A retomada das negociações entre governo federal e servidores culminou em 48 acordos em 2024, que não apenas acertaram a concessão de reajustes salariais, mas promoveram o alongamento dessas carreiras, um dos pilares da reforma administrativa que não avançou no Congresso. A ampliação do número de degraus necessários para chegar ao topo da carreira traz algum alívio nas contas do Executivo, mas essa reestruturação divide o funcionalismo e carece de complementação para mais efetividade.
Após a concessão de um reajuste linear de 9% para todas as carreiras em 2023 e dos auxílios alimentação, saúde e creche neste ano, o governo firmou acordo com a maior parte dos servidores para reajustes salariais escalonados – em janeiro de 2025 e abril de 2026, o que encerra as negociações de aumento nesta gestão -, além da reestruturação de carreiras. O secretário de Relações de Trabalho do Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos (MGI), Jose Lopez Feijóo, explica que antes desse processo, apenas 30% das carreiras do funcionalismo tinham 20 padrões – que são os degraus necessários para chegar ao topo. A regra, segundo ele, eram 13 padrões.
“Teremos 86% das carreiras com 20 padrões a partir de janeiro, que é quando vão começar a vigorar os acordos. Há um processo de reestruturação bastante importante”, defende. Questionado se esse é um tipo de reforma administrativa sem a apresentação de uma nova Proposta de Emenda à Constituição (PEC), Feijóo diz que sim. “Essa é uma questão também de interesse do governo, ter carreiras mais alongadas. As categorias foram contempladas com o reajuste bom na sua estrutura salarial, mas ao mesmo tempo o governo também conseguiu alongar as carreiras”, diz.
Rudinei Marques, presidente do Fórum Nacional Permanente de Carreiras Típicas de Estado (Fonacate), diz que dos 48 acordos firmados pelo governo, pelo menos 39 incluíram o alongamento das carreiras. “Tem uma reforma administrativa de fato acontecendo, com o alongamento das carreiras, o Concurso Nacional Unificado, que propõe democratizar o acesso ao serviço público, a Lei Geral de Concursos que os parametrizou em todo o País e a digitalização de serviços”, cita.
Ele ainda aponta o Programa de Gestão de Desempenho, que instituiu o teletrabalho e a gestão por entrega. “Isso aumentou muito a produtividade do serviço público. É uma avaliação de desempenho na prática, porque o servidor é medido nas suas entregas a cada três meses, em geral. Muita coisa aconteceu e acontece num ritmo tão acelerado também que a gente custa a mapear tudo que foi implementado nesses dois anos de governo”, diz.
A professora de economia do Insper Juliana Inhasz avalia que a reestruturação de carreiras sem uma reforma administrativa ampla é tímida. “Você alonga as carreiras e o funcionário público levará mais tempo para chegar ao topo. Mas o fato é que todos vão chegar. Muito se questiona sobre a existência de métricas mais claras para produtividade, para embasar, inclusive, essa progressão”, diz.
Para ela, uma medida mais ampla que abarcasse também a discussão do que é produtividade e que limitasse a chegada ao topo da carreira seria mais benéfica. “Se você coloca uma regra mais dura para que esse funcionário chegue ao topo da carreira, nem todos vão chegar, e isso, sem dúvida, também contribui para conter um tanto dos gastos com pessoal”, pondera.
Divergências
A retomada do diálogo e a equalização dos padrões foram passos importantes, na avaliação de Sérgio Ronaldo, representante do Fórum de Entidades Nacionais dos Servidores Públicos Federais (Fonasefe), mas, para ele, ainda falta muito para as reestruturações de carreira de fato.
O sindicalista defende uma diretriz unificada e a aglutinação de cargos, para eliminar discrepâncias de ingresso e evolução na carreira para funções similares em órgãos distintos. Ele também questiona o modelo de negociação desse ano. “Esse processo fragilizou, em alguns momentos, algumas carreiras e outras tiveram suas estruturas fortalecidas por conta do seu peso”, avalia.
O diretor jurídico da Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Federal (Condsef), Edison Cardoni, pondera que as negociações deste ano têm um problema grave. “A política do MGI nas negociações provocou um aumento das distorções salariais entre servidores de mesmo nível de escolaridade, muitas vezes até mesmo dentro da mesma carreira”, disse, frisando que houve resistência em relação ao alongamento da carreira. Para ele, há uma elitização do serviço público, com a diminuição de cargos de nível médio e auxiliar, priorizando as contratações de nível superior.
Segundo Feijóo, do MGI, há 16 grupos de trabalho instalados para tratar de demandas específicas de carreira, que vão da mudança na nomeclatura até propostas de exigência de fixação de nível superior. O governo também endereçou uma demanda pelo pagamento de bônus que estava se disseminando entre as carreiras, principalmente após os auditores da Receita Federal terem obtido a regulamentação de uma gratificação por produtividade, instituída por lei em 2017. “Nós deixamos claro para as categorias nesta negociação que o governo não abriria mais política de bônus, que ela ficaria restrita às carreiras que já obtiveram, os auditores fiscais e analistas da receita e os auditores fiscais do trabalho”, diz Feijóo.
Os auditores do Fisco fizeram uma greve no ano passado para garantir o pagamento do bônus. Agora, estão mobilizados novamente em busca de reajuste salarial. Feijóo pontua que, com o pagamento do bônus, os auditores da Receita passarão a ter uma das maiores remunerações do serviço público, que poderá chegar a R$ 41,5 mil em 2026, na soma de salário e bônus. “Como é que eu justifico que uma categoria que pode chegar a receber R$ 41,5 mil com bônus, ainda terá algum outro tipo de reajuste? Só há uma possibilidade: se qualquer reajuste negociado for compensado com uma diminuição do bônus. Simples assim, para ser justo inclusive com as outras carreiras”, frisa.