Posse e domínio. Na maioria dos casos de violência doméstica praticados contra mulheres, este é o sentimento que predomina como motivação. E é justamente isso que o projeto Papo: De Homem para Homem tenta desconstruir. Idealizada pelo titular da Delegacia Especializada de Defesa da Mulher, Criança e Idoso (DEDMCI) de Várzea Grande, Cláudio Álvares Sant’Ana, a iniciativa visa conscientizar os homens com relação ao combate da violência contra a mulher.
Só em 2019, o projeto alcançou cerca de mil pessoas. A ideia surgiu quando ele assumiu a DEDMCI, em junho de 2014, ao perceber que além da Lei Maria da Penha (11.340/06), que oferece proteção às vítimas, era necessário também desenvolver um trabalho preventivo junto ao público masculino. Segundo o delegado, a legislação é considerada a terceira melhor do mundo, mas o Brasil ainda é o 5º país com maior número de homicídios de mulheres, segundo o Mapa da Violência 2015.
“É uma questão cultural, o comportamento machista está arraigado na nossa sociedade. Pensando nisso, além das conversas com os homens nas empresas e órgãos públicos, fazemos palestras nas escolas também, trabalhando na base da educação dos jovens a importância de respeitar as mulheres, e entender que elas têm autonomia sobre a própria vida e o próprio corpo”, ressalta Cláudio Álvares.
O projeto ganhou força em 2018, conforme a iniciativa foi sendo divulgada e estruturada. “Fazemos a conscientização sobre os desgastes e o sofrimento que isso gera, não só para a mulher, mas para o homem também, e toda a família. Eu costumo dizer que a violência física dói muito, é traumática, mas as palavras, as humilhações e os gestos agressivos são difíceis de superar, é algo que machuca profundamente”.
A importância do envolvimento masculino nesta luta é o foco do Dia Nacional de Mobilização dos Homens pelo Fim da Violência contra as Mulheres, celebrado nesta sexta-feira (06.12). Mas o delegado frisa que é preciso adotar esta postura diariamente, na contramão dos números. Só a DEDMCI de Várzea Grande teve 1.650 inquéritos instaurados este ano e 1.690 concluídos (o número é maior porque inclui investigações iniciadas em 2018). Também em 2019, foram efetuadas cerca de 40 prisões pela unidade.
Patrulha Maria da Penha
Ativa em Cuiabá desde outubro de 2018, a Patrulha Maria da Penha já atendeu até o momento 248 mulheres que possuíam alguma medida protetiva decretada. Atualmente, 60 estão sendo acompanhadas pela equipe da Polícia Militar (PM-MT). Inicialmente, o projeto piloto atendeu 37 vítimas, pois a área foi limitada ao Dom Aquino, bairro cujo levantamento da Delegacia Especializada de Defesa da Mulher (DEDM) da Capital apontou maior número de casos relacionados à violência doméstica.
Agora, os atendimentos já chegaram também aos bairros CPA, Pedra 90, Dr. Fábio e outras regiões que às vezes são solicitadas pelos juízes das 1° e 2ª Varas Especializadas de Violência Doméstica de Cuiabá. Segundo a subtenente PM Patrícia Edvirges, que compõe a Patrulha Maria da Penha, após a primeira visita à vítima, ocorre também uma conversa com o agressor, no sentido de alertá-lo sobre as implicações do descumprimento da medida protetiva.
“A partir daí ele passa a entender que está cometendo um crime e que a Lei funciona, há vítimas que estamos acompanhando há mais de um ano, mas no geral esse trabalho de conscientização tem dado resultado”.
O acompanhamento da Patrulha visa evitar os crimes de feminicídio, que são homicídios cometidos contra mulheres em função do gênero. Entre janeiro e setembro de 2019 foram registrados em Mato Grosso 36 casos desta natureza. Segundo o levantamento feito pela Coordenadoria de Estatística e Análise Criminal (CEAC) da Secretaria de Estado de Segurança Pública (Sesp-MT), houve um aumento de 5,8% em relação ao mesmo período de 2018, quando foram contabilizadas 34 ocorrências.
“A participação dos homens no debate é fundamental, porque quando eles passam a entender os males causados pela violência contra a mulher, passam a conscientizar outros homens também. É preciso compreender que não se trata de uma luta das mulheres contra eles, mas sim contra a violência, é uma luta de todos”, acrescenta a subtenente.
Sobre a data
O Dia Nacional de Mobilização dos Homens pelo Fim da Violência contra as Mulheres foi oficializado por meio do Decreto de Lei nº 11.489, de 20 de junho de 2007. A data remete a um caso de violência contra as mulheres que chocou o mundo. Em 06 de dezembro de 1989, Marc Lepine, um jovem canadense de 25 anos, invadiu uma sala de aula da Escola Politécnica de Montreal (Canadá) e ordenou que todos os homens abandonassem o local, para que pudesse assassinar todas as mulheres daquela turma.
Logo após o ato hediondo, Marc suicidou-se, e deixou uma carta explicando os motivos que o levaram a isso. Ele não admitia que mulheres frequentassem o curso de Engenharia, uma área tradicionalmente masculina, segundo Marc. Comovidos e chocados com este caso, um grupo de homens canadenses criou a Campanha do Laço Branco (White Ribbin Campaign), um movimento que visa fomentar a igualdade de gêneros e uma nova visão sobre a masculinidade.
Assim, o Dia Nacional de Mobilização dos Homens pelo Fim da Violência contra as Mulheres nasceu da Campanha Laço Branco, que no Brasil é coordenada pela Rede de Homens pela Equidade de Gênero (RHEG).