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Ibovespa volta a novembro de 2023 com Trump, China, fiscal e rebaixamento

O rebaixamento das ações brasileiras pelo HSBC para underweight se somou a outros fatores que minavam o apetite ao risco desde cedo nesta sexta-feira, 3, como as incertezas com o quadro fiscal e com o ritmo de crescimento da China, além da expectativa de que o governo de Donald Trump seja mais protecionista. A liquidez no segundo pregão de 2025 foi reduzida assim como na véspera, em meio a uma agenda escassa. Nem mesmo a alta das bolsas de Wall Street foi capaz de impulsionar a referência da B3, que fechou em seu menor valor em pontos desde 6 de novembro de 2023.

Com giro de apenas R$ 20,3 bilhões, aquém da média de cerca de R$ 23 bilhões, o Ibovespa encerrou o segundo pregão de 2025 em baixa de 1,33%, aos 118.532,68 pontos, e acumulou desvalorização de 1,44% na semana. Das 87 ações que compõem o Ibovespa, só 10 subiram nesta sexta-feira.

O HSBC descreveu o Brasil como uma “armadilha clássica de valor”, visto que o valuation parece barato – com Preço por Lucro (P/E, na sigla em inglês) projetado para 12 meses em 6,6 vezes -, mas mencionando que ainda assim dificilmente haverá um re-rating até que haja uma queda da taxa de juros e do retorno oferecido pelos títulos de renda fixa, o que pode não ocorrer antes do segundo semestre.

O sócio-fundador da Ciano Investimentos, Lucas Sigu Souza, diz que a insegurança com as questões fiscais naturalmente faz com que investidores, tanto brasileiros quanto estrangeiros, não aloquem no País.

O fluxo de capital externo ficou negativo em R$ 32,108 bilhões em 2024, o menor valor desde 2020, quando as consequências da pandemia de covid-19 machucaram a renda variável. Reportagem especial do Broadcast (sistema de notícias em tempo real do Grupo Estado) mostra que o retorno de Trump à presidência dos Estados Unidos, o que sugere uma economia americana mais resiliente e menor interesse dos investidores por países emergentes, o risco fiscal e a Selic elevada devem manter o estrangeiro afastado da B3 neste ano.

Outro fator externo que pressionou o Ibovespa foi, assim como ontem, a incerteza sobre o ritmo de crescimento da economia chinesa. Blue chips de commodities recuaram, vide Vale (-1,86%) e Petrobras PN (-1,06%) e ON (-0,35%) – a estatal inclusive ignorou a alta de 1,13% (WTI, a US$ 73,96) e 0,76% (Brent, a US$ 76,51) do petróleo.

O Banco do Povo da China (PBoC) repetiu a promessa de implementar cortes de compulsórios bancários e de juros em algum momento ainda não definido neste ano. Contudo, o economista-chefe da Fami Capital, Gustavo Bertotti, pondera que “o mercado ainda está em compasso de espera e reagiu com sensibilidade à queda do minério de ferro”, que fechou a US$ 104,66 por tonelada (-2,18%) em Dalian. Ele acrescenta que em 2024 o governo chinês demorou para fazer estímulos mais contundentes.

Dólar

Depois de oscilar entre perdas e ganhos, o dólar subiu na comparação com o real, ganhando força na reta final do pregão, em paralelo ao movimento observado no mercado de Treasuries, onde as taxas de juros avançaram. A queda nos preços de boa parte das commodities também colaborou para a alta do dólar, após dois dias seguidos de desvalorização da moeda americana. A taxa de câmbio, porém, segue próxima do nível observado antes do recesso de Natal, devido ao volume reduzido de negócios no final do ano passado e no início deste ano.

A estabilidade do dólar nas últimas duas semanas contrasta com a expectativa de valorização da moeda nos próximos meses. Victor Falarino, líder da operação offshore da Blue3 Investimentos, aponta que tanto a possibilidade de menos cortes de juros nos Estados Unidos quanto a de crescimento robusto na economia do país têm potencial para fortalecer o dólar.

Além disso, o real pode ser prejudicado por fatores domésticos. “Existe receio do estrangeiro em relação a investimentos brasileiros. O fato de a gente não estar mostrando tanto compromisso com controle de gastos deixa o investidor reticente”, disse Falarino.

Marcos Weigt, head da tesouraria do Travelex Bank, acredita que a nova faixa de preço do dólar deve ficar entre R$ 6,00 e R$ 6,30 – ou mais – caso o governo não apresente medidas capazes de diminuir incerteza fiscal. “Se vierem medidas objetivas de corte de gastos, mesmo com dólar valorizando no mundo, há chance de ele cair ante o real, porque estamos bem mais desvalorizados que outras moedas.”

O aumento esperado no diferencial de juros entre Brasil e Estados Unidos será de pouca ajuda ao real, segundo os especialistas, justamente porque o receio com a situação fiscal brasileira está no topo das preocupações do mercado e tem mais peso no cálculo de risco dos investidores.

“Hoje o diferencial de juros não estimula os investidores a ficarem vendidos em dólar, mas é uma penalização para quem quer ficar comprado. Carregar uma posição comprada em dólar ante real custa muito caro, mas vejo poucas pessoas com vontade de ficar vendido por causa disso, de ganhar esse carrego. O carrego é bom quando se acha que a moeda pode valorizar ou pelo menos ficar estável”, disse Weigt.

O dólar à vista avançou 0,32%, para R$ 6,1821, mas chegou a cair 0,42% na mínima, a R$ 6,1362, e a subir 0,61% na máxima da sessão, a R$ 6,2002. Na semana, o dólar à vista caiu 0,18%.

Juros

Os juros futuros encerraram a sessão em baixa, na contramão do avanço do dólar e dos rendimentos dos Treasuries. A exemplo desta quinta-feira, 2, o mercado continuou corrigindo excessos de prêmios embutidos na curva no fim do ano passado, uma vez que o noticiário e a agenda seguiram sem destaques. A liquidez, ontem já abaixo do padrão, foi ainda menor nesta sexta, 3, refletindo a ausência de muitos players no período entre o feriado de Ano Novo e o fim de semana. No acumulado da semana mais curta, as taxas também cederam ante os níveis de fechamento da última sexta-feira.

A taxa do contrato de Depósito Interfinanceiro (DI) para janeiro de 2026 encerrou a 15,06% (mínima), de 15,20% ontem no ajuste, e a do DI para janeiro de 2027, a 15,50% (de 15,71%). O DI para janeiro de 2029 terminou com taxa de 15,32%, ante 15,55% no ajuste.

O movimento de baixa ocorreu mesmo em meio à piora nos mercados de câmbio e Treasuries, mas as taxas reduziram o ritmo de queda quando o dólar e os yields dos títulos dos EUA se firmaram em alta. O PMI Industrial norte-americano veio acima do esperado e o presidente do Federal Reserve de Richmond, Tom Barkin, alertou em discurso que “os riscos estão mais do lado da inflação que do crescimento”.

O dólar à vista subiu 0,32%, para R$ 6,1821, voltando a flertar com o nível de R$ 6,20 nas máximas do dia. A taxa da T-note de dez anos subia a 4,597% no fim da tarde.

O estrategista-chefe da BGC Liquidez, Daniel Cunha, afirmou que a grande reprecificação na curva, “de proporções até históricas”, no final de 2024, deixou algum espaço para as taxas cederem nesse ambiente de pouca liquidez e notícias escassas, em que pesem os fundamentos e a maior aversão a risco nos mercados de ações e câmbio. Ele pondera que, dada a ausência de notícias e dados, os movimentos ficam pontualmente desconexos, sem grande vetor aparente. “Os volumes são ainda muito tímidos, o que é normal para essa época do ano, então é difícil fazer grandes análises.”

Diante das preocupações com o cenário fiscal e o exterior mais adverso para emergentes, o alívio nos prêmios não é visto como tendência no curto prazo. “Difícil ver essas taxas nesse ritmo pontualmente um pouco mais benigno, parece ser algo realmente mais técnico. O jeito que terminou 2024 diz muito do que esperar em 2025”, afirmou Cunha, referindo-se à decepção do mercado com o anúncio do pacote fiscal. “É uma dinâmica muito clara e preocupante”, completou.

Os mercados podem retomar alguma normalidade na próxima semana, quando a agenda começar a se desenrolar. Logo na segunda-feira haverá divulgação da Pesquisa Focus, na qual o mercado estará de olho nas variações das medianas de inflação, Selic e câmbio. Na sexta-feira (10) tem o IPCA de dezembro e de 2024. No exterior, o destaque serão a ata do Federal Reserve, na quarta (8), e o payroll americano na sexta (10).

Estadão Conteudo

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