A recuperação dos ativos brasileiros após a dureza do comunicado e, especialmente, do guidance de dois novos aumentos de 100 pontos-base na Selic, em janeiro e março de 2025, não veio nesta quinta-feira, 12, ao contrário do que se chegou a esperar. A curva de juros mostrou ajuste tanto nos vértices curtos como nos longos, o dólar voltou para 6,00% (+0,86%) após ter fechado ontem abaixo do limiar, e o Ibovespa caiu 2,74%, aos 126.042,21 pontos – a maior perda diária para o índice da B3 desde a queda de 3,06% ocorrida em 2 de janeiro de 2023, há quase dois anos.
Desde a abertura, aos 129.587,08 pontos, o Ibovespa operou apenas no negativo, atingindo, na mínima do dia, à tarde, os 125.828,56 pontos – ontem, na máxima, havia chegado aos 130.898,89 pontos, no maior nível intradia desde 7 de novembro. Após ter subido ontem para perto de R$ 30 bilhões, o giro financeiro se acomodou um pouco nesta quinta-feira, a R$ 26,9 bilhões. Na semana, o Ibovespa ainda sustenta leve ganho de 0,08% e, no mês, sobe 0,30% – no ano, cede 6,07%.
“O mercado voltou a operar estressado, mesmo que o aumento estivesse, em parte, precificado na curva de juros, com a Selic chegando no horizonte curto a 14,25%. Cenário já estava bem esticado para juros, e a comunicação do Copom veio no tom que precisava para ancorar as expectativas e também o dólar”, diz Felipe Moura, analista da Finacap.
“Mas o mar segue turbulento, o mercado está muito disfuncional com o nível de volatilidade que se viu hoje, fora da normalidade. Ontem um procedimento médico no presidente Lula levou a Bolsa a subir 3 mil pontos em minutos. Os instrumentos de navegação não estão funcionando direito, é preciso deixar a tempestade passar”, acrescenta o analista, observando que o momento dificulta leitura clara do cenário inclusive em relação a temas palpáveis, como o pacote de cortes de gastos.
“Foi um dos piores dias dos últimos tempos. Mais dois aumentos de 100 pontos-base que vêm pela frente, sinalizados ontem pelo BC, mostram o grau de preocupação com o fiscal – e a política monetária não consegue resolver tudo sozinha, sem a contribuição do fiscal”, aponta Rodrigo Moliterno, head de renda variável da Veedha Investimentos.
“Há muito desconforto no mercado e um cenário político que envolve agora também a saúde do presidente Lula, debilitado, e ministros dizendo que ele, sim, vai ser candidato à reeleição em 2026”, acrescenta. “E se nota a demora no andamento do pacote de cortes de gastos proposto pelo governo, ainda que o plano não seja o suficiente”, conclui Moliterno.
“O resultado do Copom ontem deveria ter sido positivo para o comportamento do câmbio hoje, na medida em que o diferencial de juros tende a ficar mais atrativo para o ingresso de fluxo de capitais”, observa Cristiane Quartaroli, economista-chefe do Ouribank. “Mas há outros fatores que pesam também, como a questão fiscal e, agora, a própria saúde do presidente, que trazem um grau maior de volatilidade para os ativos”, acrescenta.
“Decisão do Copom de ontem, que incluiu o guidance de 100 pontos-base para as duas reuniões seguintes, indica um nível maior para a taxa de juros real, em torno de 10%, com Selic terminal a 14,25%. Isso corrobora que as expectativas ficaram completamente desancoradas pela ação do governo, o que é contraproducente para o próprio governo – que deseja juros mais baixos e inflação controlada”, diz Paulo Henrique Duarte, economista da Valor Investimentos.
Assim, com foco total no cenário macro nesta quinta-feira, apenas uma das 86 ações do Ibovespa conseguiu subir na sessão: Hapvida, em alta de 1,12% no fechamento. Na fila das 85 restantes, as perdas foram puxadas, basicamente, por ações associadas ao ciclo doméstico e, em maior ou menor grau, sensíveis a juros, como Pão de Açúcar (-11,02%), Petz (-10,55%), Minerva (-9,62%) e Magazine Luiza (-9,01%).
O dia também foi negativo para as gigantes de commodities, que costumam ser opções defensivas em correções como a de hoje, por estarem correlacionadas a preços e demanda formados no exterior – e por se beneficiarem do fortalecimento do dólar, como exportadoras. A principal ação do Ibovespa, Vale ON, cedeu hoje 2,89% e as perdas em Petrobras ficaram em 2,55% (ON) e 1,79% (PN). Entre os grandes bancos, as quedas nesta quinta-feira ficaram entre 1,43% (BB ON) e 3,56% (Santander Unit).
Dólar
As incertezas fiscais domésticas e o avanço da moeda americana no exterior impediram que o real se beneficiasse hoje do choque de juros promovido ontem pelo Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central. Após um mergulho nas primeiras horas de negócios, quando furou o piso de R$ 5,90 e registrou mínima a R$ 5,8681, o dólar à vista ganhou força no restante do pregão e voltou a fechar acima do nível de R$ 6,00.
A derrocada do real se deu em meio a notícias sobre as negociações do pacote fiscal no Congresso, que acentuaram o risco de desidratação e redução da potência das medidas de contenção de gastos propostas pelo ministério da Fazenda. Esse movimento se deu em conjunto com a piora dos demais ativos domésticos, em especial avanço dos juros futuros longos, mais ligados à percepção de risco fiscal.
Operadores citaram também fatores técnicos que podem ter turbinado o dólar, como ajustes e realização de lucros, após o tombo da moeda ontem no fim da tarde e hoje pela manhã, e demanda pontual mais forte de importadores. Ontem, o dólar mergulhou na reta final da sessão e fechou em queda de 1,53%, em movimento que coincidiu com a informação de que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva passaria por novo procedimento intracraniano.
Após máxima a R$ 6,0487, o dólar à vista perdeu parte do fôlego na reta final dos negócios e fechou em alta de 0,86%, cotado a R$ 6,0072. Principal termômetro do apetite por negócios, o contrato de dólar futuro para janeiro apresentou giro expressivo, acima de US$ 19 bilhões – que sugere mudanças relevantes de posicionamento dos investidores.
Lá fora, o índice DXY – termômetro do comportamento da moeda americana em relação a uma cesta de seis divisas fortes – apresentou leve alta, aproximando-se dos 107,000 pontos na máxima (106,962 pontos). As taxas dos Treasuries subiram após resultado acima do esperado da inflação ao atacado nos EUA. A moeda americana subiu em bloco na comparação com divisas emergentes e de países exportadores de commodities, com o real como grande destaque negativo.
O economista-chefe da Monte Bravo, Luciano Costa, afirma que após a reação inicial do mercado ao tom mais duro do Copom, a taxa de câmbio voltou a espelhar o desconforto com a questão fiscal, que tem caráter mais estrutural.
“As notícias de tramitação das medidas não foram boas, com mudanças em projetos de lei que tiram potência e efetividade do pacote. E o prazo para votação neste ano é muito apertado”, afirma Costa. “E mesmo que o governo consiga a aprovação, vai ter que adotar novas medidas mais à frente para cumprir as metas”.
O secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Dario Durigan, se reuniu hoje à tarde com os relatores do plano fiscal no Congresso. Fontes ouvidas pelo Broadcast afirmaram que haverá mudanças em propostas relacionadas ao BPC e ao projeto que limita utilização de créditos para compensação de débitos tributários.
Ontem, o Copom elevou a taxa Selic em 1 ponto porcentual, para 12,25%, em um comunicado considerado duro. A decisão já era esperada por ala relevante do mercado. A surpresa ficou por conta da afirmação de que o comitê “antevê, em se confirmando o cenário esperado, ajustes de mesma magnitude nas próximas duas reuniões”.
Em tese, juros mais altos aumentam a atratividade para operações de carry trade, que exploram diferença de juros entre países. Além disso, tornam mais custoso o carregamento de posições em dólar, o que deveria levar a desmonte de parte de hedge cambial e até de apostas contra a moeda brasileira.
“Deveríamos ver um movimento de apreciação do câmbio com o BC reforçando a âncora monetária. Mas o quadro fiscal está tão fragilizado que não há espaço para os prêmios de risco cederem”, afirma Costa, da Monte Bravo.
Pela manhã, o BC vendeu oferta integral de US$ 4 bilhões divididos em dois leilões de linha com compromisso de recompra. Operadores afirmam que a operação buscou suprir demanda de moeda à vista típica de fim de ano, quando as linhas para financiamento de comércio escasseiam e há remessas de lucros e dividendos ao exterior.
Juros
Os juros futuros fecharam a sessão em alta, mais acentuada na ponta curta, em função da reação ao comunicado do Copom mais hawkish do que o previsto. O impacto ao longo do dia, porém, acabou sendo contaminado pelas preocupações com o cenário fiscal, em meio ainda à maior cautela no ambiente externo.
A percepção é de que a política monetária terá de ser até mais agressiva que o sugerido pelo colegiado para compensar a falta de rigor na gestão das contas públicas, diante do pessimismo sobre a aprovação do pacote de corte de gastos ainda em 2024. A precificação da curva para a decisão de janeiro já embute um aumento de 1,25 ponto porcentual, com Selic terminal próxima novamente dos 16%.
A taxa do contrato de Depósito Interfinanceiro (DI) para janeiro de 2026 saltou de 14,26% para 14,66% e a do DI para janeiro de 2027, de 14,49% para 14,71%. A taxa do DI para janeiro de 2029 encerrou em 14,16% (de 14,12%).
As primeiras horas da sessão foram dedicadas à repercussão do Copom. O aumento da Selic em 1 ponto, para 12,25%, estava bem precificado, mas não os outros dois da mesma magnitude que foram sinalizados, o que surpreendeu o mercado.
O Copom deixou ainda em aberto a questão sobre até onde o ciclo pode chegar, alegando que a magnitude total será ditada pelo firme compromisso de convergência da inflação à meta. As taxas curtas subiram e as curtas cederam, ambas de forma expressiva, cumprindo a expectativa de achatamento da curva prevista ainda ontem pelos analistas.
O efeito Copom na ponta curta foi ainda potencializado pelo resultado das vendas do varejo. O varejo restrito avançou 0,4% e o ampliado, 0,9%, em outubro abre setembro. As medianas eram de -0,2%, com intervalo de -1,3% a +0,5%, e 0,7% (intervalo de -1,4% a zero).
No fim da manhã, o recuo da ponta longa começou a perder fôlego com a piora do câmbio e na curva americana, com os Treasuries pressionados para cima. A virada consistente de sinal veio no começo da tarde, após apuração do Broadcast de que representantes do Judiciário estão defendendo junto a deputados mudanças no trecho da PEC do pacote que trata do combate às exceções ao teto remuneratório do funcionalismo público.
Já o relator de um dos projetos, deputado Isnaldo Bulhões, disse que fará ajustes nas regras do Benefício de Prestação Continuada (BPC), mas manterá a regra do salário mínimo como enviado pelo governo. Com os projetos do pacote travados no Congresso, há impasse sobre a inclusão do novo valor do mínimo, a vigorar a partir de 2025, no Orçamento.
Mesmo o impacto, que seria positivo, da alteração do projeto que estabelece gatilhos para o arcabouço foi relativizado. Segundo o secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Dario Durigan, a mudança será feita para garantir que o superávit financeiro de alguns fundos públicos só possa ser usado para amortizar a dívida.
O economista-chefe da Monte Bravo, Luciano Costa, explica que há uma preocupação com as idas e vindas dos textos, que, além de enfraquecer o potencial de economia, tendem a atrasar ainda mais a tramitação no Congresso. “A agenda é pesada e o tempo, exíguo”, afirma. Ele lembra ainda que as negociações ocorrem num momento em que o presidente Lula, que se recupera de uma cirurgia craniana, está fora de combate. “Como articulador que é, Lula seria essencial para fechar os acordos necessários para acelerar a tramitação. Os ministros envolvidos não têm o mesmo peso”, afirma.
Na contas do mercado, a âncora fiscal fragilizada deve sobrecarregar a política monetária até mais do que indicou o Copom ao colocar a Selic em 14,25% na reunião de março. Por volta das 15h30, a curva projetava, segundo Costa, taxa terminal de 15,85% e 127 pontos de alta em janeiro. Ainda que boa parte disso possa não ser apostas firmes e representar apenas prêmios de risco, tecnicamente a curva precifica já integralmente um aperto de 125 pontos na próxima decisão.