Deputados de oposição apresentaram destaque tentando modificar as novas regras aprovadas ontem para recebimento de seguro-desemprego e abono salarial (benefício pago anualmente a trabalhadores de baixa renda). No entanto, todas as propostas foram rejeitadas pela maioria da casa nesta quinta-feira.
Após muita polêmica, o governo conseguiu aprovar na noite anterior a MP (Medida Provisória) 665, que torna mais difícil o acesso aos dois benefícios.
O texto aprovado prevê que uma pessoa que solicite o seguro-desemprego pela primeira vez precisará ter trabalhado por pelo menos 12 meses (ao invés dos seis atuais). O governo queria originalmente que o prazo fosse de 18 meses, mas foi obrigado a recuar.
A vitória na Câmara foi apertada, com 252 votos a favor e 227 contra. Nove deputados do PT e 16 do PMDB não votaram a favor da medida, de teor impopular – parte deles faltou à sessão. A perda de apoio da base aliada foi compensada com alguns votos de oposição, como oito do DEM.
As novas regras que passaram na Câmara também estabelecem que o abono salarial será proporcional ao tempo trabalhado no ano e que só terá direito o benefício quem trabalhar formalmente no mínimo três meses.
Antes, todo trabalhador de baixa renda (até dois salários mínimos) que trabalhasse pelo menos um mês com carteira assinada no ano podia requerer o benefício integral de um salário mínimo. O governo defendia ampliar esse prazo para seis meses, mas também teve que ceder nesse ponto.
A MP 664, que muda as regras de pagamento de pensões, também sofreu alterações em um comissão especial da Câmara e ainda será votada no plenário.
As medidas de ajuste fiscal são consideradas essenciais pela presidente para reorganizar as finanças públicas e permitir a retomada do crescimento econômico. A meta inicial com as duas MPs era economizar R$ 18 bilhões neste ano, mas as alterações feitas pelos deputados reduziram esse valor em cerca de R$ 3 bilhões.
Qual o motivo do ajuste?
A intenção do governo de restringir o acesso ao seguro-desemprego já vinha sendo discutida desde o primeiro mandato de Dilma, ainda quando Guido Mantega estava à frente do Ministério da Fazenda, diante das sucessivas dificuldades que o governo vem tendo para alcançar suas metas anuais de economia, o chamado superávit primário.
O objetivo dessa economia é pagar juros da dívida pública, evitando que ela cresça em proporção ao PIB. A estabilidade da dívida é considerada importante para manter a oferta de crédito para o governo, a juros menores. Seu crescimento descontrolado pode afastar investidores dos títulos públicos, elevando as taxas pagas pelo Tesouro Nacional.
As MPs 664 e 665 foram finalmente editadas no fim do ano passado, quando Joaquim Levy já havia sido anunciado como sucessor de Mantega.
Na manhã de quarta-feira, o ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, fez uma apresentação na Comissão de Finanças e Tributação da Câmara. Segundo gráficos apresentados, o pagamento de seguro-desemprego passou de R$ 6,6 bilhões em 2003 para R$ 36 bilhões em 2014, alta nominal (sem descontar a inflação do período) de 445%. Já o repasse de abono salarial subiu 783% no mesmo período, de R$ 1,8 bilhão para R$ 15,9 bilhão.
Soa contraditório que o seguro-desemprego tenha aumentado tanto justamente na década em que o desemprego recuou significativamente no país. Mas economistas apontam alguns fatores que explicam esse aumento ─ de um lado, houve forte expansão da formalização no mercado de trabalho no país, o que significa que mais gente têm carteira de trabalho assinada e pode acessar o benefício em caso de demissão.
E, por outro lado, embora o desemprego esteja historicamente baixo, o país continua tendo alta taxa de rotatividade no mercado de trabalho.
Além disso, o governo suspeita da existência de fraudes. Para Levy, as alterações podem ter o efeito de reduzir a rotatividade, incentivando a qualificação profissional dos trabalhadores.
O abono salarial, nas regras anteriores a MP, dava direito a um salário mínimo para pessoas de baixa renda que trabalhassem formalmente pelo menos um mês no ano – é fácil entender o crescimento desse benefício, portanto, se lembrarmos que a maior parte das vagas formais geradas na última década foram exatamente posições para faixas de renda mais baixas.
No caso das mudanças no pagamento das pensões pela Previdência Social, Levy afirma que são ajustes para conter "distorções e excesso", como no caso de benefícios vitalícios recebidos mesmo por pessoas que teriam condições de trabalhar.
"Se você se torna viúvo, em certa idade, não precisa ter a pensão a vida inteira. Fizemos um ajuste em que (…) quanto maior for sua expectativa de vida, menor será o tempo que você receberá a pensão, porque acreditamos que você tem tempo para ir ao mercado e construir a sua própria pensão", afirmou o ministro, em uma das ocasiões em que defendeu seu pacote fiscal.
Críticos
No entanto, os críticos das medidas ─ como centrais sindicais, partidos à esquerda do governo como o PSOL, e mesmo membros do PT ─ argumentam que o ajuste fiscal deveria recair sobre a parcela de maior renda da população, com taxações mais elevadas de grandes fortunas e da transmissão de herança. Alguns também questionam se cortar despesas do governo realmente resultará em mais crescimento.
Em entrevista recente à BBC Brasil, o economista Paul Singer, um dos fundadores do PT e atualmente secretário de Economia Solidária do Ministério do Trabalho e Emprego, disse que não vê necessidade do ajuste ser feito "às carreiras", ou seja, apressadamente.
"O governo não pode ficar em déficit indefinidamente, mas se fica um, dois ou três anos, não tem problema algum. Eu não tenho nada contra ajuste fiscal quando não é feito às carreiras, brutalmente como está sendo feito, o que aprofunda a situação de crise em que está a economia", disse.
"O prioritário seria fazer o ajuste com aumento de receita do governo (vinda) da parte rica da sociedade. A parte rica está sendo poupada. Não é verdade que os impostos que eles pagam é absurdo. Pelo contrário, pagam relativamente menos que a parte mais modesta da população", acrescentou.
Fonte: BBC BRASIL