Se o brasileiro foi algum dia um “homem cordial” como escreveu em meados do século passado o historiador Sérgio Buarque de Holanda, deixou de sê-lo definitivamente neste período pré-eleitoral.
Não que fôssemos no passado exemplo de elegância, mas pelo menos convivíamos bem com os adversários políticos, superando eventuais hostilidades em favor de uma vida social mais saudável. Não éramos irascíveis e destemperados como nos tornamos hoje. Isso começou depois que os principais líderes políticos que disputam as eleições deste ano, resolveram agrupar muitos de nós em dois violentos batalhões plenos de raiva desejosos de agredir o outro.
Este rancor generalizado não nasceu ontem. Há mais ou menos 30 anos um dos tais líderes achou um campo propício para lançar a semente do confronto, criando o “nós contra eles”. Anos mais tarde o lema mais atual e enfático “o bem contra o mal” foi adotado pelo segundo líder.
Essa é a herança maldita que vai nos acompanhar por muitos anos independentemente do vencedor da atual disputa eleitoral. Tal herdade tem o potencial de ser duradoura e manter-se viva tal qual o Trumpismo nos Estados Unidos. Ele (o Trump), apesar do destempero e da leviandade mantém muitos seguidores que o idolatram como fazem com o “mito” aqui no Brasil.
Lula e Bolsonaro, agora dando nome aos bois, já conseguiram por egoísmo ou por ignorância retroceder o processo civilizador do País criando inimizades entre grupos, instituições, famílias ou pessoas que antes viviam em razoável entendimento. Há três décadas se havia alguma animosidade verbal no auge das campanhas eleitorais pouco depois da contagem dos votos os ânimos serenavam e a paz voltava.
A incivilidade agora está distribuída no país inteiro, não estou falando de atos isolados como aquele vivido no Paraná quando um eleitor invadiu a casa onde havia uma comemoração e matou o dono da festa por apoiar outro candidato. Nem do ataque de fúria contra um pesquisador do Data-Folha em São Paulo. Falo de algo maior, qual seja a divisão da sociedade entre Lulistas e Bolsonaristas e a estimulação do enfrentamento entre eles.
Nesses 20 anos pioramos muito, passando a descrer de nossas instituições, a duvidar do processo eleitoral e a crermos em teorias conspiratórias. Trocamos a civilidade por armas, admitimos a volta de um condenado (ou ex), perdemos a confiança nas vacinas, desprezamos as universidades e com elas a ciência. Pior, elevamos à condição de heróis e mitos os dois inconsequentes que destruíram nossos valores.
Para retomar o avanço da civilidade os próximos quatro anos parecem perdidos, pois qualquer um que for derrotado nesta eleição (Lula ou Bolsonaro) continuará instigando o confronto. Somente depois, digamos oito anos, se tivermos muita sorte, um candidato conciliador, combatendo exatamente o ódio como mote de campanha, iniciará a pacificação da sociedade para retomarmos o caminho do processo civilizador.
Não sei se ele (o apaziguador) será de direita, de esquerda ou de qualquer nuance que existe entre os dois extremos, mas será sereno, prudente, ponderado e sensato, qualidades que os atuais candidatos mitológicos esqueceram de pedir quando foram distribuídas as virtudes no mundo.
Renato de Paiva Pereira – empresário e escritor