nível de poluição. Seguirá a serpente em direção ao rio Paraguai em busca das “Água sem males”, onde existiriam águas límpidas, fartura de alimento e o dom da dádiva, tal qual o mito Guarani da “Terra sem males”.
À missão de Minhocão do Pari de encontrar as “Águas sem males” juntam-se gentes e fatos do tempo pretérito e do tempo presente. Cada uma das figuras da narrativa evidencia não somente a urgência da preservação da natureza, da formação de uma consciência socioambiental e da adoção de pequenas ações que com certeza podem transformar nossa cidade, nosso rio em ambientes saudáveis. A possibilidade de contar com a contribuição de todos para ajudar o planeta vê-se no percurso do réptil gigantesco que serpenteia as águas do rio Cuiabá. A trama é construída no diálogo com seres humanos (cuiabanos, “pau-rodados”, povos indígenas, timoneiros, pescadores, ceramistas, escravos, vaqueiros, músicos, escritores, artistas plásticos) e com seres sobrenaturais, estes descritos por Dunga Rodrigues, Mário César e pela tradição oral de Kiko, pai de Branco.
Vamos nos juntar a eles para salvar o rio Cuiabá?